quinta-feira, 16 de outubro de 2014

MONOGRAFIA (PARTE 1 de 3) | A INFLUÊNCIA DO CRISTIANISMO NO REINO DO KONGO NO PERÍODO DE 1491 – 1568: SUA ABORDAGEM NOS PROGRAMAS DO II CICLO DO ENSINO SECUNDÁRIO - Por Vieira Miguel manuel



INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

ISCED/LUANDA


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

A INFLUÊNCIA DO CRISTIANISMO NO REINO DO KONGO NO PERÍODO DE 1491 – 1568: SUA ABORDAGEM NOS PROGRAMAS DO II CICLO DO ENSINO SECUNDÁRIO






AUTOR: José Landu Milton Sampaio
TUTOR: Mestre João Francisco Saldanha


Trabalho apresentado para obtenção do grau de Licenciatura em Ciências da Educação



Opção: História


LUANDA-2014

_________________________________________________














“A Influência do Cristianismo no Reino do Kongo no Período de 1491-1568: Sua Abordagem nos Programas do II Ciclo do Ensino Secundário”







































«Em vez de reconhecerem corajosamente que não compreenderam nada, preferem cobardemente acusar a África».

MONGO BETI























LISTA DE ACRÓNIMOS

BSE                                          Bases do Sistema de Educação

EUA                                          Estados Unidos da América

IMNE                                        Instituto Médio Normal de Educação
                                                                                                
INIDE                                        Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento  
                                                   da Educação                                    

ISCED                                       Instituto Superior de Ciências da Educação
                                             
LBSE                                          Lei de Base do Sistema de Educação

MED                                           Ministério da Educação

NSE                                             Novo Sistema de Educação

PUNIV                                        Pré-Universitário

RC                                                Reforma Curricular

RE                                                Reforma Educativa

SD                                                 Sem Data

SE                                                 Sistema Educativo

SL                                                 Sem Local

UNESCO                                      Organização das Nações Unidas para a Educação,
                                                       Ciência e Cultura

V. A                                               Vossa Alteza.                                       
                                                                                                                                                                                                      






                      I
DEDICATÓRIA












                                                                   À memória do meu pai Álvaro Óscar Sampaio


































                                                                                                                                                                                                                                                                                        II
AGRADECIMENTOS



            A realização deste trabalho envolveu um vasto conjunto de participantes, aproveitamos o ensejo para manifestarmos publicamente o nosso reconhecimento à todos que directa ou indirectamente contribuíram na execução do mesmo.

            À minha família, pelo apoio incondicional, que sem ela tudo seria em vão. Agradecimento ao corpo directivo da Escola nº 4019 “24 de Junho”, em particular a directora Cacilda Raquel Eugênio, aos professores e aos alunos pela disponibilidade na criação das condições para a realização do trabalho de campo.

            Extensivo agradecimento também aos funcionários da Direcção Provincial da Cultura do Zaire, em especial ao senhor Matalulu Kikumbu, guia do museu dos reis do Kongo e ao director provincial, senhor Biluka Nsakala Nsenga, pela disponibilidade e amabilidade para a concretização das pesquisas no museu dos reis do Kongo e outros sítios históricos.

            Agradecimentos se estendem também aos professores Dominique Chipango, Anabela Cunha, Ana Lobo, Palmira Queiróis, Luís de Barros, Boubacar Keita, Dinis Kebanguilaco, Fernando Gamboa, João Lourenço e tantos outros. Aos colegas e amigos, em particular Francisco Bussulo, Anastâcio Ngalangunga, Helena Lourenço, Peterson Monteiro, Delfim Culecalala, José Kamaty, Júlio Kennedy, Isabel Nascimento pelo apoio moral e material para a conclusão do trabalho.

            Finalmente uma menção especial ao professor João Francisco Saldanha pela participação activa e por disponibilizar grande parte do seu precioso tempo para as sugestões e correcções no sentido de melhorar a qualidade do nosso trabalho.

            Muito Obrigado!




                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                  III
                                                                ÍNDICE



LISTA DE ACRÓNIMOS----------------------------------------------------------------------I

DEDICATÓRIA---------------------------------------------------------------------------------II

AGRADECIMENTOS-------------------------------------------------------------------------III

INTRODUÇÃO-----------------------------------------------------------------------------------6

CAPÍTULO 1- Breve Resenha Histórica do Reino do Kongo--------------------------12

      1.1- Origens do Reino do Kongo---------------------------------------------------------12

      1.2- Organização Político-administrativa - a Pujança do reino-------------------16


      1.3- O Reino do Kongo e Seus Vizinhos------------------------------------------------25

CAPÍTULO 2- A Presença Portuguesa no Reino do Kongo----------------------------32

      2.1- Relacionamento entre os reinos do Kongo e Portugal------------------------- 32

      2.2- Impacto Social--------------------------------------------------------------------------42

      2.3- Impacto Político------------------------------------------------------------------------48

      2.4- Impacto Religioso-Cultural----------------------------------------------------------53

CAPÍTULO 3- Abordagem e Análise Sobre a Temática nos Programas do II Ciclo do Ensino Secundário. Caso Particular da Escola nº 4019 (24 de Junho) Município de Cacuaco----------------------------------------------------------------------------------------58



       IV

      3.1- Comparação da Temática do Antigo Sistema de Educação e do Novo Sistema (Reforma Educativa)-----------------------------------------------------------------58
                                                                                        
      3.2- As metodologias utilizadas para se ministrar os conteúdos dessa
temática--------------------------------------------------------------------------------------------64

      3.3- Dificuldades para ministrar o conteúdo e sugestões----------------------------69
                                          
      3.4- Propostas de novas estratégias, métodos e meios de ensino-------------------74
                                                              
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES---------------------------------------------------77
                                                                                                                   
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS------------------------------------------------------ 80

ANEXOS------------------------------------------------------------------------------------------ 85



INTRODUÇÃO

            O presente trabalho que nos propusemos apresentar com o tema “A Influência do Cristianismo no Reino do Kongo no Período de 1491-1568: Sua Abordagem nos Programas do II Ciclo do Ensino Secundário” enquadra-se no programa de História da 10ª classe do Sistema de Educação da República de Angola. A sua elaboração pareceu-nos oportuno realizá-la no sentido de analisarmos minuciosamente os programas de História na referida classe, sua comparação no antigo sistema e no novo sistema de educação (Reforma Educativa).

E uma vez que o Sistema de Educação (SE) de Angola é caracterizado por dois problemas fundamentais: o acesso e a qualidade, sendo mais grave a situação no domínio da educação básica e da formação média, impondo assim a urgente tomada de medidas de fundo para a inversão da actual situação, onde a taxa líquida de escolarização é inferior a 60%.[1]

Desta forma, o fundamento teórico da escolha deste tema, deveu-se por um lado, no facto de que existirão debilidades por parte dos alunos do II Ciclo, caso as metodologias, estratégias e meios de ensino utilizados para se ministrar os conteúdos dessa temática não forem seleccionados de forma adequada.

E por outro lado, o programa escolar não é estanque, mas sim dinâmico, por isso, deve-se introduzir periodicamente novos conteúdos, métodos, estratégias, meios de ensino e proporcionar melhorias substanciais no desenvolvimento do processo docente educativo. De acordo com as novas exigências emanadas pela Lei de Bases do Sistema de Ensino (LBSE), deve-se melhorar a qualidade de ensino, substituindo desta forma, os programas antigos.

