INSTITUTO SUPERIOR
DE ANGOLA
DEPARTAMENTO DE
CIÊNCIAS HUMANAS
LICENCIATURA EM GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS
CULTURA AFRICANA
O POVO BANTU
Integrantes do Grupo:
1. Paula
Fraga
2. Isabel
Rinaldo
3. Jacinta
Gabriel
4. Alberto
Paulo
5. Alzira
Domingos
6. Manuela
dos Santos
7. Tristeza
Simão
8. Pascoal
Sapalalo
Grupo: 02
Sala: 05
Período: Manhã
Ano académico: 2º
Trabalho de
pesquisa bibliográfica apresentado na disciplina de Cultura Africana como
requisito parcial para obtenção de notas.
O Docente: Almeida Manuel
LUANDA
2018
SUMÁRIO
O ser humano é naturalmente um
ser cultural, religioso, comunicativo, livre e está aberto ao diálogo. Durante
a sua vivência, vai assimilando experiências e conhecimentos e vai aprimorando
o seu repertório cultural. Para melhor nos adentrarmos no conhecimento de um
determinado povo, precisamos conhecer, antes de mais, a sua cultura.
Parafraseando com Edward Burnett Tylor, cultura é o conjunto de práticas e
acções sociais que seguem um padrão determinado no espaço. Refere-se a crenças,
comportamentos, valores, instituições, regras morais que permeiam e identificam
uma sociedade. A cultura explica e dá sentido à cosmologia social, e à identidade
própria de um grupo humano em um território e num determinado período e no
presente estudo vamos falar do povo bantu no contexto africano.
Os povos africanos são
considerados como profundamente religiosos, chegando quase a acreditar-se que
estes nunca entram em crise de fé num Ser Supremo. Este “fundo” cultural move a
curiosidade de investigar e analisar profundamente o fenómeno religioso na
cultura africana.
Ao abordar os pressupostos da
cultura africana bantu, queremos manifestar a nossa indignação por aquilo que
aconteceu no passado na África Negra, a nossa satisfação da sobrevivência dos
valores tradicionais africanos bantu e a nossa proposta, de como poderá ser a
cultura africana bantu no presente e no futuro.
É do conhecimento comum que
África Subsahariana, a região onde se localiza o povo Bantu, é a fonte de
grandes riquezas minerais, como: petróleo, cobre, ouro, estanho, urânio,
diamante, etc. Tem um enorme potencial energético solar, fluvial e de
biocombustíveis. Contudo, na actualidade, esta região é considerada, geralmente,
como a mais empobrecida artificialmente do planeta, sofrendo os graves legados
do colonialismo, do neocolonialismo, dos conflitos étnicos e instabilidade
política.
Sistematicamente, se verifica
que o encontro do Ocidente com África Subsahariana no passado, foi
caracterizado, sobretudo, pelo chamado «mito de África selvagem», segundo o
qual os ocidentais consideravam os negros africanos de «povos selvagens», dos
que se duvidava a posse de alma; de povos sem civilização ou sem uma cultura
que merecia ser conservada, etc. Com base neste mito, o homem ocidental, de
então, justificou o seu sistema colonial dos séculos XIX e XX, na invasão da
África, como uma missão civilizadora para levar os negros africanos aos
benefícios da civilização e cultura ocidental.
Com efeito, dado o anterior
retrato da África Negra, muitos pensadores africanos consideram o tráfego de
escravos, a descriminação racial e a colonização, como os principais factores
das crises da região e, consequentemente, da debilitação da cultura africana
bantu. Certamente, a colonização política, económica, cultural, religiosa, etc,
está na origem da destruição das formas autênticas de vida dos negros africanos,
pois fracturou o seu equilíbrio cultural. Porém, perante todas essas atrocidades
é preciso reconhecer, com satisfação, que o homem negro africano foi capaz de
resistir para a conservação do elemento essencial da sua cultura: a religião
tradicional africana, considerada como o elemento mais importante na vida
tradicional e que exerce maior influência nos modos de pensar e de viver do
negro africano.
