INSTITUTO SUPERIOR
POLITÉCNICO KANGONJO DE ANGOLA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
LICENCIATURA EM DIREITO
DIREITO DO URBANISMO E
AMBIENTE
TUTELA COLECTIVA DO
AMBIENTE
LUANDA
2017
INSTITUTO SUPERIOR
POLITÉCNICO KANGONJO DE ANGOLA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
LICENCIATURA EM DIREITO
DIREITO DO URBANISMO E
AMBIENTE
TUTELA COLECTIVA DO
AMBIENTE
ANA FRANCISCO A. F.
BERNARDO
ELIZANDRA PATRÍCIA M. DA
SILVA
NAMBUA ELIZABETH MANUEL
JOSIANE BANDEIRA
CONSTÂNCIA DA LUZ GARCIA
Trabalho de pesquisa bibliográfica apresentado ao
Curso de Direito na disciplina de Tutela Colectiva do Ambiente como requisito
parcial para obtenção de notas.
Orientador: Dr. Salúcio Evandi
LUANDA
2017
O presente
trabalho tem por objectivo a abordagem da Tutela Colectiva do Ambiente.
Pretende-se demonstrar a necessidade e relevância de protecção do meio ambiente
especialmente para atender às disposições constitucionais que o elevou à
condição de direito fundamental. Para tanto, será analisada a tutela colectiva
do ambiente sob o código Civil Angolano. Além disso, a pesquisa contemplará a
evolução da legislação ambiental e a as formas de tutela ambiental, bem como
seu objecto e fundamentos. A tutela será analisada em seus fundamentos e formas
de incidência, no intuito de se demonstrar sua superioridade em relação à
tutela reparatória. Por fim, será demonstrada a pertinência da utilização da
tutela colectiva para o acesso à justiça ambiental pelo paradigma da prevenção.
Palavras-chave: Tutela Colectiva; Meio
Ambiente; Prevenção.
SUMÁRIO
Nas últimas
décadas do século passado a questão ambiental assumiu um papel de destaque nas
discussões internacionais e o meio ambiente firmou-se como património da
humanidade. É consensual o interesse na busca de reparação para os danos
ambientais já consubstanciados e, principalmente, a adopção de uma postura
preventiva que vise evitar a ocorrência de novos prejuízos. Pois, conforme reza
o art. nº 3 do Código Civil Angolano, “todos os cidadãos têm direito a viver
num ambiente sadio e aos benefícios da utilização racional dos recursos
naturais do país, decorrendo daí as obrigações em participar na sua defesa e
uso sustentado, respectivamente. É devido o respeito aos princípios do
bem-estar de toda a população, à protecção, preservação e conservação do
ambiente e ao uso racional dos recursos naturais, cujos valores não podem ser
subestimados em relação a interesses meramente utilitários. Ao Estado compete
implantar um Programa Nacional de Gestão Ambiental para atingir os objectivos
preconizados anteriormente, criando para o efeito as necessárias estruturas e
organismos especializados e fazendo publicar legislação que permita a sua
exequibilidade”.
Ao mesmo
tempo em que crescem as preocupações com o futuro do planeta e com a utilização
racional dos recursos naturais, leis ambientais são diuturnamente desrespeitadas
e, na maioria das vezes, não é possível reparar integralmente os danos causados.
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Neste
contexto, a utilização da tutela colectiva surge como forma adequada e efectiva
de tutela jurisdicional para protecção do direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente sustentável, uma vez que resguarda-o inclusive contra eventual
violação.
Angola enfrenta
diversos problemas ambientais
com origem na
longa guerra civil,
na generalização da pobreza,
nos impactes negativos
associados às actividades
económicas, nomeadamente da actividade petrolífera, entre outros.
A escassez
de informação ambiental
credível e actualizada, a
insuficiente capacidade
institucional da administração
ambiental e a
ineficácia dos processos
de tomada de
decisão política a todos
os níveis, associado
à falta de
consciência e responsabilidade ambiental
da população em geral,
enfraquece a capacidade
para enfrentar os
actuais problemas do
ambiente em Angola.