Este trabalho é de extrema importância, uma vez que pretende apresentar uma modesta contribuição para o estudo da história do reino do Kongo e procura demonstrar de que maneira é que o Cristianismo influenciou na ocupação colonial de África no geral e em particular da sociedade bakongo e consequentemente as transformações sociais, políticas e religioso-culturais que esta religião trouxe para o Kongo utilizada como pretexto para o início das relações seculares entre ambos reinos.

            O mesmo também analisa cuidadosamente os programas de História da 10ª classe quer no antigo sistema, como no novo sistema educativo e consequentemente as suas anomalias. O trabalho procura ainda estudar o impacto da RE na Escola nº 4019 “24 de Junho”, localizada no município de Cacuaco e através do estudo deste tema podemos identificar as dificuldades encontradas pelos professores da referida escola para ministrarem o conteúdo da temática e propor novas estratégias, métodos e meios de ensino, no sentido de melhorarem cada vez mais a qualidade de ensino.

A delimitação do tema deveu-se pelo facto de considerarmos o ano de 1491 como o início da influência do Cristianismo no reino do Kongo visto que na primeira viagem de Rui de Sousa deu-se o baptismo do rei e de muitos nobres do Kongo.

Quanto ao ano de 1568, verificou-se o enfraquecimento do reino uma vez que os bakongo estavam divididos pelo facto da aceitação por uns e a recusa por outros do Cristianismo.
Tendo em consideração os problemas levantados e partindo destes e de outros pressupostos, consideramos pertinente colocar algumas questões de estudo. As questões que orientaram a nossa pesquisa foram as seguintes:

1-      Quais são as mudanças sócio-políticas que ocorreram no reino do Kongo após a implementação do cristianismo?
2-      De que maneira é que a presença portuguesa influenciou as estruturas religioso-culturais do reino do Kongo?
3-      Quais são as diferenças da temática do reino do Kongo no Antigo Sistema de Educação e no Novo Sistema (Reforma Educativa)?

            Por conseguinte, enunciado os problemas de estudo cabe-nos destacar as suas hipóteses:

1-                  Ao nível social o reino do Kongo despovoou-se, havia aldeias apenas habitadas por mais velhos e crianças devido a escravatura. E ao nível político, Portugal tinha em vista uma assimilação pura e simples do Kongo à corte de Lisboa, estabelecendo no Kongo a mesma hierarquia que existia em Portugal, e isso num sentido autocrático muito pouco africano.
2-                   
2-      No capítulo religioso-cultural a história das religiões e das ideologias foi marcada pelo surgimento do Cristianismo, fazendo com que o reino do Kongo se tornasse numa região de choque de culturas e civilizações.
3-      Nos programas de História do sistema anterior, a 9ª, 10ª, 11ª e 12ª classes abordavam temáticas referentes a História moderna e contemporânea, não abordando o conteúdo sobre o reino do Kongo.

Como metodologias do trabalho baseamo-nos no método histórico-lógico, fazendo a análise da documentação escrita existente sobre o assunto. Fez-se a comparação dos dados, para o término do resultado alcançado. Foi conduzida uma recolha da literatura e de outras informações publicadas sobre o assunto ao nosso alcance, a recolha também foi retirada da internet, revistas, publicações e jornais.

Também foram distribuídos 75 questionários aos professores e alunos da 10ª classe da Escola nº 4019 “24 de Junho”, curso de Ciências Económico-Jurídicas, 5 questionários aos professores e 65 aos alunos. Finalmente, foram feitas entrevistas aos coordenadores de disciplina de História e aos professores mais experientes sobre o conteúdo.



OBJECTIVO GERAL

- Compreender o impacto do Cristianismo no reino do Kongo nos domínios sociopolítico e religioso-cultural de 1491-1568.



OBJECTIVOS ESPECÍFICOS

            - Descrever a fundação do reino do Kongo e sua organização;
- Precisar as contribuições da Igreja Católica na região em estudo;
- Identificar as mudanças ocorridas no reino do Kongo com a presença europeia;
- Avaliar as metodologias utilizadas pelos professores para ministrar os conteúdos dessa temática;
- Propor novas estratégias, métodos e meios de ensino para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem da referida temática.
Para cumprir cabalmente com os objectivos, realizaram-se as seguintes tarefas:
- Trabalho de investigação no Arquivo Nacional de Angola;
- Trabalho de investigação nas bibliotecas da Igreja Católica;
- Trabalho de investigação nas outras bibliotecas públicas;
- Análise dos Programas de História da 10ª classe do II Ciclo do Ensino Secundário, no Antigo Sistema e no Novo Sistema (Reforma Educativa), onde se trata esta unidade;
- Inquérito aos alunos da 10ª classe da Escola nº 4019 “24 de Junho”, curso de Ciências Económico-Jurídicas;

- Entrevista aos coordenadores de disciplina de História e aos professores mais experientes sobre o conteúdo.

O trabalho está dividido em três capítulos e uma parte final que aborda as conclusões e recomendações.

No primeiro capítulo, fizemos a resenha histórica das origens do reino do Kongo. O reino do Kongo constituiu-se na base da política de alianças com os chefes locais no século XII ou XIII[2], segundo as obras estabeleceu relações comerciais com os reinos vizinhos.

No segundo capítulo, abordamos a questão da presença portuguesa no reino do Kongo e consequentemente o seu impacto no panorama social, político e religioso-cultural, os quais conheceram um outro rumo e outras características. O reino do Kongo despovoou-se, havia aldeias apenas habitadas por mais velhos e crianças devido a escravatura e  a assimilação pura e simples do Kongo à corte de Lisboa foi um facto.

O ISCED como é uma instituição destinada à formação de professores, dedicamos o terceiro e último capítulo para abordar questões de carácter pedagógico. Assim, procuramos analisar os programas do II Ciclo do Ensino Secundário, apresentando alguns conhecimentos que achamos ser pertinentes para uma melhor compreensão da questão.

            Procuramos abordar os professores da Escola nº 4019 “24 de Junho” no sentido de sabermos as principais dificuldades que eles têm encontrado para ministrar o conteúdo sobre o reino do Kongo.

No nosso trabalho procuramos utilizar uma bibliografia diversificada e, entre as obras mais consultadas destacamos as seguintes: História do Reino do Kongo de António Setas; O Reino do Congo, Os Mbundu, O Reino dos Ngola e a Presença Portuguesa de Ilídio do Amaral; As Origens do Reino do Kongo de Patrício Batsîkama; O Saber Histórico na Sala de Aula de Circe Maria Bittencourt; História Geral da África: África do Século XII ao XVI, vol. IV do Comité Científico Internacional da UNESCO; História da África Negra de Joseph Ki-Zerbo; Relação do Reino do Congo e das Terras Circunvizinhas de Duarte Lopes e Filippo Pigafeta, Didáctica da História de Maria Cândida Proença e História e Ensino de História de Thais Nivia de Lima e Fonseca.
Como qualquer trabalho científico está susceptível a dificuldades, o nosso não fugiu a regra, das quais destacam-se as seguintes: a fraca colaboração ou mesmo a recusa por parte de alguns alunos e professores da escola em questão, para responderem os questionários, dificuldades na interpretação dos dados que constam nos inquéritos, devido a má grafia de alguns alunos.