Nesta perspectiva, o homem
negro africano necessita urgentemente «vencer» a grande barreira
epistemológica: a pobreza antropológica, a pobreza que inferioriza, «coisifica»
e reduz o homem negro africano ao estado de «dependência total», pois é notório
o facto de África Negra, durante séculos, ter sido excluída dos vários saberes
desenvolvidos pela academia, exclusão essa fruto de preconceitos e da mais vil
descriminação racial em relação ao homem negro africano, atitude essa defendida
até mesmo pelo famoso filósofo alemão Georg G. Frederico Hegel (1770-1831) de
que África era «um continente a-histórico», «o país da infância», que vive no
mais primitivo dos sistemas naturais. Na verdade, o mito da inferioridade que
África Negra e seu povo vêm sofrendo durante todos esses séculos, converte-se
numa grande «barreira epistemológica» para se desenvolver pesquisas a respeito
de todas as áreas sensíveis da vida do homem negro africano.
A reflexão que apresentamos
anteriormente sobre a «cultura» em geral e sobre «a cultura africana bantu» em
particular, nos permite entender que o homem negro africano bantu, como
qualquer outro homem ou povo, tem sua vida, sua religião, sua história e,
obviamente, sua «filosofia» de como pensar, entender e interpretar a vida concreta
e quotidiana. Também nos deu a entender que grande parte da atitude do negro
africano bantu está concentrada em volta de um valor absoluto: «a força vital»[1], visto
que sua máxima aspiração é a «vida».
No entanto, uma análise
pormenorizada da cosmovisão[2] africana
bantu é motivo para um trabalho de pesquisa que não cabe nesta dissertação e
nem é seu objectivo. A nossa meta, aqui, é de ressaltar os elementos
estruturais que nos permitem dizer que existia uma unidade cultural na África
bantu antes da invasão europeia (séc. XV). Assim, falar da cosmovisão africana
bantu é falar do sentimento de colectivismo, o rítmo, a concepção sexual, a
comunicação com a natureza, o culto dos antepassados, etc. é falar da forma do
homem africano bantu de ser e estar no mundo que para um ocidental, fora do
contexto africano, será difícil entender, porque não possui a experiência
anterior, de origem.
Mirando o homem africano
bantu, na sua dimensão simbólica e real, podemos esquematizar, de acordo com o
seu pensamento religioso, «cinco mundos» distintos mas correlacionados, dado
que o universo africano é «holístico», não há dicotomia de matéria e espírito,
de sagrado e profano, de natural e sobrenatural, de comunidade e indivíduo, de
sujeito e objecto e, em definitiva, não há distinção clara entre símbolo e
realidade, entre dentro e fora. Aliás, a representação africana do mundo é
«antropocêntrica», isto é, o homem e o mundo são correlativos e
complementários, chegando a considerar que o mundo sem o homem não tem sentido,
e o homem não pode ser pensado sem seu vínculo corporal com o mundo.
Na cosmovisão africana bantu,
o mundo divino engloba a totalidade dos seres criados. E, através da influência
religiosa, Deus é entendido como a Origem e o Sustentador de todas as coisa, o
Ser Absoluto e Trascendente; a Força Vital Oculta que colocou seu espírito em
todos os seres do universo. Com estas categorias, Deus escapa a qualquer
domínio dos demais seres do universo. Entretanto, a relação com o mundo divino
constitui parte integrante de toda a vida e existência dos seres animados e
inanimados.
Para desenvolver
exaustivamente este tema, devemos ser conscientes de que o mundo negro africano
bantu tradicional é um mundo unitário, onde os vivos e os mortos formam uma só
comunidade de vida e de relação. Assim, na óptica dos teólogos e dos demais
pensadores africanos, o mundo dos homens tem dois aspectos: o mundo dos mortos
e o dos vivos. Essa interpretação nos revela, efectivamente, que:
“Depois da morte
os humanos entram numa hierarquia de poder «dinâmico» superior ao de resto dos
viventes”.
1. O
mundo dos mortos. Na cosmovisão negro africana bantu, os mortos estão
hierarquizados; há uns que são considerados «mortos viventes»[3]
e outros não. Em geral, os mortos pertencem a um modo de
existência entre Deus e os homens, e outros seres criados. Ainda, por sua
natureza, os mortos são menos poderosos que Deus, porém são mais poderosos que
os homens vivos e os demais seres criados. Isto é, o mundo dos mortos goza, em
certa forma, de uma superioridade que prevalece para além da morte.
