terça-feira, 27 de março de 2018

A ERA DO TRÁFICO DE ESCRAVOS NEGROS





É chamado de Tráfico negreiro o envio arbitrário de negros africanos na condição de escravos para as Américas e outras colónias de países europeus durante o período caracterizado como colonialista.

Durante a Idade Moderna, primordialmente depois que se descobriu a América, intensificou-se o comércio escravo, sem qualquer limite quanto à crueldade praticada, visava-se somente o lucro que se obteria com a venda de homens, mulheres e crianças vindas directo da África para as Américas.

A escravidão ocorre desde a origem de nossa história, quando os povos que eram derrotados em combates entre exércitos ou armadas eram aprisionados e transformados em escravos por seus dominadores. O povo hebreu é um exemplo disso, foram comercializados como escravos desde os primórdios da História. Os escravos eram usados nos trabalhos mais pesados e toscos que se pode imaginar.

A explicação encontrada para o uso da mão-de-obra escrava fazia alusão a questões religiosas e morais e à suposta preeminência racial e cultural dos europeus.

Os portugueses já utilizavam o negro como escravo desde o ano de 1432, trazido pelo português Gil Eane, utilizando-os nas ilhas da Madeira, de Açores e Cabo Verde, anteriormente à efectivação da colonização brasileira.






Nas classes anteriores estudamos os principais Estados e as características gerais das sociedades africanas no período que vai do século VII ao século XV, que corresponde à chamada época feudal europeia e, em África, a um período de desenvolvimento económico, político e cultural em nada inferior ao da Europa. Isto aplica-se não só às regiões directamente influenciadas pela civilização islâmica (Norte de África, região sudanesa, costa oriental), mas também às marcadas por uma cultura negro-africana original (África Subsariana, Central e Meridional).

Antes do tráfico europeu, já os Árabes traficavam escravos africanos. Estes eram há muito objecto de comércio regular entre o Sara e o oceano índico, que os colocava em contacto com o exterior. As relações da Arábia com África pelo mar Vermelho e pelo oceano Índico explicam o papel desempenhado pelos Árabes no tráfico negreiro. Este comércio iniciou-se em pequena escala, mas depois conheceu grande evolução na altura da expansão árabe na África do Norte.

Uma das principais vias do tráfico era a que ligava a costa oriental de África com a Arábia. Os escravos eram uma das mercadorias mais procuradas na Arábia, sendo as outras o marfim, o ouro e a madeira. Uma segunda via do tráfico unia a Arábia ao Corno de África, mais precisamente à Abissínia.

A Europa nunca esteve ausente durante as correntes de trocas negreiras anteriores ao tráfico transatlântico. Inicialmente a sua participação foi menor e indirecta, e fez-se por intermédio dos seus vizinhos muçulmanos. Porém, a partir do século XIV, os Europeus, principalmente os da península Ibérica, procuraram a todo o custo abrir vias ou rotas de trocas directas com a África atlântica.

A princípio, estas trocas acabaram por se concentrar nos escravos como mercadoria privilegiada, mas os Europeus tornaram-se rapidamente independentes dos Árabes, pelo que o comércio de escravos praticado pelos Europeus veio a conhecer uma amplitude sem precedentes.

A escravatura era um estatuto social corrente na Europa medieval. No final da Idade Média, os escravos que se encontravam na Europa eram na maior parte originários dos territórios situados nas margens do mar Negro ou do Cáucaso. Os negros de África constituíam uma excepção. Porém, a introdução destes africanos proveio da iniciativa dos Árabes, e os próprios Europeus não tardaram a utilizar um número cada vez mais crescente de escravos negros.


A partir do século XVI, o curso da história africana alterou-se brutalmente, quando a Europa entrou exactamente na mesma época em período de expansão económica e geográfica, passando a interferir na evolução das sociedades africanas de uma forma que se foi acentuando nos séculos seguintes. Com os "grandes descobrimentos" começa uma evolução divergente: civilizações que não sendo semelhantes mas têm um nível de desenvolvimento equivalente vai distanciar-se de tal maneira que os Europeus do século XIX, em plena fase de expansão imperialista, acharão normal e natural apoderar-se gradual e depois totalmente do continente africano.

Do século XVI ao século XVIII, a África foi palco de um dos maiores genocídios da história da humanidade: milhões de africanos foram arrancados violentamente das suas terras e do seu meio social ou pereceram para enriquecer uma burguesia mercantil sedenta de ouro, prata e outros produtos preciosos.

É este período que se designa por "Era do Tráfico", para África, e "Período de Acumulação Primitiva de Capitais", para a Europa. O tráfico de escravos foi o factor essencial da história africana durante este período.