Observou-se ainda dificuldades devido o incumprimento do tempo estipulado para as devoluções dos questionários, quer por parte dos alunos, como dos professores e ainda dificuldade em conseguir o programa de História do ensino médio do sistema anterior, quer no INIDE, como em alguns professores da referida disciplina.

            Mas apesar das dificuldades, houve também algumas facilidades que permitiram a concretização do trabalho, destacando-se: uma vasta bibliografia acerca do reino do Kongo e da implementação da RE em Angola, colaboração por parte dos funcionários da delegação provincial da cultura do Zaire, em permitir visitas ao museu dos reis do Kongo e aos locais históricos de Mbanza Kongo. Disponibilidades por parte da Sra. Directora e do coordenador da disciplina de História da Escola nº 4019 “24 de Junho” em nos fornecerem alguns esclarecimentos sobre o funcionamento da instituição e da disciplina respectivamente.

O tema em estudo, sendo uma parte do programa da disciplina de História da 10ª classe do II Ciclo do Ensino Secundário, contém importantes lições históricas e educativas que podem permitir: a formação da concepção científica do mundo, o reforço nos estudantes de qualidades de personalidade, principalmente de natureza cívica e moral, a criação da educação política ideológica, bem como a educação estética.

O trabalho que apresentamos não constitui um produto acabado, uma vez que a ciência é um paradigma, pelo que, achamos constituir apenas, um ponto de partida para futuras investigações realizadas por nós ou outrem em áreas relacionadas com o tema proposto.





















CAPÍTULO 1- Breve Resenha Histórica do Reino do Kongo
1.1                      – Origens do Reino do Kongo

            Na história do reino do Kongo, falar das suas origens não é um exercício fácil, por se tratar de um reino que data de muitos séculos, segundo a tradição, perdem-se na noite dos tempos. Durante vários séculos esse povo não cessou de emigrar dentro do seu espaço já conquistado, e um pouco fora deste para novas conquistas.

De modo que, ao se falar hoje de suas origens, muitos elementos confundem-se nos vários relatos, tais como: os pontos de partida (Setentrional, Oriental ou Meridional) confundem-se espacialmente pela repetição dos mesmos topónimos e pela confusão dos títulos similares atribuídos às autoridades, as dificuldades cronológicas relacionadas com a falta de metrificação prolongada e registada no tempo. Em todas matérias, e por causa delas ainda permanece, apesar de muitos estudos já realizados, um acórdão sem conclusões definitivas.[3]

Por estas razões, escolhemos abordar o assunto segundo as perspectivas de João António Cavazzi e António Oliveira de Cardonega os quais afirmam que o fundador do reino do Kongo viera das regiões orientais.[4] Quando este cruzou o rio Kongo, depois de deixar Bungu, no Mayombe, e foi conquistar a chefatura ambundu de Mpemba, ali ele dividiu o poder, e em seguida, conquistadores e nativos se misturaram, ou seja, o reino do Kongo constituiuse através de uma política de aliança com os nativos cujo chefe local era, o mwene Kabunga.

O reino do Kongo se estabelecera no curso inferior do rio Kongo (o Nzadi dos autóctones), transformado em Zaire.[5] Segundo a tradição, os autóctones eram de origem ambundu e este reino fundou-se no século XII ou XIII[6] e o seu fundador, um intrépido guerreiro chamado Nimi a Lukeni e viera do Leste, filho de Nimi a Nzima e de Lukeni dya Nzanzi. O pai era chefe do reino Bungu, na aldeia do distrito de Kurimba, no antigo reino do Kwango, próximo da actual cidade de Boma. Muito provavelmente, porém, tratava-se de Nimi a Lukeni, que à cabeça de grupos conquistadores, desceu do Mayombe para o Baixo Kongo (mais tarde província do Nsundi), que serviu de base para uma conquista em redor, sobretudo em direcção ao Sul.

Ora acontece que o pai de Nimi a Lukeni se tinha estabelecido no distrito de Kurimba, que era parte do reino do Kwango, perto do rio Zaire.[7] O pai, desejoso de tornar-se grande, juntou quanta gente podia e, correndo a região, viveu muito tempo alternadamente favorecido e perseguido pela sorte. Por fim, conseguiu fortificar-se entre uns despenhadeiros, e que era passagem obrigatória para os comerciantes, onde eram obrigados a pagarem tributo.

Quando Nimi a Lukeni chegou à idade de se emancipar dos pais, já na alta adolescência, era-lhe por vezes confiada, na ausência do pai, a responsabilidade do recebimento da portagem, e um dia, estava ele no exercício dessa função, apareceu-lhe a tia, reclamando a isenção do tributo a pagar sob o pretexto de ser irmã do velho Nimi a Nzima, o pai de Nimi a Lukeni.

Mas este não concordou, e não se limitou a rejeitar a reclamação da tia. Vendo que ela estava grávida, o que significava estar em gestação no seu ventre um futuro rival, o filho da irmã do pai, com direito a herança, uma vez que a herança para alguns povos Bantu nunca passava de pai para filho mas sim de tio para sobrinho, filho da irmã. A matrilinearidade determinava esta sucessão, e no reino do Kongo em formação também adoptou-se este sistema, ordenou que lhe abrissem o ventre e matou-a desse modo brutal.

Depois do inesperado acto, os membros da família real, dada a ausência nessa altura do velho rei, puseram-se do seu lado e sustentaram-no contra a justa cólera do pai. Este repudiou-o e Nimi a Lukeni avançou para Oeste em conquista de novas terras, assumindo o título de ntinu (rei).

No decurso do processo migratório, estabeleceu-se primeiro em Lemba (Bulo), cerca de 30 quilómetros a noroeste de Matadi. Daí partiu a conquista das regiões Orientais até o actual Kinshasa. Depois da conquista destes territórios banhados pelo curso inferior do rio Zaire e tendo derrotado todos que lhe opunham principalmente Mbumbulu Mwana Mpangala, de Mpemba, Nimi a Lukeni transferiu a sua capital para a região de Mpemba Kasi e fixou-se na localidade de Nkumba Ngudi, fundou o reino do Kongo cuja capital veio a chamar-se de Mbanza Kongo.

Nessa época, pequenos reinos e conglomerados de chefias cobriam o rio Kongo, tanto ao Norte quanto ao Sul. O fundador do reino do Kongo, Nimi a Lukeni, concluiu aliança com os povos que viviam ao Sul do rio e para reforçar essa aliança desposou a filha de mwene Kabunga, que vivia em Mpemba, um importante chefe religioso, com o qual celebrou um tratado de amizade e de coexistência pacífica e fixou-se na localidade que veio a chamar-se de Mbanza Kongo.

E também com o rei que, mais ao Leste, dirigia o pequeno reino de Mbata, que de livre e espontânea vontade veio a unir-se ao reino do Kongo passando a ser uma das províncias desse reino. O Nsoyo situado a Oeste na costa atlântica também associou-se livremente ao reino do Kongo em formação.

As outras áreas que compreendiam o reino do Kongo e conquistadas pela força das armas foram: Ngoyo, Kakongo e Loango, a Norte do rio Zaire, Nsundi (que abarcava as duas margens do rio Zaire) e Mpangu a Sul do rio Zaire, e estendendo-se ainda mais para Sul até ao rio Kwanza.