2. O
mundo dos homens vivos. Este mundo goza de uma certa superioridade em
relação a outros mundos subsequentes: animal, vegetal e mineral, e exerce seu
poderio sobre eles, salvo quando estes estão sob a acção dos mundos superiores
(de Deus e dos mortos). Por conseguinte, a relação e a comunhão destes dois
mundos (dos mortos e dos vivos), é através do «chefe ou rei» tradicional que,
gozando de sua autoridade moral-religiosa e de uma força vital que o situa na
fronteira do visível e do invisível, é capaz de comunicar com os antepassados e
com os espíritos[4].
c)
O mundo animal.
Este mundo
caracteriza-se pelos seres que sentem e se movem por seu próprio impulso. Sua
superioridade, em relação ao homem, está baseada na sua quantidade e, em certos
casos, na força. Outros seres animados podem ser considerados «superiores» por possuírem
«qualidades naturais» que lhes capacitam a tirar a vida ao homem, é o caso das
cobras venenosas, dos mosquitos transmissores da malária e outros seres nocivos
à vida humana. Diferencia-se do mundo vegetal por possuir a vontade, a
capacidade de mover-se, etc. Por sua vez, torna-se mais benéfico para o mundo
dos homens na medida em que constitui a matéria (os animais) para o sacrifício
tradicional, onde se imolam animais, com a finalidade de restaurar o equilíbrio
da natureza, quando o homem experimenta desgraças.
Este mundo possui a vida e por
isso é considerado como superior em relação ao mundo mineral ou inorgânico.
Também este mundo «vegetal» desempenha um papel preponderante na vida humana e
religiosa tradicional, quando se constata que por baixo da copa de certas
árvores, sendo considerados «lugares sagrados», se fazem orações e se oferecem
sacrifícios tradicionais.
O mundo inorgânico constitui o
inferior de todos os outros mundos já mencionados anteriormente. É um mundo
completamente antitético a Deus que tudo pode e submete. Porém, os componentes
desse mundo podem ser manipulados ou servir de «veículos» de vida ou de morte
na vida humana. É o caso da trovoada, por exemplo, considerada como um
objecto inorgânico mas possui uma energia dinâmica. A trovoada é
considerada como «força oculta» que certos homens, espertos mágicamente, podem
manipular a seu favor. É susceptível de ser utilizada pelo homem para fins
obscuros. O mesmo sucede com a chuva e o vento considerados como componentes
do mundo inorgânico sob o controle de Deus e dos mortos, mas alguns homens
podem possuir o seu segredo e manipulá-los para o seu benefício ou em prejuízo
de outrem.
Examinando rigorosamente esta
cosmovisão africana bantu, podemos resumir os «cinco mundos» em três: a) Mundo
de Deus e dos antepassados; b) Mundo dos seres humanos; c) mundo
da natureza, isto porque o negro africano bantu concebe o mundo como uma
“rede de relações” entre o divino (os seres espirituais), a comunidade
(os seres humanos) e a natureza (os seres animados e inanimados). É
óbvio considerar todos estes mundos como “lugares teofânicos”,
por constatar que o negro africano concebe o cosmos como portador de mensagens
divinas, ou seja, há um pouco do divino em tudo o que existe. Aliás, alguns
lugares como: montanhas, bosques, rios, etc., parecem privilegiados para
a presença de Deus, dos antepassados e dos espíritos[5].
Por analogia, há que considerar que a actuação dos homens mortos é a
mais actuante e efectiva, por possuir a potência de governar e controlar todos
os mundos inferiores ao seu. Por conseguinte, “os mortos viventes” podem
manifestar-se nos homens vivos, nos animais, nas árvores e nos seres
inorgânicos.
Com efeito, a concepção
africana bantu do mundo pode ainda ser considerada, logicamente, como “antropocêntrica”,
não no sentido absolutista da filosofia ocidental que pensa que o ser humano é
o centro do mundo e que ele pode tudo e pode fazer o que quiser. O “antropocentrismo
africano bantu” é entendido na dimensão relativista. Isto quer dizer que o
negro africano bantu sabe que nem tudo depende da sua vontade e capacidade.