Portanto,
Através deste estudo, pretendemos ressaltar a importância da protecção do meio ambiente
para a sadia qualidade de vida do homem, buscando prestar um maior
esclarecimento acerca das condições existentes para efectivação da tutela colectiva
do meio ambiente.
Enquanto
ciência dinâmica, o Direito busca acompanhar as mudanças sociais contínuas,
incorporando as influências políticas, económicas, históricas, culturais e
tecnológicas. Para tanto, precisa evoluir de forma permeável, capaz de absorver
as mutações típicas da complexidade social.
Um fato que
operou mudanças jurídicas paradigmáticas, sem dúvida, foi a Revolução Francesa
de 1789. Este marco histórico simbolizou o rompimento do Estado Absolutista,
cujo poder se concentrava apenas na figura do monarca, para estabelecer novos
parâmetros sociais e garantir liberdades negativas clássicas, como por exemplo,
o direito à vida, à propriedade, à liberdade política e religiosa, entre
outras. Em um primeiro momento, o cidadão, enquanto indivíduo isolado,
conquistou direitos civis e políticos em face do Estado, que de Absolutista
passou a ser Liberal.[1]
No campo
económico, esta alteração da ordem política significou verdadeiro triunfo
burguês, já que, sob o lema de “liberdade, igualdade e fraternidade” a
nova classe em ascensão impôs ao governo um dever de abstenção, para que não
interferisse nas relações particulares, especialmente as comerciais.
Entretanto,
cerca de um século depois, os referidos direitos individuais não se fizeram
suficientes para atender aos anseios da colectividade, devido às mudanças
proporcionadas pela franca expansão da Revolução Industrial. As péssimas
condições de trabalho, a exploração desumana da força de trabalho, a
proliferação de doenças, a falta de estruturas mínimas de higiene e saúde
culminaram na luta pelo reconhecimento de uma segunda dimensão[2] de
direitos: os direitos sociais.
Diferentemente
de outrora, não se tratava apenas de limitar o poder estatal, mas de impor-lhe
prestações positivas em favor do proletariado, que surgia enquanto nova classe
social, fortemente inspirada pelas teorias socialistas. A visão individualista
deu lugar a uma noção de integração social e o ideal de igualdade formal foi
substituído por uma busca pela igualdade substancial[3].
Dentre as actuações
positivas do Estado para garantir os direitos sociais estão incluídas a criação
de leis que regulamentam as relações de trabalho (jornada de trabalho, salário
mínimo, proibição do trabalho infantil, descanso remunerado, etc.) bem como a
criação de políticas públicas relacionadas à saúde e educação gratuitas,
moradia, saneamento básico e prestação de serviços públicos essenciais.
Em razão do
alcance social, esse novo modelo gerou uma grande transformação da ordem jurídica
no que diz respeito à titularidade dos direitos reconhecidos.
Algumas
décadas depois, o fracasso do chamado Estado de Bem Estar Social aliado
a catástrofes mundiais sucessivas (ascensão de regimes totalitaristas, a
segunda grande guerra, genocídios e a deflagração de armas de destruição em
massa) acentuaram as formas de tutela da colectividade e inauguraram uma nova
ordem, caracterizada pela preocupação com a paz mundial e o respeito à
Dignidade Humana, não só em seu aspecto individual, mas também e principalmente
no plano colectivo.