A partir dessas conquistas, Nimi a Lukeni estabeleceu as leis e organizou o reino, entendeu consolidar a sua autoridade e alargar o seu território conquistando alguns territórios da periferia. Concedeu aos seus principais colaboradores e familiares mais próximos títulos políticos importantes, com a recomendação de continuarem com o alargamento do território. Seu tio materno, descendente de Nsaku Lawu foi nomeado mwene Mbata e recebeu o título de Nea Kon dianne Kongo, que significa antepassado do rei do Kongo, mas reconheceu a suserania de Lukeni.

Enquanto um dos seus filhos, o terceiro, nascido de uma escrava branca judia, que lhe fora cedida por mercadores vindos do Norte de África, supõe-se ter sido o antepassado de referência dos futuros condes do Nsoyo, um dos quais, muito mais tarde, foi o primeiro alto dignitário do reino do Kongo a ser contactado pelos portugueses que chegaram a embocadura do rio Zaire em 1482.[8]

Por outro lado, salienta-se que, primitivamente, o rei do Kakongo antes de subir ao trono era obrigado a casar-se com uma princesa de sangue real do Kongo, ao passo que o rei do Loango devia casar-se com uma princesa do Kakongo, o que significa que o sucessor ao trono desses reinos seria sempre de origem Kongo pela regra de descendência matrilinear em uso.

Já nesse tempo os homens brancos vinham negociar nas terras do Kongo, e foi assim que Nimi teve como esposa a escrava judia, que lhe foi cedida em troca de escravos negros por comerciantes vindos do Norte de África. E de um dos filhos que ele teve com essa mulher, o supracitado antepassado dos condes do Nsoyo, descendia um homem notável, o príncipe Ne Zinga, sobrinho do antigo rei do Kongo Nkanga kya Ntinu.

Esse príncipe, matou a mulher do tio, o rei, e fugiu para as terras vizinhas do Nsoyo de Cima - já que naquela altura o Nsoyo estava dividido em duas regiões, a de Cima ao Sul, e a de Baixo a Norte – onde reinava o Nsoyo dya Nsi, um régulo modesto e com pouco poder. Esta teria sido a situação que esteve na origem da deslocação de um grupo de bakongo para a região que hoje compreende a província de Cabinda.[9] O príncipe Ne Zinga eliminou o Nsoyo dya Nsi, tomou o poder e passou a pagar tributo ao tio, segundo a tradição quando um parente do rei do Kongo ocupava um novo território.[10]
E, para além das seis províncias havia zonas onde o rei do Kongo influenciava politicamente, cujos reinos eram tributários do reino do Kongo e tinha a seguinte delimitação: ao Norte era limitado pelo rio Ogué, no Gabão; ao Sul pelo rio Kwanza; ao Leste pelo rio Kwango e ao Oeste pelo oceano Atlântico. O espaço territorial do reino do Kongo foi extenso, ao Norte albergava algumas parcelas da actual República do Gabão, República do Congo e República Democrática do Congo.

A ilha de Luanda foi a fonte da moeda utilizada no reino do Kongo e pelos povos das regiões circunvizinhas. No seu litoral, de facto, ‹‹as mulheres, mergulhando no mar em pouco mais de dois metros, enchiam cestos e depois separavam a areia dos pequenos búzios, dividindo, portanto, os machos das fêmeas, porque estas últimas são mais pequenas e estimadas pela cor límpida, cintilante e de belo aspecto. Estes pequenos búzios aparecem em todas as praias do reino do Kongo, mas os melhores proviam de Luanda, porque eram delicados e de cor brilhante, castanho ou escuro››.[11] 

A maior parte dos historiadores é unânime em afirmar que o território correspondente ao reino do Kongo não pode ser representado por um mapa com as suas fronteiras completamente fixas, por um lado, estas fronteiras foram variando com o passar dos tempos, por outro, pelo facto de os bakongo aquando da formação do reino do Kongo, e não só, não cessaram de emigrar nos territórios já conquistados e ainda a procura de outros por conquistar.
Importa-nos referir também a importância da técnica mais aperfeiçoada trazida pelos bakongo para a metalurgia do ferro, embora que esta já era conhecida por outros povos da região. Esta actividade era de tal modo importante na sociedade kongo que a tradição atribui ao primeiro rei do Kongo a função de ferreiro. E da fabricação de instrumentos feitos com esta técnica dependia a agricultura e os instrumentos utilizados em guerras.
Por fim, apesar da existência de várias obras que retratam a questão da origem do reino do Kongo, mas achamos que esta só será suficientemente bem relatada quando se efectuarem escavações arqueológicas intensas sobre toda região que constituiu o antigo reino do Kongo.

1.2           – Organização Político-administrativa: a Pujança do Reino

Situado na zona de transição da floresta equatorial para a savana, o reino do Kongo, formou-se na África Central Ocidental, foi poderoso e com estruturas organizadas no domínio político-administrativo, económico e sócio-cultural. Os reis do Kongo tinham o título de Mwene Kongo, Ne Kongo, Ntinu, que quer dizer senhor ou dono do Kongo.
Visto o papel relevante do Kongo na evolução histórica da região, importa referir-se a sua organização. E, para a organização político-administrativa do território, dividiu-se este reino em seis províncias, nomeadamente:[12] Mpemba, Nsoyo, Mbamba, Mbata, Nsundi e Mpangu.

Mpemba: Localizava-se no Centro do reino, berço dos antigos reinos Bantu, albergava a capital do reino, Mbanza Kongo, com o rei e a sua corte. A cidade e os subúrbios, até cerca de 35 quilómetros, eram propriedades exclusivas do rei. De notar também que era daí que provinham os mwene nomeadamente para governar as outras províncias ou que iam para a corte do rei. Em virtude deste estatuto especial de Mbanza Kongo, a província dispunha da sua própria capital, Mbanza Mpemba. Os seus limites eram essencialmente as fronteiras das outras províncias, Nsoyo a Oeste, Mbamba a Sudoeste, Mbata a Leste, Mpangu a Nordeste, Nsundi a Norte e a Sul, a província era delimitada pelas terras dos Chizama, que se queriam manter independentes.[13]

Nsoyo: Situada a Sul da foz do rio Zaire, entre a costa marinha e o rio Mbridje a Sul, e Mpemba a Leste. A todos os pontos de vista a mais influente província do reino, governada pelo tio do rei aquando da chegada dos portugueses em 1482, sempre foi governada desde essa data por homens de sangue real. É no Nsoyo onde se encontrava o porto do reino, em Mpinda, entreposto comercial aberto a todos os barcos europeus e não só, porta grande de entrada e de saída do reino. Note-se que o mwene Nsoyo tinha sob a sua alçada vários distritos.

Mbamba: Ficava ao longo da faixa costeira, a partir do rio Mbridje, a Sul do Nsoyo até ao rio Ndanji (Dande), que a delimitava a Sul. Estendia-se para Leste até às terras dos Chizama, cujo chefe se mantinha independente do Kongo e do Ndongo. Era a província mais rica, mais povoada e mais extensa, o mwene Mbamba era escolhido entre os membros da família real, e dizia-se que ele podia armar 400 mil guerreiros.[14]

No interior, para o lado de Angola, ouvimos falar dos ambundu, que também estão sob a responsabilidade de mwene Mbamba: são os Ngasi, Chinhengo, Motolo, Cabonda e muitos outros de sangue menos nobre. No seu subsolo havia prata, cobre e outros metais e como ao longo da costa o território sob sua alçada também incluía a ilha de Luanda, com os seus nzimbu, que serviam de moeda em todo reino. O governador de Mbamba era o comandante em chefe do reino do Kongo e dentre eles contam-se alguns que se sentaram no trono.
Mbata: A Leste do reino, encostada ao rio Kwango (entre Mpemba e este rio), não era bem uma província dado que o mwene Mbata não era escolhido pelo rei, era antes um reino que ficava sujeito ao rei do Kongo voluntariamente, pertencia à Kanda (linhagem) Nsaku, e era eleito pelo povo da província.