Desde tempos remotos, houve contactos entre África e os países do Mediterrâneo através das rotas de caravanas transarianas.

As mercadorias do Norte de África, do Próximo Oriente e da Europa (espadas de aço, ferragens, sedas, tecidos e escravos, entre outros produtos) chegavam até à África sudanesa para serem trocados por ouro, marfim, sal, pimenta e escravos.

Entre as várias regiões africanas também havia trocas comerciais que permitiam contactos culturais e relações políticas. Os Estados sudaneses (Gana, Mali, Songhai) mantinham ligações com o Egipto; havia contactos entre o Senegal e a Somália; entre o Chade e as cidades do Nilo; das cidades da costa do oceano Índico com os Estados da bacia do Nilo, e do litoral com o interior.

Até ao século XV, comércio entre a África e a Europa efectuava-se através das rotas transarianas e da costa do oceano Índico por intermédio de mercadores árabes, que encaminhavam os produtos para as grandes cidades italianas e ibéricas.

No século XV, tráfico mudou de orientação. O Sara cedeu progressivamente o lugar ao oceano Atlântico, onde os contactos entre africanos e europeus se multiplicaram devido às descobertas científicas e técnicas que permitiram uma navegação mais segura e à grande necessidade que a Europa tinha de ouro e especiarias. Os primeiros europeus que desembarcaram nas costas africanas foram os Portugueses, movidos por interesses lucrativos e de aventuras.


Na história da África jamais se sucederam tantas e tão rápidas mudanças como durante o período entre 1880 e 1935. Na verdade, as mudanças mais importantes, mais espectaculares – e também mais trágicas –, ocorreram num lapso de tempo bem mais curto, de 1880 a 1910, marcado pela conquista e ocupação de quase todo o continente africano pelas potências imperialistas e, depois, pela instauração do sistema colonial. A fase posterior a 1910 caracterizou -se essencialmente pela consolidação e exploração do sistema.

O desenvolvimento desse drama foi verdadeiramente espantoso, pois até 1880 apenas algumas áreas bastante restritas da África estavam sob a dominação directa de europeus. Em toda a África ocidental, essa dominação limitava -se às zonas costeiras e ilhas do Senegal, à cidade de Freetown e seus arredores (que hoje fazem parte de Serra Leoa), às regiões meridionais da Costa do Ouro (actual Gana), ao litoral de Abidjan, na Costa do Marfim, e de Porto Novo, no Daomé (actual Benin), e à ilha de Lagos (no que consiste actualmente a Nigéria). Na África setentrional, em 1880, os franceses tinham colonizado apenas a Argélia. Da África oriental, nem um só palmo de terra havia tombado em mãos de qualquer potência europeia, enquanto, na África central, o poder exercido pelos portugueses restringia -se a algumas faixas costeiras de Moçambique e Angola. Só na África meridional é que a dominação estrangeira se achava firmemente implantada, estendendo -se largamente pelo interior da região.

Até 1880, em cerca de 80% do seu território, a África era governada por seus próprios reis, rainhas, chefes de clãs e de linhagens, em impérios, reinos, comunidades e unidades políticas de porte e natureza variados. No entanto, nos trinta anos seguintes, assiste -se a uma transmutação extraordinária, para não dizer radical, dessa situação. Em 1914, com a única excepção da Etiópia e da Libéria, a África inteira vê -se submetida à dominação de potências europeias e dividida em colónias de dimensões diversas, mas de modo geral, muito mais extensas do que as formações políticas preexistentes e, muitas vezes, com pouca ou nenhuma relação com elas. Nessa época, aliás, a África não é assaltada apenas na sua soberania e na sua independência, mas também em seus valores culturais.

A colonização constitui apenas uma empreitada militar e económica, posteriormente defendida por um regime administrativo apropriado; para os argelinos, contudo, é uma verdadeira revolução, que vem transtornar todo um antigo mundo de crenças e ideias, um modo secular de existência. Coloca todo um povo diante de súbita mudança. Uma nação inteira, sem estar preparada para isso, vê-se obrigada a se adaptar ou, se não, sucumbir. Tal situação conduz necessariamente a um desequilíbrio moral e material, cuja esterilidade não está longe da desintegração completa.

Essas observações sobre a natureza do colonialismo valem não só para a colonização francesa da Argélia mas para toda a colonização europeia da África, sendo as diferenças de grau e não de género, de forma e não de fundo. Em outras palavras, durante o período entre 1880 e 1935, a África teve de enfrentar um desafio particularmente ameaçador: o desafio do colonialismo.