Desta forma,
surgiram os chamados direitos de Terceira Dimensão, que correspondem àqueles
direitos relacionados à fraternidade e à solidariedade, de cunho essencialmente
transindividual. Esses direitos relacionam-se, dentre outros, ao meio ambiente
equilibrado e sustentável, ao património artístico e cultural, ao progresso e à
paz mundial. Sobre o tema, a lição de Carlos Ayres Brito:
Efectivamente,
se consideramos a evolução histórica do Constitucionalismo, podemos facilmente
ajuizar que ele foi liberal, inicialmente, e depois social. Chegando nos dias
presentes à etapa fraternal, esta fase em que as constituições incorporam às
franquias liberais e sociais de cada povo soberano a dimensão da Fraternidade;
isto é, a dimensão das acções estatais afirmativas, que são actividades
assecuratórias da abertura de oportunidades para os segmentos sociais
historicamente desfavorecidos, como, por exemplo, os negros, os deficientes
físicos e as mulheres (para além, portanto, da mera proibição de preconceitos).
De par com isso, o constitucionalismo fraternal alcança a dimensão da luta pela
afirmação do valor do Desenvolvimento, do Meio Ambiente ecologicamente
equilibrado, da Democracia e até de certos aspectos do urbanismo como direitos
fundamentais. Tudo na perspectiva de se fazer a interacção de uma verdadeira
comunidade; isto é, uma comunhão pela consciência de que, estando todos em um
mesmo barco, não têm como escapar da mesma sorte ou destino histórico.[4]
Os direitos
transindividuais, também chamados de metaindividuais ou colectivos em
sentido lato, são aqueles indivisíveis por natureza, que não possuem
titularidade determinada, porque não pertencem a indivíduos isolados, mas a um
grupo, categoria ou classe de pessoas.
Ao contrário
dos direitos individuais, os transindividuais não podem ser satisfeitos ou
lesados senão de forma que afecte igualmente todos os possíveis titulares. Os
valores transindividuais são aqueles cuja dimensão transcende a esfera
puramente individual, pois não se concentram num titular único. Deles, ninguém
é titular exclusivo. São interesses que concernem, ao mesmo tempo, a todos e a
cada um, enquanto membros integrantes de uma colectividade. Trata-se dos
direitos ou interesses difusos ou colectivos strictu sensu.
Os direitos
inerentes ao processo colectivo dividem-se, inicialmente, em dois grandes
grupos: os essencialmente colectivos e os acidentalmente colectivos (direitos
individuais tratados colectivamente).
Dentro dos
direitos essencialmente colectivos estão incluídos os direitos difusos
e colectivos stricto sensu, ao passo que os direitos individuais homogéneos
seriam, apenas, acidentalmente colectivos. Esquematicamente, tais
direitos ficariam assim distribuídos:
DIREITOS
TRANSINDIVIDUAIS
|
Essencialmente
Colectivos
|
Difusos
|
Colectivos
stricto sensu
|
||
Acidentalmente
Colectivos
|
Individuais
Homogéneos
|
Em verdade,
os direitos individuais homogéneos são, como o próprio nome indica,
direitos individuais, que apenas acidentalmente podem ser tratados de forma
colectiva para fins de tutela. A doutrina de Teori Albino Zavascki bem
sedimentou esta distinção. Veja-se:
Compõem
o universo de actuação do processo colectivo dois grandes domínios: o dos
direitos colectivos latu sensu e o dos direitos individuais homogéneos.
Direitos colectivos são direitos subjectivamente transindividuais (= sem
titular determinado, razão pela qual são tutelados em juízo invariavelmente
pelo regime da substituição processual) e materialmente indivisíveis (=
são lesados ou satisfeitos necessariamente em sua globalidade, o que determina
tutela jurisdicional também de forma conjunta e universalizada). Já os direitos
individuais homogéneos são, simplesmente, direitos subjectivos individuais (=
com titular determinado) e, portanto, materialmente divisíveis (= podem
ser lesados ou satisfeitos por unidades isoladas), o que propicia a sua tutela
jurisdicional tanto de modo colectivo (por regime de substituição processual)
como individual (por regime de representação).[5]
Os direitos
difusos, colectivos stricto sensu e individuais homogéneos possuem definição
prevista de forma expressa no artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor.
Entretanto, em que pese a previsão legal, necessário valer-se da análise
científica contextualizada para melhor compreensão dos conceitos e sua
aplicabilidade, como a seguir se demonstrará.