Em caso de não haver descendente de sangue real para suceder ao trono, o mwene Mbata poderia ser proposto para o supremo cargo do reino, e tornar-se provisoriamente rei do Kongo. Ele era, de facto a segunda personagem de relevo no reino, depois do rei. Duarte Lopes afirma que o mwene Mbata por vezes comia à mesa do rei, privilégio que não era dada a qualquer dos outros governadores, nem mesmo ao de Nsundi, apesar de este ser em princípio filho mais velho do rei.[15]

Nsundi: Província mais a Norte de todo o reino, estendia-se pelas duas margens do rio Zaire chegando até a actual cidade de Kinshasa, aqui se fazia muito comércio com os Batekes. Mbanza Nsundi estava situada a cerca de 30 quilómetros de confluência do rio Inkisi com o Zaire. Era em Nsundi e em Mbata que o rei do Kongo casava os seus filhos, mas o herdeiro do trono, como sobredito, apenas se podia casar com uma rapariga nobre de Mbata.

Nsundi tinha como característica peculiar o facto de ser gerida pelo filho mais velho do rei, o que levou a que, depois da chegada dos portugueses, que impuseram a norma da sucessão patrilinear em detrimento da matrilinear, os mwene Nsundi eram de facto os sucessores direitos dos reis em função.

Mpangu: Situada a Nordeste de Mpemba, o Nsundi a Norte, Mbata a Sul e o rio Kwango a Leste, talvez seja a mais antiga província do reino.[16] Era governada pela velha aristocracia bakongo, ligada às raízes do Estado e não pagava imposto ao rei. Tinha também sido um grande sobado independente, depois de ter perdido as prerrogativas de reino independente submetera-se, logo a seguir ao Nsundi, à autoridade do Ntotela de Mbanza Kongo.

Além destas seis províncias, havia alguns reinos vizinhos que pagavam imposto ao rei do Kongo, eram reinos tributários, os principais eram: Ndongo e Matamba, ao Sul, e os reinos de Loango, Ngoyo e Kakongo, ao Norte. Além disso, também dependiam directamente do rei algumas chefaturas cujo território chegava até o Wembo e, talvez, até o Wando. Pois o reino propriamente dito terminava, segundo parece provável, em Loje; mas também incluía a costa até Luanda, a sua ilha e a parte do continente situada entre os rios Kwanza e Bengo.

O Ntotela, o título mais importante do Kongo, só coube a Nimi a Lukeni por congregar os clãs bakongo. Mbanza Kongo era considerada pelos bakongo pelo nome de Mbanza Kongo dya Ntotela, ou seja, o mesmo que cidade do rei do Kongo. O que parece definitivo é que o vocábulo ntotela é sinónimo de “mwene Kongo”, rei e chefe supremo. O rei do Kongo, residia na capital do reino, Mbanza Kongo.

Coexistiam três camadas sociais bem definidas, a nobreza, os aldeões e os escravos, diferenciavam-se por seu estatuto social, suas actividades e seu estilo de vida. Os nobres viviam nas cidades, excepto quando deviam ocupar cargos de comando nas províncias. A matrilinearidade determinava o acesso as terras, o lugar de residência e a sucessão a frente da aldeia. A coesão social era muito mais fraca entre as aldeias do que no seio da nobreza.

O mwene Kongo não tinha um reino hereditário, todos os parentes mais chegados do rei, filhos ou sobrinhos, podiam disputar o trono, mas a preferência ia para a sucessão matrilinear. O rei nomeava seus parentes próximos para os cargos chaves do governo das províncias, da magistratura superior e da administração fiscal.

O rei, antes de morrer, indicava, em geral, a sua escolha, no entanto, o conselho eleitoral tendo à sua frente três grandes eleitores fundamentais, embora existissem outros, mwene Vunda, mwene Mbata e mwene Nsoyo, era quem decidia.[17]

Com efeito, este modo de sucessão foi uma das causas do enfraquecimento do reino, já que diferentes candidatos fomentavam facções, mas esta questão abordaremos com maiores detalhes no segundo capítulo. O poder absoluto do rei caracterizava-se pelo facto de os governadores não serem hereditários.

O rei nomeava os governadores territoriais, com excepção para as províncias de Mbata e, após 1491, no Nsoyo onde se encontrava o porto do reino, em Mpinda, os notáveis locais escolhiam um candidato que era confirmado pelo rei. Parece que, antes de 1500, o soberano do Kongo governava um reino cujo território era muito mais extenso, o que explicaria a reivindicação da sua soberania sobre Kisama, Ngoyo, Kakongo, Loango e as chefaturas e reinos de Teke e Suku.[18]

A realeza baseava-se em eleições: o conselho real comportava 12 membros – dos quais 4 eram mulheres – que representavam, os clãs dos avós do rei.[19] Apesar dessa instituição, as lutas de sucessão eram constantes. O rei era assistido por um corpo administrativo central, cujos membros podia demitir.

Na capital, esse órgão incluía o chefe do palácio, que tinha os encargos de vice-rei, um juiz supremo, um colector de impostos com os seus tesoureiros, um chefe de polícia, um chefe dos mensageiros, e ainda outra alta personagem, conhecida como punzo. Fora desse corpo ainda havia o mwene kabunga, que desempenhava as funções de sumo-sacerdote e cujo antepassado fora senhor de terra na área da capital, antes de Nimi a Lukeni.[20]

Os governadores colectavam impostos e tributos, que depois encaminhavam ao rei. O tributo compreendia o nzimbu (conchas usadas como moeda), quadrados de ráfia que também serviam de moeda, sorgo, vinho de palma, frutas, gado, marfim e peles de animais (de leopardo e leão). Como se vê, os tributos e impostos comportavam uma parte em moeda, outra em víveres, uma em produtos comerciais e ainda uma simbólica (as peles de leão e leopardo).

Estes também eram muitas vezes parentes imediatos do rei, que confiava o Nsundi e o Mpangu a seus filhos favoritos. Assim, estes dispunham de sólida base para disputar a sucessão, aquando da morte do pai. Os governadores nomeavam os senhores menores que, por sua vez, davam ordens aos nkuluntu, chefes hereditários das aldeias.

As tumbas dos ancestrais ficavam bem perto da capital e eram veneradas. O poder era sagrado, mas não a pessoa do rei, embora lhe dessem o nome de nzambi mbungu, “espírito superior”. O rei não era como o comum dos mortais. Cometendo incesto com a irmã, tornava-se “sem família” – o que o capacitava, e somente a ele, a governar todas as famílias com justiça e imparcialidade.