Reconhece ainda que a sua existência depende também da vontade dos ancestrais
e de Deus. Na mesma perspectiva, no pensamento dos negros africanos, não
existe a dualidade homem/natureza, porque tudo está interligado e que a
força sagrada é eminente à natureza, ou seja, o uno é o todo e o todo é uno.
Por sua vez, essa concepção negro africana nos faz entender, obviamente, que o
ser do muntu constitui a recapitulação do mistério do mundo[6].
Aliás, o homem conhece-se a si
mesmo enquanto estabelece relações com o mundo e mirando os fenómenos que o
circunda. O homem bantu sente e pensa que só pode existir e desenvolver as suas
próprias virtualidades, o seu original e próprio ser em união com Deus, com
todos os outros membros espirituais, com todos os homens, com todos os outros
seres do universo: animais, árvores, pedras, etc. Dito de outra forma, o
muntu existe quando é capaz de estabelecer a relação vertical e horizontal
com todos os seres que povoam o cosmos.
Por conseguinte, na mesma
óptica africana bantu, o valor da pessoa depende da participação no ciclo vital
do universo, ordenado hierarquicamente (Deus, os espíritos, os mortos viventes,
os homens e a natureza). Por isso se pode considerar o universo africano bantu
como um «todo», sem dicotomia entre sagrado e profano, e aos negro africanos
como eminentemente religiosos.
Esperemos, portanto, que a
cosmovisão negro africana bantu seja, contemporaneamente, um suporte para a
busca de alternativas reais ao processo de desenvolvimento e de evangelização
em África Subsahariana. Que os elementos culturais e religiosos do povo Bantu
não sejam vistos e considerados como experiências condenadas a habitar só no
círculo desse contingente populacional, mas que essas experiências negro
africanas bantu sejam, também, permitidas a habitarem fora das fronteiras da
cultura bantu, para «africanizar»[7]
a outros sistemas socioculturais em qualquer parte do mundo.
A estrutura sociopolítica é um
dos elementos importantes que nos permite conhecer e compreender adequadamente
as reacções humanas dentro duma determinada sociedade, porque a política não é
outra coisa senão um aspecto do modelo cultural. No âmbito dos sistemas sociopolítico
africanos bantu, considera-se «político” tudo o que está orientado para um fim
público e que implica uma diversificação de poderes entre os indivíduos.
Os sistemas sociopolíticos
bantu têm sua base no parentesco,
que não se limita só aos laços que unem os elementos de uma família concreta,
senão a todas suas ramificações: parentes ascendentes (antepassados),
descendentes e colaterais. Isto nos revela que há diversos laços de parentesco
na sociedade africana bantu: laços de sangue (descendência), laços de afinidade
(casamento) e laços fictícios (de adopção). Portanto, o parentesco constitui uma
estrutura fundamental de todo o tecido social bantu, visto que mergulha as
raízes no ordenamento da natureza humana, por meio do qual divide o homem em «macho
e fêmea»[8].
A partir desta base
sociopolítica, chamada «parentesco», os bantu se encontram estruturados em uma
série de clãs, que
constituem a unidade mais ampla dentro da organização social. O clã é o quadro
tradicional de toda relação familiar e social, a unidade social de base e o
núcleo de toda organização bantu, que condiciona os componentes da sociedade a
viverem na comunidade e para a comunidade[9].
Com efeito, para os bantu esta
unidade e força social, clã,
tem como origem no totem «mutupo»[10],
símbolo de união de todo o grupo, que impulsiona a todos os membros a criarem o
espírito de solidariedade e de hospitalidade, fazendo-se todos como «irmãos de
sangue». Ainda, a estruturação interna do clã pode ser patrilineal ou matrilineal, dependendo das
circunstâncias vinculantes durante as alianças matrimoniais.
Por sua vez, os clãs se
segmentam em linhagens,
que reúnem um grupo de pessoas por um vínculo de «parentesco ciânico» e que
constitui a base social, política e religiosa da organização de um povo,
através de um chefe de família alargada. Por seu turno, as linhagens se compõem
de famílias, que
constituem a célula mais pequena, porém mais importante da sociedade, formada a
partir de um matrimónio,
que não é portanto um simples acordo de dois indivíduos de sexo diferente, mas
também a «aliança» de dois grupos familiares distintos, que se realiza por
etapas costumeiras. Entretanto, no contexto africano bantu, o matrimónio tem um
significado religioso, ou seja, pertence à ordem do sagrado e do religioso, de
tal forma que o casar-se é quase tão importante como o acto de nascer.