Recorrendo ao
significado etimológico dos termos, consoante Dicionário Aurélio, Tutela significa
a defesa, o amparo, a protecção ou a tutoria. Assim, se associar o significado de
tutela, com o significado de meio ambiente, percebe-se que tutela ambiental
significa a protecção empregada no lugar onde se vive, ou, o amparo que é dado
a tudo aquilo que cerca o homem.
A necessidade
de proteger o meio ambiente surgiu com o desequilíbrio ecológico gerado pela
constante modificação da natureza para que o homem tenha a seu favor um maior
conforto tecnológico, porquanto não existe uma estrutura ecológica capaz de acompanhar
o desenvolvimento industrial humano, sem que a natureza sofra com a evolução da
sociedade.
Essas
atitudes, ao mesmo tempo, que causam danos terríveis ao meio ambiente, fazem
despertar a consciência colectiva, que dá a luz a necessidade de preservação ambiental,
porquanto a sociedade passa a identificar que é preciso de manter o meio ambiente
para o desenvolvimento das futuras gerações humanas.
No código
civil angolano, o interesse sobre o bem-estar do meio ambiente é expressa da
seguinte maneira:
A
experiência acumulada nos últimos anos tanto a nível internacional como
nacional, tem produzido uma nova consciência global acerca das implicações
ambientais do desenvolvimento humano, traduzida por uma cada vez maior
responsabilização da sociedade como um todo, diante das referidas implicações.
Entretanto, cabe aos Estados, em primeiro lugar, definir políticas ambientais
que correspondam a essa nova consciência global, com o objectivo não só de
renovar ou utilizar correctamente os recursos naturais disponíveis, garantindo
assim o desenvolvimento sustentado de toda a humanidade, como também de
assegurar, permanentemente, a melhoria dá qualidade de vida dos cidadãos. No
caso de Angola, tal imperativo, está expressamente consagrado na Lei
Constitucional no nº 2 do artigo 12,° e nos nºs 1, 2 e 3 do artigo 24.º. Ainda
no caso do nosso País, a formulação de um quadro jurídico que defina de modo global
e preciso as responsabilidades colectivas e individuais, diante das complexas
questões ambientais e ecológicas que a todos se colocam, mostra-se como o
primeiro passo a realizar, a par de outras medidas, para a concretização da
política ambiental que ao Estado cabe estabelecer. - Lei nº 5/98 de 19 de Junho
Piva (2000,
p. 33-34) afirma que, uma vez que o legislador definiu o meio ambiente como bem
de uso comum do povo, e conferiu a “todos” o direito de um ambiente ecologicamente
equilibrado, automaticamente inseriu-o no ramo dos direitos transindividuais.
Vai além, e classifica o direito ao meio ambiente como um interesse difuso, tendo
em vista que não é possível qualificar o número de pessoas que o possuem, nem
mesmo a relação existente entre elas.
O princípio
da prevenção pode reconduzir-se ao adágio «vale mais prevenir que remediar», ou
seja, na medida do possível, devem ser antecipadamente tomadas medidas para
evitar que ocorram efeitos nocivos no ambiente, em vez de se actuar no sentido
da sua remoção apenas depois de terem lugar, até porque pode haver danos
irreversíveis, como a extinção de uma espécie. O princípio da prevenção está
estreitamente interligado com outros princípios de Direito do Ambiente, sendo
de destacar aqui os efeitos preventivos da educação ambiental.
A Lei de
Bases do Ambiente consagra no artigo 4.0/c este princípio, que decorria já,
antes da aprovação desta lei, dos artigos 12.°/2 («O Estado promove a defesa e
conservação dos recursos naturais») e 24.°/2 («O Estado adopta as medidas
necessárias à protecção do meio ambiente e das espécies da flora e fauna
nacionais ... e à manutenção do equilíbrio ecológico») da LC.