Era 1483, quando o navegador Diogo Cão, procurando conhecer melhor a costa africana, chegou à foz do rio Zaire, onde estava estabelecido o poderoso reino do Kongo. Rapidamente se espalhou entre os habitantes locais a notícia de que barcos enormes, que mais pareciam pássaros gigantescos, estavam nas proximidades do reino. A novidade vinda do mar trouxe inquietação. Na região do Kongo-Angola pensava-se que os europeus vinham de outro mundo, que eram seres sobrenaturais. Acreditava-se que entre o mundo dos vivos e dos mortos havia uma linha divisória, a Calunga. Daí que quando alguém morria o seu espírito atravessava a fronteira entre a vida e a morte navegando numa zona transitória que seria o oceano. Para eles, os homens brancos que desembarcaram com Diogo Cão podiam ser espíritos de antepassados voltando para casa.

A recepção aos portugueses foi calorosa. O mani-sônio (ou mani Nsoyo), governante da província litorânea do reino, os acolheu festivamente. Os navegantes também se mostraram entusiasmados e curiosos. Queriam conhecer o rei, para quem traziam presentes. Com tal fim foram enviados alguns mensageiros à cidade real, Mbanza Kongo. O rei, o manicongo, deve ter ficado bastante surpreendido com a presença daqueles brancos que diziam ter cruzado o oceano. Talvez por isso, ao invés de mandá-los de volta a seus navios, os manteve em seu palácio. Assim, os mensageiros tiveram a oportunidade de saber que o reino do Kongo era uma estrutura político-administrativa bem complexa e centralizada.

A autoridade máxima era o manicongo, escolhido por um conselho de nobres que ocupavam os cargos de secretários reais, administradores provinciais, colectores de impostos, juízes e oficiais militares. Já a economia estava assentada na actividade agrícola e pastoril, embora houvesse grandes mercados regionais para o comércio de sal e produtos de ferro, nos quais a moeda usada era um tipo de concha da região da ilha de Luanda, cuja colecta era monopólio real.

Ao perceber que os mensageiros enviados ao rei tardavam a voltar, Diogo Cão resolveu tomar quatro reféns e levá-los diante do rei de Portugal, com a promessa de trazê-los de volta depois de algumas luas. Assim foi feito. Quando retornaram para o Kongo os quatro africanos estavam vestidos como europeus e falando português. Se os mensageiros que ficaram na cidade real do Kongo tinham muito para contar a Diogo Cão, não eram poucas as novidades que os raptados relataram ao manicongo. Haviam visto muitos outros barcos enormes, armas e riquezas que podiam assegurar o poderio de quem as possuísse.

Ambicioso, o manicongo Nzinga avaliou que era fundamental firmar acordos com aqueles viajantes e, em 1489, enviou numa das caravelas de Diogo Cão vários presentes e uma embaixada ao rei português, d. João II. O objectivo dos embaixadores era claro: solicitar autorização para que rapazes do reino africano pudessem ser educados na Europa, conseguir que padres católicos fossem enviados ao Kongo, assim como mestres no ofício da carpintaria, pedraria e agricultura. O rei português não tardou a atender aos pedidos. Uma aliança com outro soberano tão poderoso e disposto a se converter ao catolicismo parecia a oportunidade ideal para fincar os pés naquela região da África.

Por sua vez, o rei do Kongo visava apropriar-se dos conhecimentos, técnicas e até hábitos e costumes europeus que pudessem fortalecer ainda mais o seu reino. O manicongo, uma de suas esposas e um filho foram baptizados numa igreja de pedra e cal que mandou erguer em 1491. Daquele dia em diante ao rei do Kongo foi dado o nome de d. João I, a sua mulher, Leonor, e ao seu filho, Afonso. É certo que houve quem se negasse a aderir ao catolicismo, dentre eles, um outro filho do rei, Mpanzu a Kitima, mas este foi vencido por Afonso na disputa pela sucessão do trono. Vitória facilitada pela ajuda militar portuguesa na forma de cavalos e armas.

Além de propagar o catolicismo, d. Afonso sempre se mostrava interessado em aproximar o Kongo de Portugal também por meio dos costumes, língua, ensino e conhecimento tecnológico. Contudo, ao fim de décadas de negociação, os portugueses não tinham honrado o compromisso de ensinar aos congueses como se construir grandes barcos a vela, tão pouco moinhos e veículos de roda. As novidades ficaram restritas ao cultivo do milho, da mandioca, batata-doce e amendoim vindos da América. Em contrapartida, além do auxílio militar, sempre que necessário d. Afonso contou com os portugueses para incrementar o comércio do cobre, trocado por mercadorias europeias que, por sua vez, eram repartidas entre os chefes de distritos do reino. Esses chefes faziam o mesmo com os líderes das aldeias, que por sua vez também dividiam com os cabeças de grupos familiares. Desse modo estava assegurada uma rede de lealdade capaz de sustentar o poder do rei, que governou entre 1506 e 1543.