Esse acto e sua iniciação lhe conferiam formidável poder sobre os encantamentos, que era comparável ao dos feiticeiros. Suas insígnias incluíam, entre outras coisas, um chapéu, um tambor, um bracelete de cobre ou marfim, a bolsa dos impostos e um trono em forma de banquinho quadrado – objectos que simbolizavam sua posição de primeiro senhor do reino e detentor de um poder supremo que o separava dos demais homens. Uma etiqueta complexa salientava a preeminência e o carácter singular do soberano.[21]
O mwene kabunga tinha direito de veto sobre suas deliberações, e o governador de Mbata, inelegível para a realeza, era seu membro nato (como depois também foi o governador de Nsoyo). Provavelmente, os demais eleitores não pertenciam a família real. Durante o reinado, esse conselho, que poderia incluir membros do corpo administrativo, tinha o privilégio de assessorar o rei, especialmente nas questões referentes a guerra, a nomeação ou deposição de governadores, e ao comércio (era sua incumbência declarar abertas ou fechadas as estradas).[22]

O pagamento de “salários” aos funcionários comprova que a produção era comercializada, e que o Estado a controlava, assim como também supervisionava a recolha de búzios que serviam de moedas, nzimbu. «Deve ter havido longo período de intenso desenvolvimento comercial; os artigos trocados parecem ter incluído tantos objectos necessários – como ferramentas de ferro, cerâmicas, sal marinho, esteiras e cestos – quanto aos bens de prestígio, englobavam jóias de cobre e marfim, quadrados de ráfia e tecidos de fibra originários do litoral».[23]

Se havia escravos, seu tráfico deve ter sido bastante restrito antes de 1483. E de notar que não existia especialização em tempo integral em nenhuma actividade de artesanato e que as duas especialidades mais prestigiadas – tecer a ráfia e fundir o ferro - reservavam-se a nobreza.

A centralização do reino era reforçada pela existência desta moeda cuja emissão o rei controlava. Naquela ilha existiam sete ou oito aldeias, chamadas na língua local Libatas, na qual residia o governador, enviado pelo rei do Kongo, que administrava a justiça e mandava recolher os búzios para a moeda; havia cabras e ovelhas em abundância, javalis que eram domesticados e viviam nos bosques.

Os reis do Kongo, por serem grandes polígamos, tinham vários filhos, e sua casa alcançava rapidamente grandes proporções. O príncipe reinante ali se casava, por sua vez, com uma parente próxima do rei. O dignitário religioso supremo do reino, o mwene kabunga (senhor de Mbanza Kongo) era oriundo de um ramo de parentesco deste príncipe, os Nsaku Vunda. Tal dignitário era responsável pelo culto do espírito territorial da região da capital. Os dois senhores dos Nsaku coroavam o rei. Vê-se então claramente como se constituiu o reino em sua origem.[24]

Em caso de guerra no exterior, o recrutamento dos camponeses organizava-se em unidades territoriais, cada casa de nobres, organizada em torno de um grande homem, também tinha seus próprios homens (subordinados e escravos), e a casa real dispunha, além do mais, de escravos enviados por toda a nobreza.
A capital, Mbanza Kongo, incluía ao Norte uma floresta sagrada, onde era interdito o corte de árvores, era a necrópole dos reis. Ao Sul da capital, uma grande praça, chamada Mbazi, que era, na realidade, antes de mais nada, a grande praça pública de Mbanza Kongo, ou seja, um extenso terreno aplainado que invariavelmente se podia encontrar em frente da residência real onde as multidões recebiam a bênção do rei, se divertiam e assistiam aos desfiles triunfais das tropas.

Era o tribunal, onde o rei se sentava debaixo de uma imensa árvore chamada Yala Nkuwu. Ainda que a cidade real do Reino do Kongo estivesse compreendida, de algum modo, na jurisdição de Mpemba, era autónoma, já que era governada directamente pelo rei numa extensão que poderia ter um raio de 20 milhas.

Situando-se quase no centro do reino, a capital era uma praça-forte, da qual se podia enviar socorro a qualquer região. Cidade bem construída, situada a 150 milhas do mar, numa grande montanha alta, cercada de muralhas de pedra, assoalhado, ameno, Mbanza – que os portugueses baptizaram de São Salvador – era também uma grande metrópole comercial, onde se encontravam as principais rotas comerciais provenientes da costa e do interior, rica de minas de ferro com o qual se fabricavam as casas; no cimo desta montanha tinha um planalto inteiramente cultivado, com casas e aldeias numa extensão de 10 milhas, onde viviam mais de 100 mil pessoas.[25]

O solo fértil e o ar fresco, são e puro, existiam muitos animais de todas as espécies. O morro estava separado e distinto de todos aqueles que lhe estavam à volta e por isso os portugueses o chamavam Outeiro, que quer dizer vigia; este era de singular altura, e dele se podia ver toda a zona à volta; só a parte Oriental do rio era íngreme e com muitos precipícios.[26]

O fundador do reino do Kongo escolheu esta região no supramencionado cimo para ser a capital do reino por duas razões: em primeiro lugar, porque situando-se no centro de todo o reino, podia-se prestar rapidamente socorro em qualquer parte; e depois, estava num lugar por natureza elevado, de bom ar e seguro e que não se poderia expugnar.
No início da praça habitavam alguns senhores, os “Grandes da Corte”; e na parte posterior da igreja o terreno terminava numa estrada estreita que tinha a sua porta, passada a qual existiam muitos casarios. Fora destas muralhas, onde estavam reunidos os palácios reais, encontravam-se muitas outras casas de diversos senhores: cada um dos quais tomava o lugar que lhe parecia bom para residir próximo da corte.

As casas eram construções rectangulares ou circulares de madeira, folhas de palma e colmo, cercadas de sebes vivas, incluindo cetáceas com seiva tóxica, utilizada para envenenar as armas. Perto da Mbazi, a cerca real, feita de estacas e de cipós, tinha um perímetro de mais de um quilómetro. No interior estendia-se uma praça diante de uma segunda paliçada que fechava as residências do rei e da rainha, às quais se acedia por um labirinto.
As ordens urgentes do rei eram levadas por estafetas espalhadas ao longo do trajecto e que estavam sempre preparados para esse efeito. As distâncias eram calculadas em dias de marcha de um homem, carregado e não carregado. O exército do Mwene Kongo era composto essencialmente de guerreiros a pé, e uma guarda permanente composta principalmente por soldados que talvez tivessem o estatuto de escravos, com arcos de pequeno tamanho e setas apropriadas, cujo veneno não perdoava, estavam com frequência couraçados de peles de elefante.
Em caso de guerra cada funcionário territorial apelava para os chefes das aldeias e todos os homens válidos eram encaminhados para uma zona onde se concentravam para formar o exército.

Comparada com outras estruturas políticas africanas o Kongo singularizava-se por uma característica importante: o seu elevado grau de centralização. Mas esta estrutura política sofria de uma grande fraqueza: não estavam definidas as regras sucessórias, o que provocava a formação de facções opostas sempre que um rei morresse e enquanto não era escolhido o novo rei. Esse período de interregno era vivido com grandes perturbações, devido às lutas entre os partidários de cada pretendente ao trono.

O rei do Kongo exercia grande autoridade, por este motivo se deve notar que em todo reino do Kongo não havia pessoa que possuía bens próprios de que possa dispor e deixar os herdeiros. Mas tudo está sob responsabilidade do rei, ele reporta os governos e as faculdades e as terras por quem lhe convém.