Como
aplicações gerais deste princípio temos, em primeiro lugar, os chamados «RRR»
ou seja, «reduzir, reutilizar e reciclar» que devem nortear as decisões do
legislador, da administração e dos agentes económicos quando relativas a
matérias com incidência ambiental, em especial no que respeita a uso de recursos
naturais e resíduos.
São
aplicações de consequências jurídicas, e ambientais, significativas previstas
na Lei de Bases do Ambiente a exigência de avaliação de impacto ambiental em
caso de «projectos de acções que impliquem com os recursos naturais, interfiram
com o equilíbrio ecológico e utilizem recursos naturais com prejuízo de
terceiros» (artigo 10.°, também o artigo 16.°), a proibição das actividades
«que atentem contra a biodiversidade ou a conservação, reprodução, qualidade e
quantidade dos recursos biológicos» (artigo 13.°/1), a criação de áreas de
protecção ambiental (artigo 14.°), a exigência de licenciamento ambiental de actividades
«que pela sua natureza, localização ou dimensão sejam susceptíveis impacto
ambiental e social significativo» (artigo 17.°) e a proibição da importação de
resíduos perigosos (artigo 19.°/4). Para além disso, quer a fiscalização
ambiental em geral (artigo 30.°) quer uma das suas formas, as auditorias ambientais
(previstas, mas não com fins de prevenção, no artigo 18.°), obrigatórias ou facultativas,
não se restringem a actividades de verificação a posteriori e podem ter
uma função de relevo na aplicação do princípio da prevenção.
Aragão
considera que o princípio da prevenção «implica que, na falta de normas de
qualidade do ambiente, seja dada uma particular atenção ao controlo das fontes
de poluição» (1997: 70), uma perspectiva de grande interesse em Angola onde
praticamente não existem normas de qualidade.
O princípio
da prevenção vem consagrado em numerosos instrumentos internacionais, alguns
dos quais são adiante referidos.
A Convenção
sobre a Diversidade Biológica (CDB) estabelece obrigações dos Estados de
identificação e monitorização de componentes da diversidade biológica para,
entre outros fins, se «identificar os processos e categorias de actividades que
tenham, ou seja provável que tenham, impactos adversos significativo na
conservação e utilização da diversidade biológica» (artigo 7.°) e de celebrarem
«acordos apropriados para assegurar que são lidas em conta as consequências
ambientais dos seus programas e políticas que podem produzir impactos adversos
importantes para a diversidade biológica» (artigo 14.o/1/b). A Convenção
estabelece ainda no artigo 14.° a obrigatoriedade de realização de avaliações
de impacto ambiental e no artigo 8.º/a a criação de áreas de protecção (ver os
artigos 16.° e 14.° da Lei de Bases do Ambiente, respectivamente).
A Convenção
sobre o Combate à Desertificação é toda ela preventiva na medida em que a
desertificação reforça a degradação ambiental e causa secas. Assim, a Convenção
começa por definir «combate à desertificação» como actividades visando «a prevenção
ou redução da degradação das terras» artigo l.°/a). Estabelece que os Estados
afectados têm a obrigação de «atacar as causas profundas da desertificação e
dar especial atenção aos factores socioeconómicos que contribuem para os
processos de desertificação» e, nos programas de acção nacionais, «dar uma
particular atenção à aplicação de medidas preventivas nas terras ainda não
degradadas ou que estejam apenas ligeiramente degradadas» (artigo 10.º 12/c). Os
programas nacionais devem ainda incluir as medidas de prevenção da seca
previstas no artigo 10.°/3. No Anexo para a África são estabelecidas medidas a
incluir nos programas de acção nacionais que visam a actuação sobre as causas
económicas e sociais da desertificação e seca (artigo 8.°).
A Convenção
sobre a Camada de Ozono quando comina obrigações dos Estados, refere com frequência
a actuação relativamente a actividades que já causam a efeitos nocivos na
camada de ozono ou que possam vir a fazê-lo, tendo pois sempre em consideração
o princípio da prevenção. Ao prever a «limitação, redução ou prevenção» das
actividades que tenham ou possam vir a ter efeitos nocivos na camada de ozono,
a Convenção orienta toda a acção num sentido preventivo (artigo 2.º/2/b). O
Protocolo de Montreal, que prevê a diminuição dos níveis de produção e consumo
de substâncias que deterioram a camada de ozono, tem também essa abordagem
preventiva (em especial os artigos 2.°, 4.° e 5.°).