Economicamente, a sociedade
bantu tem uma economia de subsistência, baseada sobretudo na agricultura,
pastorícia e artesanato. Assim, a divisão do trabalho está sancionada pela
tradição. Entre os clãs agricultores, os homens encarregam-se dos
assuntos políticos, a guerra, as questões jurídicas e de preparar os campos de
cultivo (cortar as árvores). As mulheres, por seu turno, dedicam-se às tarefas
domésticas e a sementeira e colheita agrária. Também se dedicam ao ofício de
olaria. Já para a sociedade pastoril, os homens ocupam-se da missão
defensiva e do cuidado do gado; as mulheres, para além do trabalho doméstico,
encarregam-se da extracção do leite. Quanto ao artesanato, é quase
praticado por ambos os grupos e géneros, como uma actividade complementária para
a subsistência. As crianças, em geral, são tidas como ajudantes predilectos dos
pais (os meninos ajudam os pais, as meninas ajudam as mães).
Politicamente, a sociedade
tradicional africana bantu «era estruturada» sob os princípios de sexo, idade e
posição social. Actualmente poderia ser considerada como uma sociedade de governo
monárquico e democrático, fortemente hierarquizado, por se verificar que a
autoridade quase está centralizada na pessoa do chefe do clã, que coordena o
conselho dos anciãos. Porém, actualmente o rei escuta e considera as opiniões
do povo.
Nesta sociedade, o chefe ou
rei é tido como alguém mais qualificado e vitalmente mais poderoso; é
considerado como guia necessário da comunidade e guarda das suas tradições e da
sua coesão. Acumula o poder político, religioso e é o responsável pela vida
social e económica de seus súbditos. Também é preciso analisar este sistema
governativo a partir de um fundamento carismático apoiado no modelo gerontocrático (governo dos mais
velhos), pois os anciãos são na sua maioria considerados como o estrato social
mais prestigioso, conhecedores e tutores da tradição. Formam uma «instituição
sacra» presidida por um chefe ou rei carismático que dirige, pensa, solidariza,
vigia e procura o bem da comunidade.
Por conseguinte, embora haja
esse tipo de sistema político governamental, na África bantu e em toda a África
tradicional, nunca existiu o conceito de «pátria» com base territorial. O que
existiu e existe é a consciência de pertencer a uns antepassados concretos, com
sua origem na família alargada, que dão sentido à união do grupo. Com este
modelo político governamental, efectivamente, fez surgir os chamados
«Estados-clãs» a partir dos vínculos parentescais, cujo chefe do tal Estado
assume plenos poderes. Por isso, é conveniente falar de «reino» em lugar de
«pátria».
No campo da organização
religiosa tradicional, a sua autoridade é assumida por um chefe tribal, considerado como a
presença visível e encarnação dos espíritos ancestrais. Com esta autoridade religiosa,
o chefe tradicional bantu está potenciado em estabelecer a unidade entre os
homens e os «mortos viventes» (os antepassados), na qual estes últimos são
considerados como os verdadeiros guardiães da sobrevivência dos viventes.
Aliás, no pensamento tradicional bantu, considera que:
“O chefe é o sangue e o
espírito dos antepassados, prolongamento e depósito comunicante do dinamismo
vital, pessoa sagrada, responsável pela comunidade perante os antepassados, seu
delegado por capacidade e eleição, e sua encarnação, pois que, por intermédio
dele vivificam a comunidade”.
À luz desta reflexão, devemos
reconhecer, que o sistema estrutural sociopolítico e religioso dos bantu é
complexo, pois se nota um desconhecimento dos limites de poder: social,
político e religioso. E que o sistema parentescal tem sido uma das
maiores forças da vida tradicional africana bantu. É o parentesco o que
controla as relações sociaias entre os membros duma determinada comunidade,
porque rege o comportamento, os axiomas, os costumes, etc., e regulamenta as
alianças matrimoniais.