Apesar da influência política do rei do Kongo estender-se para as regiões circunvizinhas, mas o território propriamente dito albergava as seis províncias principais das quais já fizemos menção, mas o reino compreendia muitas outras províncias, mas quase desérticas e escassas nas regiões montanhosas. As outras províncias mais conhecidas eram: Quiova, Quiamacondo, Damba, Sosso, Sela, Iuva, Alombo, Zolo, Zanga, Mansinga e Metondo. As três últimas eram fronteiriças com os Yaka.[27] Todas estas províncias haviam sido independentes e que foram sucessivamente submetidas pelos mwene kongo, a excepção de Mbata e Nsoyo que se associaram livremente.

Cada uma das províncias era constituída por vários distritos, passando a ter o seu mwene, governador, que residia na Mbanza do nome da província que estava sob sua alçada. Os impostos eram cobrados pelos chefes de distritos e em seguida levados ao rei sob a responsabilidade do governador da província e este por sua vez fazer chegar ao rei. O pagamento do tributo era levado não apenas para ganho material, mas havia também recompensas políticas e espirituais por parte do rei. Por este motivo, se alguém não pagasse todos os anos os tributos que devia, o rei tirava-lhe o governo e dava-o a outrem.

1.2                      - O Reino do Kongo e seus Vizinhos

A parte ocidental da África Central, ao Sul das florestas equatoriais, era habitada por povos falantes de línguas originárias do kikongo e estreitamente aparentadas. Tal unidade linguística encontrava-se reforçada por uma profunda unidade cultural. Esse grupo etnolinguístico ocupava um território que se estendia do Gabão Meridional ao planalto de Benguela e do Oceano Atlântico até muito além do rio Kwango.[28] No Nordeste, esse complexo sempre beirou uma área Teke centrada nos planaltos Bateke e, no Sul, uma área ovimbundu no planalto de Benguela. A história dessa região está bem documentada a partir do século XVI.

O movimento histórico dessas terras foi muito diferente do que se tornaria depois. De facto, foi nessa época que o homem organizou os grandes espaços e utilizou estruturas políticas para formar Estados. As potencialidades dessas regiões são condicionadas pela orografia e pelo regime de chuvas.
As terras férteis encontravam-se nos vales cuja estação seca é de curta duração. Porém, essa estação varia de dois a seis meses segundo a latitude e o afastamento da costa. O carácter geralmente montanhoso dos territórios explica o facto de a população ir em busca de um habitat melhor. A região mais favorecida pela diversidade do clima situava-se ao Norte do rio Zaire/Kongo, a partir da costa até a região chamada de Mayombe. Nas demais, regiões encontravam-se interessantes jazigos minerais (cobre, chumbo, ferro). Foi aí que nasceram os dois maiores Estados da costa: os reinos do Kongo e do Loango.

Desde então, as organizações sócio-políticas tornaram-se mais complexas, e chefias formaram-se entre o oceano e o rio, a montante do Pool Malebo (antigamente Stanley Pool, também chamado Malebo Pool) é um lago natural do Centro-Oeste de África localizado na fronteira da República do Congo-República Democrática do Congo, atravessado pelo rio Congo. Tem cerca de 35 km de comprimento por 23 km de largura, várias ilhas no centro, sendo a maior a Ilha Bamu na parte Oeste. Ambas as capitais congolesas, Kinshasa e Brazzaville, ficam nas margens do Pool Malebo. O Pool Malebo marca o início da parte navegável do rio Congo, já que um pouco abaixo o rio tem uma série de rápidos conhecidos como Cataratas Livingstone.[29]

Foi na zona mais rica, ao Norte do baixo Zaire, na região de Mayombe, que a divisão do trabalho regional foi a mais avançada. Por volta de 1500, os habitantes da costa forneciam o sal e o peixe e haviam convertido a planície costeira de Loango, nos arredores do estuário do Zaire, em um imenso palmeiral produzindo óleo de palma.
Os ribeirinhos do estuário eram ceramistas e, no interior das terras, produziam-se cobre e chumbo, de Mboko Songho até Mindouli, assim como ferro, na região de Manyanga (Nsundi). Mais ao Norte, perto da borda da floresta, cultivava-se a palmeira, e produziam-se tecidos de ráfia em grandes quantidades. Enfim, ali e no cerne da floresta, produtos florestais tais como a madeira tintorial vermelha eram trocados por produtos da savana.

Foi ali que nasceu a civilização kongo. Por sua vez, a civilização teke desenvolveu-se nos planaltos a partir de empréstimos a outros grupos da borda da floresta, vizinhos dos grupos kongo, assim como de aportes – ao menos de cunho político – provenientes do médio Zaire/Kongo. O reino teke, mencionado a partir de 1507, talvez fosse o mais antigo de todos, assim como se pensava pelo menos no século XVII.[30]

O reino do Kongo teve origem na chefia Vungu, a Norte do rio Zaire, no séc. XII-XIII como já o vimos, os estudiosos concordam em pensar que a criação do reino tio seja mais antiga, embora esse consenso não se sustente em nenhum dado irrefutável. Quanto ao reino do Loango, criado nas proximidades de Vungu, no Norte do rio, alguns pensam que teria chegado a seu auge no século XVI.

Os portugueses encontraram dois grandes reinos na costa atlântica africana, o reino do Kongo e do Loango e outro no interior, o reino tio do “ Grande Makoko ” rei de Teke (povo bantu da África Central compartilhados entre a região Ocidental da actual R.D.C., no Sul do Congo, e uma pequena quantidade, o Sul – Oriental do Gabão), este estava a Norte do reino do Kongo, parece que o rei do Kongo exercia uma certa influência política sobre estes povos.

O reino de Loango, era uma terra rica de elefantes, cujas presas se permutavam com o ferro, com o qual se faziam pontas de flechas, facas e outros instrumentos; ali se teciam telas de folhas de palmeira de diversas maneiras, mas eram mais pequenas e finas em relação as do Kongo.

O rei de Loango era amigo do rei do Kongo, e é sabido que já havia muito tempo que era seu vassalo. Por vezes combatiam com os inimigos confinantes que eram os Anzicos; e quando empreendiam guerra com estes, pediam reforço ao Kongo, em tudo eram da mesma natureza que os bakongo. As suas armas eram longos escudos, que lhes cobriam quase todo o corpo, compostos com a pele dura e grossa de um certo animal chamado pacaça, mais pequeno do que um boi, com os cornos à guisa do bode.

No Sul do Kongo, encontrava-se o Estado de Ndongo cujo rei carregava o título de ngola (que deu origem a palavra Angola), estava em formação por volta de 1500. Contrariamente ao Kongo ou ao Loango, que eram coligações de grandes províncias, cuja história e cultura estamos relativamente bem informados, o Ndongo – a verdadeira designação do reino de Angola[31], constituiu-se pela conglomeração de um grande número de pequenas chefias que, segundo algumas das informações referidas, teriam sido bastante autónomas em relação ao exterior, enquanto, segundo outras, teriam pertencido ao reino do Kongo através do pagamento de tributos, confirmando assim a tendência para uma organização estatal de origens muito menos profundas do que no Kongo e no Loango.[32]

Ambas as informações podem estar correctas e uma não exclui a outra. Por um lado, sabemos que, desde o princípio do séc. XVI, o domínio do Kongo no litoral se estendia bastante para Sul, e por outro, é possível que mais para o interior se tenha tratado sobretudo de um domínio nominal. Pelo menos, uma parte das chefias do Sul e do Leste manteve-se completamente independente do Kongo.[33]

O Ndongo era habitado por tribos mbundu, que ocupavam a região compreendida entre os rios Ndanji (Dande) e Kwanza. De origem Bantu, sabe-se pela tradição oral que a sua migração se fez do Leste em direcção ao litoral, provavelmente no século XIV ou XV. Avançando entre os rios Kwanza e Lucala, os mbundu, inicialmente caçadores e pastores contactaram com os outros povos conhecedores da agricultura e da metalurgia.
Os povos de língua kimbundu são hoje em dia convencionalmente chamados de mbundu, ocupam uma larga faixa da África Centro-Ocidental, ao longo do baixo Kwanza e do médio Kwango. São limitados a Norte pelos povos bakongo, a Sul pelos ovimbundu e a Leste pelos tchokwe-lwena.[34]

À medida que se foram fixando, os chefes das suas aldeias foram obrigados a entregar ao rei do Kongo um tributo anual. No início do século XVI um dos chefes Ngola exercia a sua autoridade em todo território mbundu, mantendo contudo ainda a sua posição de tributário do Kongo. Ainda nesse século houve um conflito de autoridade entre Ngola e o rei do Kongo, que terminou com a fixação da fronteira entre os dois estados no rio Dande.