A Convenção
sobre as Alterações Climáticas consagra o princípio da prevenção no artigo
3.°/3 («medidas cautelares para antecipar, evitar ou minimizar as causas das
alterações climáticas») que contempla também o princípio precaução, preocupando-se
em especial com a actuação sobre as fontes de poluição, por limitação das
emissões antropogénicas de gases com efeitos de estufa (em especial o artigo 4.012/a),
obrigando ainda à realização de avaliações de impacto ambiental (artigo 4.º/1/f).
Na Convenção
de Direito do Mar o princípio da prevenção vem, inter alia, reflectido
nas regras sobre o estabelecimento de níveis de capturas permissíveis e protecção
de certas espécies com vista a preservar os recursos biológicos marinhos na
Zona Económica Exclusiva (artigos 61.°-68.°) e no alto mar (artigos 118.°- 120.°),
e sobre prevenção da poluição do meio marinho (artigo 194.°, em especial).
A Declaração
do Rio estabelece no Princípio 15.° que «Os Estados, de acordo com as suas
capacidades, devem aplicar de forma ampla, medidas de precaução a fim de proteger
o ambiente» e no Princípio 17.° vem prevista a exigência de avaliação de
impacto ambiental no caso de «certas actividades susceptíveis de terem um
impacto significativo adverso no ambiente».
A Agenda 21
contém numerosas referências à aplicação deste princípio. A perspectiva da
Agenda sobre o princípio da prevenção pode ser sintetizada pelo princípio de
acção sobre a protecção do ambiente marinho: «A prevenção da degradação do
ambiente marinho deve ser abordada de uma forma precautória e antecipativa e
não reactiva. Tal exige, inter alia, a adopção de medidas precautórias, avaliações
de impacto ambiental, técnicas de produção não poluentes, reciclagem, auditoria
e minimização de resíduos, construção e/ou melhoria de sistemas de saneamento,
critérios de gestão de qualidade visando o manuseamento correcto das
substâncias perigosas, e uma abordagem exaustiva do impacto prejudicial com
origem na atmosfera, em terra e na água» (ponto 17.21). Uma das aplicações do
princípio da prevenção é, pois, a obrigação de realização de avaliações de
impacto, estabelecida na Agenda em relação a muitas actividades, bem como a
adopção de medidas e programas de prevenção.
A abordagem
da Agenda a estas avaliações de carácter preventivo transcende O âmbito de
projectos e em alguns casos a Agenda obriga a avaliações do impacto das medidas
de política. Assim, por exemplo, no ponto 8.5/b, a propósito da gestão integrada
do desenvolvimento (princípio do equilíbrio), a Agenda prevê que os Estados
devem «adoptar procedimentos analíticos poli valentes para avaliação prévia e
simultânea dos impactos das decisões, incluindo os impactos dentro e entre a
esfera económica, a social e ambiental; estes procedimentos devem verificar-se
não só ao, nível do projecto, mas também às políticas e aos programas; a
análise deve também incluir uma avaliação dos custos, dos benefícios e dos riscos.
Quanto aos «RRR», a Agenda prevê a sua aplicação, inter alia, quanto a
resíduos perigosos e águas residuais.
o princípio
da precaução diz-nos que no caso de incerteza científica sobre a relação causal
entre a realização de uma actividade e um dado fenómeno de degradação
ambiental, deve-se assumir um benefício da dúvida a favor do ambiente, tomando
medidas destinadas a diminuir a eventual perigosidade dessa actividade num
sentido in dubio pro ambiente.