É graças ao sistema parental ciânico,
com matriz num antepassado comum, que possibilita a manutenção e a coesão da
vida inteira do clã e se estende até abarcar animais, plantas e seres
inorgânicos, por meio do sistema totémico. Em definitiva, para um muntu
integrar-se, plenamente, na comunidade e no sistema sociopolítico e religioso
necessita passar pelos «ritos de iniciação».
O bantu sabe que a sua vida
pertence a Deus, e por isso oferece-lhe tudo o que é e tudo o que produz; as
suas alegrias e tristezas, sua vida e morte, sem se esquecer dos antepassados.
“Dá grande sentido aos sacramentos e valoriza a celebração dos ritos como: os de
nascença, os ciânicos, de passagem para a puberdade, de matrimónio, entre
outros” (SEBAHIRE, 1974, p. 166-170).
A oração é um elemento
unificador do africano bantu com o universo sagrado. É por ela que ele dialoga
no monólogo com o Ser Supremo, coloca-se em comunhão com os seus semelhantes e
entra em comunhão com toda a criação:
O “muntu” chama o Ser
Supremo e tem fé que aquele monólogo torna-se um diálogo porque existem os
antepassados que ajudam a transformar a sua fraca e humana palavra em súplica a
Deus. O culto que se endereça aos antepassados não é uma “cultolatria”,
isto é, adoração, mas uma veneração, um respeito para com aqueles da família,
que em vida procuraram honrar a existência deles com aquela “santidade”
exigida. Encontramos aqui as “sementes evangélicas”, a consciência africana da
“comunhão dos santos”. A oração pode ser individual ou comunitária, mas em
geral um chefe de família ou um deputado ao serviço do culto, neste caso o
sacerdote- curandeiro, reza em nome de
todos para uma necessidade regional ou nacional (UKWATCHALI , s.d., p. 14).
As invocações da oração bantu
mostram um diálogo espontâneo com Deus, sem cerimónias e revelam que Deus é
sempre presente nos acontecimentos humanos e pronto a responder aos desejos,
sem ser vinculado a formalidades religiosas. Existem também as bênçãos formais
pronunciadas geralmente pela pessoa anciã ou de posição elevada, que faz “tocar
com a mão” a bênção de Deus.
A dança demonstra a
relação antropológico-religiosa do homem bantu com Deus; simboliza a vida. Por
isso os ritos são normalmente rítmicos e gesticulados, simbolizando a vida, a
alegria e a união vital com Deus, doador da vida. A dança não é apenas uma
diversão, mas insere-se na dimensão místico-sacramental. Para o africano bantu
ela “é um meio de comunicação, que transmite valores humanos que podem ajudar
ao desenvolvimento de um povo e ajuda também na mediação com o sagrado na sua
dimensão imanente” (KAMWENHO, 1992, p. 49).
O batuque é quase como
o texto bíblico, como a palavra para o muntu, pois “oração é oração
viva, princípio de vida, porque as suas mensagens se dirigem a Deus, aos
antepassados, aos espíritos e aos homens. É instrumento de meditação eficaz que
coloca o muntu em relação quase tangível com o divino” (UKWATCHALI ,
s.d., p.16). Sem batuque, a oração do bantu fica desprovida do elemento hilético
que leva o humano a tocar o intangível e fazê-lo presente. O batuque
permite o encontro e a sintonia com o divino. Pela oração auxiliada pelo
batuque, o bantu traz diante de si o divino e adentra-se nos seus ministérios,
“tocando-o”. Desta feita, o bantu eleva à plenitude o Salmo 150.
O alambamento[11]
é uma garantia de que o namoro entre o casal africano passa a ser encarado
com mais seriedade, pois espera-se o matrimónio. Uma vez que o matrimónio é um
sacramento por excelência na cultura bantu, o alambamento é celebrado com muita
pompa, pois é prenúncio da união de dois seres que, por toda a vida,
partilharão da alegria de fazerem parte da “Força Vital”, de forma directa pelo
nascimento dos seus filhos. Por isso, na cultura bantu, a esterilidade é vista
como uma maldição, pois os filhos são o penhor da participação directa da força
vital. No alambamento, os pais da noiva são elogiados pelo trabalho de
educarem sua filha e esta é vista como uma pérola. Agradece-se a Deus pelo dom
da vida da família e pede-se que o compromisso selado entre as famílias dos
noivos seja aceite por Deus e por todos os ancestrais de ambas as partes.