A mesma fonte menciona uma tradição oral, segundo a qual esta «província» teria outrora sido conquistada pelo reino do Kongo. Isto condiz com a indicação de Lopes Eduardo e Pigafetta Filippo, de que os mbundu seriam subordinados do mwene Mbamba a norte do Bengo, de forma que deve ter englobado uma parte considerável do grupo populacional mais tarde conhecido como ndembu que, mesmo nesse século, constituía o grupo mais Setentrional de falantes de kimbundu. Os mbundu viviam ao longo do rio Dande na raia do Kongo. Por outro lado, é possível que, nessa altura, ainda se falasse kikongo na hinterland de Luanda que, em termos políticos, também pertencia ao Kongo.[35]

Nos séculos XV e XVI, o Kongo era o único Estado capaz de exercer sua hegemonia sobre toda a região, entre o planalto de Benguela e os planaltos bateke, e desde o mar até além do rio Kwango e Ogué. Por volta de 1500, as fronteiras do Estado beiravam o rio Zaire, do estuário até sua confluência com o Inkisi e, em alguns lugares do Norte, estendiase além do rio Kongo, notadamente no Manyanga, incluía a bacia do Inkisi e todas as terras do Sul, até o Loje. Expandia-se em direcção ao Sul, e talvez rumo ao Kwango.

O Inkisi é um rio do Mayombe, que flui em Angola e na República Democrática do Congo é um afluente do rio Congo. Seu comprimento é de cerca de 555 km, e 600 km por via fluvial.

Ademais, influenciava todas as entidades políticas, excepto o reino tio, e por vezes arrecadava tributos delas. O reino propriamente dito era muito povoado, mas apenas dispomos de estimativas muito aproximativas para determinar o número de seus habitantes. A maioria dos especialistas aceita uma estimativa em torno de 2 milhões. Porém, certo autor sustenta que teriam sido 4 milhões, e talvez até 8 milhões, ao passo que outro se recusa a ultrapassar meio milhão.[36] As regiões influenciadas pelo reino do Kongo tiveram, no máximo, uma população com a mesma densidade. A do reino tio devia ser muito baixa, a não ser nos arredores do Pool Malebo.

As principais rotas de comércio levavam à capital do reino os seguintes produtos: de Luanda saiam os nzimbu; do baixo Zaire chegavam o sal marinho e outros produtos locais (peixes, cerâmicas, cestos); do lago Malebo provinham a ráfia e outros artigos da região, especialmente cerâmicas; uma quarta rota servia ao transporte de cobre do Mbamba, e talvez de cobre e chumbo obtidos ao Norte das cataratas do rio; finalmente, outra rota trazia artigos da Matamba.[37]

Em direcção ao reino de Loango encontravam-se os povos chamados anzicos, esta terra, portanto da parte do mar do Ocidente, fazia fronteira com os povos de ambu; e a Norte, com o deserto da Núbia; e a Oriente, com o segundo grande lago onde nasce o rio Kongo, na parte que se chamava Anzicana; e ali o reino do Kongo era dividido pelo rio Zaire, no qual existiam muitas ilhas em direcção a parte baixa do lago.

Neste rio dos Anzicos encontrava-se muitas minas de cobre, e grandes quantidades de sândalo vermelho e citrino. Com este faziam um pó medicamentoso misturado com óleo de palma, com o qual ungiam todo o corpo para curar. Este sândalo citrino era a verdadeira madeira de Águila que nascia na Índia; a parte útil era o miolo e o interior da árvore, enquanto a parte externa era desprovida de valor.

Obedeciam a um rei que tinha alguns príncipes abaixo de si, e eram pessoas muito belicosas, e prontas para as armas; combatiam a pé e as suas armas eram diferentes daquelas dos povos vizinhos, já que empregavam arcos pequenos e armas curtas feitas de madeira, envoltas em pele de serpente de diversas cores, tão bem trabalhadas, que parecia tudo um conjunto com a madeira do arco. Isto era feito para que os arcos pudessem ser mais robustos e tinham uma pega melhor. As suas cordas eram de certas varas de madeira, à guisa de canas maciças no interior, flexíveis e subtis, e de cor castanha e próxima ao preto; nasciam na terra dos Anzicos e também no reino de Benguela.

Com estes povos não se comunicava senão quando viessem tratar de negócios no Kongo, vendendo os seus próprios conterrâneos e da Núbia, com a qual fazem fronteira, como escravos, panos de tela, e presas de elefantes eram os outros produtos; tendo em troca o sal, as conchas que usavam como moeda, e alguns búzios maiores que vêm da ilha de São Tomé, utilizados como medalhas para adornarem-se e para beleza.

Mais adiante, num território similar à terra referida, governado por um vassalo do rei de Angola, corre o rio Benguela e, mais adiante, o rio Longa. Na zona, corre igualmente, o rio Kwanza, note-se que todas estas terras também eram tributárias do rei do Kongo; porém, desde algum tempo, o governador da circunscrição tornou-se o senhor absoluto e declarou ser amigo e não vassalo do rei do Kongo; todavia, mandava-lhe por vezes algumas ofertas à guisa de tributo.

Pelo facto do reino do Kongo ter sido um dos mais antigos e gloriosos reinos da região Equatorial de África, jamais os seus limites foram estabelecidos com precisão, esta divisão era mais ou menos teórica, embora o rei estendesse a sua influência para além das fronteiras geográfico-administrativas do reino, ou seja, nas regiões circunvizinhas através da cobrança de alguns tributos, mas pouco a pouco a influencia do mwene Kongo diminuiu sobre estes povos, já que estes ora se submetiam, ora se revoltavam contra a autoridade real, e os vários chefes iam se proclamando independentes, dando origem a novos reinos.

Mas, de toda esta situação que se observava no reino do Kongo, as estruturas dos reinos vizinhos eram diferentes, não se verificava a mesma pujança, contudo as suas ideologias eram quase idênticas. Esses reinos eram menos centralizados do que o Kongo. No Loango, as casas nobres não haviam suplantado os grupos matrilineares e, como classe, eram bem menos coerentes do que no Kongo.

O Ndongo, esteve durante certo período de tempo integrado na região administrada pelo reino do Kongo, mas a partir do século XVI conheceu uma rápida expansão, o que levou a alcançar certos níveis de organização político-administrativa. Assim, o reino do Ndongo procurou igualar-se ao reino do Kongo.[38]







  

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