É um
princípio relativo à metodologia da abordagem de protecção ambiental que está
relacionado com o princípio da prevenção mas transcende-o porque pode referir-se
a medidas a adoptar a posteriori, isto é quando já está realizada uma dada
degradação ambiental e não há certeza científica sobre a causa, tipo e/ou consequências
dessa degradação. Parte da doutrina considera que o princípio da precaução
«exige a actuação mesmo antes do princípio da prevenção impor qualquer actuação
preventiva» (Aragão, 1997: 68).
Como se
disse, embora a Lei de Bases do Ambiente não consagre este princípio, ele
vigora na ordem angolana em matérias relacionadas com a protecção do clima,
pois vem consagrado no artigo 3.°/3 da Convenção sobre Alterações Climáticas:
«quando haja ameaças de danos graves ou irreversíveis, a falta de certeza
científica não deve ser utilizada para justificar o adiamento da tomada de tais
medidas» (destinadas a «antecipar, evitar ou minimizar as causas das alterações
climáticas e seus efeitos prejudiciais»).
A Declaração
do Rio afirma no Princípio 15.° que «Onde existam ameaças de riscos graves ou
irreversíveis não será utilizada a falta de certeza científica total como razão
para o adiamento de medidas eficazes em termos de custos para prevenir a degradação
ambiental».
A
qualificação da formação e educação ambiental como um princípio (artigo 4.0/a
da Lei de Bases do Ambiente) é nova. Elas aparecem em geral como obrigações
positivas do Estado. A importância dada à formação e educação ambiental tem em
consideração o facto de a eficácia da protecção ambiental estar estreitamente
dependente do sistema de atitudes-comportamentos dos cidadãos relativamente ao
ambiente, que por sua vez é função dos conhecimentos que detenham sobre as
consequências dessas atitudes-comportamentos. No ambiente, para além deste
princípio, a Lei de Bases do Ambiente consagra também o direito à educação
ambiental no artigo 22.°
Assim, a
transmissão de conhecimentos sobre matérias ambientais, bem como a persuasão
são elementos essenciais para a protecção do ambiente e a eficácia nas normas
que a regulam. Um outro aspecto que reforça a importância do papel da formação
e educação ambiental é o carácter indivisível do bem ambiente e a multiplicidade
e diversidade de relações inter-pessoais que a sua preservação e protecção
supõem nas suas diferentes dimensões espaciais. de difícil controlo social
apenas através dos mecanismos de garantia tradicionais do direito positivo.
Quando se
enfatiza a participação e a educação na Lei de Bases do Ambiente e nos
instrumentos internacionais referidos neste trabalho, vem-se responder à
necessidade formas de auto-organização e participação dos cidadãos para se
atingir o máximo grau de protecção possível de um bem jurídico cujas
características específicas exigem, para além de actos do Estado e de agentes
económicos, a «interiorização», por cada um dos titulares do direito a viver
num ambiente sadio e não poluído e do dever de defender o ambiente, de valores
e conhecimentos que determinem comportamentos voluntários num âmbito muito mais
amplo que o daqueles comportamentos que constituem o objecto dos comandos jurídicos.
Nesse sentido, afirma-se no artigo 20.° da Lei de Bases do Ambiente que a
«educação ambiental é uma medida de protecção ambiental» (n.º I), «deve ser
organizada de forma permanente» (n.º 2), e deve ainda «atingir todas as camadas
da população» (n.º 3).
A Agenda 21
para além de disposições dispersas, dedica um capítulo à «promoção da educação,
consciencialização do público e formação», baseado na Declaração e
Recomendações da Conferência lnter-govemamental de Tbilisi para a Educação
sobre o Ambiente de 1977. Nesse capítulo, nos princípios de acção para o
aumento da consciencialização do público, a Agenda 21 afirma que se verifica «uma
considerável falta de consciencialização sobre a natureza inter-relacionada das
actividades humanas e do ambiente, devido a uma insuficiente ou pouco rigorosa
informação. Especialmente os países em desenvolvimento têm falta de tecnologias
adequadas e de competências. Há uma necessidade de consciencializar o público
para os problemas do ambiente e desenvolvimento, de o envolver na solução
desses problemas e de promover um sentimento de responsabilidade ecológica
pessoal e uma maior motivação em relação ao desenvolvimento sustentável» com o
objectivo de «fortalecer atitudes, valores e acções compatíveis com o desenvolvimento
sustentável» (pontos 36.8 e 36.9).