Depois do alambamento vem pedido de casamento, propriamente dito.
O rito da circuncisão,
pela qual o jovem menino é introduzido na comunidade dos varões, é prática
indispensável na cultura bantu. O rito – que tem as suas origens desde os
primórdios dos povos africanos – consiste numa cirurgia pela qual é retirado o
prepúcio. Os meninos passam pela cirurgia e ficam confinados num determinado
lugar para lá aprenderem como ser um verdadeiro homem para proteger o seu povo
(especialmente às mulheres e crianças) e saber comportar-se diante das agruras
da vida. Durante o tempo de confinamento, evita-se todo o tipo de contacto com
o mundo exterior e os curativos são administrados por um especialista de saúde.
São cantadas várias músicas de agradecimento a Deus pelo dom da vida e pede-se
que todos saiam de lá sãos e salvos, pois é para dar mais sentido à vida que
cada um passa pela circuncisão.
Depois de sarar a ferida, os
meninos entram na aldeia, e é preparada uma mega-festa durante a qual são
convidadas as grandes entidades. A celebração estende-se por dias com música,
danças de palhaços e não só. Cada família dá graças a Deus por permitir que seu
filho seja o penhor de um futuro casamento promissor. Pela circuncisão, Deus
relembra a Sua aliança de amor com o povo bantu e celebra-se a Sua constante
presença no meio deste.
Uma vez que o povo bantu
supervaloriza a vida, a morte é, muitas vezes, vista como um mal. Não se
admite que Deus possa “levar” para junto de Si e dos ancestrais crianças ou
jovens, pois têm o futuro à sua espera. Por isso, na morte de uma criança ou
jovem, chora-se bastante, lamentando a sua prematura partida. Mas pede-se a
Deus que se for de Sua vontade, esta pessoa possa interceder por todos os
outros jovens e crianças viventes.
Quando morre um ancião,
agradece-se a Deus pelas virtudes dadas a esta pessoa e pede-se que a mesma
interceda por todos. Antes do funeral é feita uma calorosa despedida com beijos
e abraços ao ente querido. À pessoa morta são dadas recomendações e saudações
para as outras que já partiram. Acredita-se que a morte é uma viagem para junto
da “Força Vital” (Deus) e dos espíritos dos ancestrais. Para o africano, do
nascimento ao túmulo, daí ao próximo encontro definitivo com todos, Deus está
presente.
Assim, a presença de um Ser
Supremo nas culturas é completamente inegável. O povo bantu não foge a esta
regra. E cada povo procura a forma mais adequada para agradecer, agradar e
cultivar a relação com o sagrado. Assim, são celebrados ritos e são feitas
várias cerimónias para recordar e tornar mais presente a presença da Força
Vital no meio de todos os viventes, em comunhão com todas as forças do universo
cósmico.
O povo bantu, considerado como
o “povo do rito”, dá espessura à celebração do sagrado com vários ritos. Pelo
rito actualiza o mito e entra em contacto com o sagrado. Para tal, serve-se da
oração, da música, da dança, dos cânticos para tocar o intocável, falar do
inefável, para expressar o mysterium. Aqui está a beleza do senso
religioso, pois nasce da consciência coletivo-individual para “administrar” o
sagrado na vida individual e da comunidade.
ALTUNA, R. Cultura
tradicional bantu. Luanda: SAP, 1985.
BELLO, Angela Ales. Culturas
e religiões: uma leitura fenomenológica. Tradução portuguesa de António Angonese.
Bauru: EDUSC, 1998.
HENDERSON, Lawrence W. Igreja
em Angola, Luanda, 2001.
KAMWENHO, Zacarias, Sensibilidade
litúrgica, ritos e festas na cultura negro-africana. Comunicação no
Simpósio sobre Evangelização. 18 Out. 1991. In: Didskw, ano VI, n.16, jan.
1992, p.49.
SEBAHIRE, Mbonyinkebe, et alli. Peché et
purification dans la societé Africaine: breves reflexions sur la
conception traditionnelle du peché en Afrique Central. Cameroun,
1974.