Mas, aos poucos, o controle dos negócios foi escapando das mãos reais. Burlando a sua vigilância, administradores provinciais começaram a negociar com os portugueses sem qualquer intermediação. Ironicamente, quanto mais as elites do Kongo desejavam os produtos europeus, como queria d. Afonso, mais risco corria o seu reinado. Nas últimas décadas do século XVI, começava a ruir um dos mais estáveis reinados da África centro-ocidental. Já a demanda por produtos europeus crescia de tal modo que cobre e peles já não eram suficientes para saldar as dívidas com os comerciantes portugueses.

Até então a escravidão no Kongo era do tipo doméstico, embora nas cidades fosse comum que um número significativo de prisioneiros de guerra estivesse a serviço da nobreza. Mas, aos poucos, os cativos passaram a ser usados como meio de conversão da moeda local para a portuguesa, sem o intermédio da nobreza e do rei. No decorrer do século XVII, mais e mais escravos foram envolvidos nas transacções entre chefes políticos e mercadores africanos com os portugueses, que os aceitavam de bom grado. Multiplicaram-se na região as guerras com o único fim de capturar mais pessoas a serem embarcadas nos navios portugueses.

Ao mesmo tempo, os portugueses intensificavam o comércio de escravos com Ndongo (Angola), vizinhos e vassalos do Kongo, sem a intermediação de d. Afonso. Eles imaginavam que encontrariam, naquelas terras, minas de prata. A pretensão colonialista já era evidente em 1575, quando as terras diante da ilha de Luanda foram consideradas uma capitania portuguesa. Logo os moradores do lugar entenderam que, ao construírem casas, igreja e fortificações, os portugueses visavam se fixar na região, e reagiram. A cada investida portuguesa para o interior do continente correspondiam ataques de hábeis chefes políticos, a exemplo da rainha Jinga (ou Nzinga). No mais, ainda existiam outros inimigos bem poderosos: as febres, a escassez de comida, os insectos, a estiagem e a frustração diante da inexistência de prata e ouro nas proximidades.

Os portugueses concluiriam, então, que a empreitada conquistadora não valia a pena e resolveram concentrar suas forças no comércio de escravos, actividade que seguramente lhes rendia muito lucro e menos trabalho, pois eram os próprios moradores de Luanda que se lançavam à caça de cativos. Luanda rapidamente se tornou uma grande feira de comércio de gente. Angola, desde fins do século XVI até a primeira metade do século XVIII, foi o maior fornecedor de escravos para as Américas portuguesas e espanhola. Entre 1575 e 1591 foram embarcados da região de Angola mais de 52 mil africanos para o Brasil.





Concluímos que o tráfico de escravos era uma das formas de comércio, altamente lucrativa, já exercida pelos mercadores fenícios. Nas sociedades mediterrâneas grega e romana, os escravos constituíam um importante “artigo” comercial. Os indivíduos eram capturados em incursões noutros territórios, nas guerras ou vendidos pela aristocracia tribal. Os seres humanos, incluindo crianças, eram negociados nos mercados como animais ou qualquer outra mercadoria. Em alguns centros de comércio havia mercados especiais de escravos.

Os europeus não se envolviam directamente na caça aos escravos e preferiam comprá-los aos africanos que se encarregavam de os capturar. Os mercadores europeus permaneciam junto à costa onde os seus parceiros comerciais acorriam para entregar de escravos capturados em guerras ou em ataques organizados, em troca dos mais variados objectos, em geral de pouco valor. O grande desenvolvimento do tráfico de escravos negros, na segunda metade do século XVI, foi impelido pela necessidade mão-de-obra para as plantações tropicais americanas principalmente de cana-de-açúcar e de algodão.


COSTA E SILVA, Alberto. A manilha e o limbambo – a África e a escravidão de 1500 a 1700. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, Fundação Biblioteca Nacional, 2002.

REIS, João José. “Notas sobre a escravidão na África pré-colonial”. Estudos Afroasiáticos, nº 14 (1987), pp. 5-21.

THORNTON, John. A África e os africanos na formação do mundo Atlântico (1400- 1800). Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

VAINFAS, Ronaldo e SOUZA, Marina de Mello e. “Catolização e poder no tempo do tráfico: o reino do Congo da conversão corada ao movimento Antoniano, séculos XV-XVIII”. Tempo, nº 6 (dez de 1998), pp. 95-118.




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