Diante do
exposto ao longo do desenvolvimento deste trabalho, entendemos que a defesa do
meio ambiente é uma realidade latente que deveria ser abrangida com maior
intensidade junto à população, buscando-se aprimorar as formas de educação
ambiental e de conscientização da população, porquanto se faz necessário que a
sociedade entenda a urgência que envolve a questão da tutela ambiental para que
se possa colher resultados gratificantes num futuro próximo.
Acredita-se
que a actuação conjunta da sociedade e do Estado acabaria por gerar um grande
avanço na história da tutela ambiental, uma vez que não basta possuir consciência
ecológica e ter um órgão capacitado para actuar na defesa do meio ambiente, precisa-se
que os dois andem lado a lado, auxiliando-se mutuamente e objectivando, sempre o
progresso.
ASSEMBLEIA
NACIONAL (República de Angola), Lei nº 5/98 de 19 de Junho;
CÓDIGO CIVIL,
ANGOLA (Edição Académica), 3ª Ed. Coordenação Fátima Freita Advogados, pág.
787-797, Plural Editores, Luanda, 2014;
COELHO,
Antonieta; Lei de Base do Ambiente, Anotada, Colecção da FD-UAN, Luanda, 2001;
Seminário
Sobre Legislação do Ambiente em Angola – Ministério das Pescas e Ambiente e
Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, Impressa Nacional UEE, pág.
19-23, 41-43. Luanda, 1991;
PINZETTA,
Odete. Manual Básico do Promotor de
Justiça do Meio Ambiente: actividade extrajudicial. Porto Alegre: Procuradoria-Geral
de Justiça, 2003;
PIVA, Rui
Carvalho. Bem Ambiental. São
Paulo: Max Limonad, 2000. SÉGUIM, Elida; CARREIRA, Francisco. Lei dos Crimes Ambientais. Rio de
Janeiro: Esplanada, 1999.
SIRVINSKAS,
Luís Paulo. Tutela Penal do Meio
Ambiente. Breves considerações atinentes à Lei n. 9.605 de 12 de Fevereiro de
1998. São Paulo: Saraiva, 1998;
SILVA, Vasco
Pereira; Verde Cor do Direito, Lições de Direito Ambiental, Almedina, 2001;
SOUSA, Gaspar
Alexandre Machado de. Crimes
Ambientais: responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Goiânia: AB,
2003;
[1]
BONAVIDES. Paulo. Do estado liberal ao estado social. São Paulo: Malheiros,
2004, p. 78
[2]
O termo “dimensões” vem sendo utilizado com mais frequência pela moderna
literatura especializada. Entende-se que o reconhecimento progressivo de novos
direitos fundamentais tem carácter cumulativo, de forma que o uso da expressão
“gerações” pode ensejar falsa impressão da substituição gradativa de uma
geração por outra, posição esta também adoptada no presente trabalho. Sobre o
tema vide: SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma
teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10ª ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 45.
[3]
BONAVIDES, Paulo.Do estado liberal ao estado social. São Paulo: Malheiros,
2004, p.97
[4]
BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da constituição. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2003, p. 216.
[5]
ZAVASCKI. Teori Albino. Reforma do Processo Colectivo: indispensabilidade de
disciplina diferenciada para direitos individuais homogéneos e para direitos
transindividuais in Direito Processual Colectivo e o anteprojecto de Código
Brasileiro de Processos Colectivos. Coord. GRINOVER, Ada Pellegrini, MENDES,
Aluisio Gonçalves de Castro. WATANEBE, Kazuo. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007, p. 34
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