UCANDI, Alberto, A herança
nas famílias umbundu e nhyaneca humbi: uma abordagem, 1. ed. Lubango, 2007.
UKWATCHALI, José Adriano, O
fenômeno religioso na cultura umbundu como processo de desenvolvimento de
Angola. Benguela: Bom Pastor, s.d.
[1]
Cf. J. CORDOVILLA PÉREZ, Cosmovisión cristiana para una ética global.
Proyecto evangelizador - educativo en Mozambique, Ed. Laborum, Madrid 2005,
p. 176.
[2] Modo particular de perceber
o mundo, geralmente, tendo em conta as relações humanas, buscando entender
questões filosóficas (existência humana, vida após a morte etc.); concepção ou
visão de mundo.
[3]
Segundo John Mbiti, distingue os dois conceitos de: «antepassado»
e de «morto vivente». Mbiti considera «morto vivente» a
categoria de uma pessoa fisicamente morta, mas que «vive» na memória dos que o
reconheceram em vida; é um defunto no estado de «imortalidade», que é
recordado, pelos seus descendentes, por seu próprio nome e que agora «vive» no
mundo dos espíritos. Portanto, na visão mbitiana, um defunto enquanto é
recordado por seu próprio nome, este ainda não está realmente morto do todo:
está vivo espiritualmente. Para Mbiti, o «antepassado» é aquele
defunto que «já não existe» na memória dos seus descendentes; aquele que já
ninguém faz a menção e nem se recorda do seu próprio nome; é um que «existiu
antes» e que agora «já não existe» na vida da comunidade dos homens viventes. Cf.
J. MBITI, op. cit., p. 36.
[4]
Cf. B. CHENU, Teologías cristianas de los terceros mundos, Ed. Herder,
Barcelona 1989, p. 181.
[5]
Cf. M. DÉSIRÉ LOUA, “El espíritu de Dios imbuye e impulsa a la comunidad”, em:
AA. VV., Seminario de teología africana, Ed. Mundo Negro, Madrid 2000,
p. 59.
[6]
Cf. E. MVENG, Identidad africana y cristianismo. Palabra de un creyente,
Ed. Verbo Divino, Estella (Navarra) 1999, p. 21.
[7]
Entendemos aqui por «africanizar»
a capacidade que a «cultura africana» tem de dignificar, de abrir-se
à alteridade; o desejo pelas diferenças; é promover a ética, valorizando a
expressão de todos e de cada um, sem massificação ou imposição de modelos, mas
fundamentando as múltiplas respostas criativas num sistema étnico que se define
pela liberdade, que promove a justiça social e a emancipação humana, bem como a
preservação e valorização do continente, ao mesmo tempo que não se imponha
modelos político-religiosos; que se evite o etnocentrismo, o machismo, o
regionalismo, o tribalismo e a segregação social, a fim de edificar uma
comunidade africana. Portanto, «africanizar»
não é reduzir as diferenças ao equivalente geral da forma cultural africana.
[8]
Cf. B. BERNARDI, Introdução aos estudos etno-antropológicos, Editorial
70, Lisboa 1982, p. 258.
[9]
Cf. M. COMBARROS, Dios en África. Valores de la tradición bantú, Ed.
Mundo Negro, Madrid 2006, 4ª ed., p. 127.
[10]
Mutupo é, segundo muitas tribos bantu, tudo aquilo considerado como
«sagrado» para o grupo. Normalmente se aplica a certos animais, dos quais não
se pode consumir sua carne. É uma espécie de «dogma» para o grupo.
[11] Do verbo umbundu okulemba,
que significa “consolar”, “agradecer” é semelhante ao mahar hebraico,
erradamente traduzido para o português como “dote” (Ex 22,15-15). É, pois, um
reconhecimento e gratidão, isto é, um prémio à noiva e seus pais, pelo seu bom
comportamento e virtudes familiares. Não há, pois, nenhuma idéia mercantilista
da compra da noiva. Cf. MBABI, Moisés, O casamento ao longo dos tempos,
(Tese de Mestrado em Ciências Histórico-Jurídicas, na Universidade de Lisboa),
p. 71-82.
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