CAPÍTULO 2-A Presença Portuguesa no Reino do Kongo
2.1-Relacionamento entre os reinos do Kongo e Portugal
Portugal, como quase toda a Península Ibérica, havia caído em poder dos muçulmanos que em 711 atravessaram o estreito de Gibraltar e derrotaram as tropas dos visigodos, um dos dois ramos em que se dividiram os godos (povos germânicos originários das regiões Meridionais da Escandinávia). Ambos pontuaram entre os bárbaros que penetraram o Império Romano tardio no período das migrações. Após a queda do Império Romano do Ocidente, os visigodos tiveram um papel importante na Europa nos 250 anos que se seguiram, particularmente na Península Ibérica, onde substituíram o domínio romano na Hispânia, reinando de 418 até 711, data da invasão muçulmana, que substituiria o reino visigodo pelo Al-Andaluz.
Estes cerca de três séculos antes haviam ocupado a província romana da Espanha. Com os chefes árabes iam as tropas do Norte de África, sobretudo do Marrocos actual, que havia formado a antiga província romana da Mauritânia, cujos habitantes eram vulgarmente conhecidos pelo nome de mouros. Denominaram-se Mouros de forma geral às populações islamizadas do Noroeste de África, responsáveis pela invasão islâmica da Península Ibérica a partir do séc. VIII. Na antiguidade, os romanos denominavam “mauri” (mouros) às populações que habitavam a região Noroeste de África, que por sua vez designavam de Mauritânia.
Estas populações pertenciam ao grupo étnico maior, o dos Berberes, que posteriormente, à época da expansão islâmica, viera a adoptar esta religião, muito dos quais adoptando mesmo a língua árabe, além do idioma nativo. Estas populações juntaram-se aos árabes na conquista da Península Ibérica durante o séc. VIII. A chamada “civilização moura”, que floresceu na Idade Média, era predominantemente árabe.
Portugal havia-se constituído em nação independente, separando-se do reino de Leão. D. Afonso Henriques teve de combater tanto o seu primo, D. Afonso VII, cuja suserania não reconheceu, e aos mouros conquistou vários territórios para o sul, inclusivamente a cidade de Lisboa, que viria mais tarde a ser a capital do país. A ocupação definitiva do território que passou depois a constituir Portugal só se fez em 1249[39], quando D. Afonso III conquistou o Algarve.
A lembrança dos vexames recebidos da parte dos mouros enquanto dominaram em Portugal, o perigo que eles continuavam a constituir para o país, partindo dos portos do Norte de África, o desejo e a quase necessidade da expansão além-mar – uma vez que o território português era constituído por uma pequena faixa marítima a Ocidente da Península – levaram os portugueses a descobrir a sua verdadeira vocação na vida marítima. A ambição das riquezas e o desejo de aumentar, pelo comércio marítimo, os poucos recursos nacionais influíram também poderosamente neste destino.
Mas um outro motivo mais elevado se sobrepunha, no ânimo dos reis e sobretudo do infante D. Henriques, o Navegador, a todos os outros: o desejo de dilatar a fé cristã e defender a Europa do novo perigo do islamismo, sobretudo desde que em 1453 os turcos se haviam apoderado de Constantinopla e procuravam progredir para ocidente, ameaçando seriamente a cristandade.[40]
Um papel crucial neste movimento foi desempenhado pela Etiópia, cuja existência na memória dos europeus se tinha tornado praticamente um mito. Nos seus esforços para contactar o lendário rei Prestes João, os exploradores portugueses vieram a “encontrar” o reino do Kongo.
Prestes João foi um lendário rei da Abissínia, e um hipotético, de facto realmente mirífico rei cristão, com quem os portugueses tanto desejavam aliar-se para combater os chamados infiéis do Oriente. O reino da Etiópia, cujo centro fora Aksum, situava-se entre os litorais do Mar Vermelho e o Sudão Oriental, no caminho do Nilo. Para além da convicção da existência de fabulosas minas de ouro, o interesse que o reino de Prestes João despertou ao Ocidente ficou-se possivelmente a dever a sua posição geográfica, sobretudo se atendermos ao despique entre mouros e cristãos para o controlo do comércio do Oriente.
No séc. XV, os portugueses, antecipando-se a qualquer outro povo, lançaram-se na gigantesca empresa dos “descobrimentos” marítimos, que modificou o mundo e criou uma nova época histórica – a Idade Moderna. Este movimento de expansão portuguesa foi produto de variadíssimas circunstâncias e factores, uns de ordem geral ou internacional, outros de ordem puramente nacional. Entre as condições gerais sobrelevam-se: o desenvolvimento comercial da Europa, a renovação religiosa, e o progresso científico. Entre as condições e factores nacionais, contam-se como dominantes: o condicionalismo geográfico, a vocação marítima de Portugal, factores políticos, económicos, e religiosos – estímulos da expansão e a acção objectiva do infante D. Henriques.[41]
Nos meados do século XV, Portugal beneficiou de grandes privilégios concedidos por Roma através da criação do Padroado,[42] num período em que, na Europa, havia uma forte expansão do Protestantismo, a partir de 1517. A Igreja Católica vivia um momento de crise, enfraquecida, não queria perder os seus melhores aliados, por isso, a Santa Sé concedeu aos reis de Portugal o direito do Padroado, o qual outorgou muitos poderes a Portugal que começou a beneficiar do monopólio do comércio nos novos territórios ultramarinos.
Os reis de Portugal tinham o direito de criar igrejas, mosteiros, enviar missionários, e conferir benefícios eclesiásticos. Este direito continha, contudo, obrigações: a conservação e reparação das igrejas, conventos, dioceses, a obrigação de prover às necessidades dos eclesiásticos e seculares inscritos no serviço religioso. Numerosas dioceses foram criadas nos séculos XV e XVI,[43] estas permitiam aos portugueses exercer um controlo no domínio espiritual. O controlo do domínio espiritual podia permitir, mais tarde, o domínio sobre o poder temporal.
O Padroado era uma espécie de concordata, embora feita parcialmente em diversas épocas, na qual as duas partes – a Santa Sé e o real padroeiro – se obrigavam mutuamente a envidar os melhores esforços para a dilatação da fé católica. Os direitos e deveres estão consignados em várias bulas e breves pontifícios, que vão desde o Papa Nicolau V (1452) ao Paulo III (1534), no que se refere ao padroado português.
Eis os principais documentos:
a) A bula «Inter Coetera», do Papa Calixto III (1456), que conferia ao grão-mestre da Ordem de Cristo a jurisdição espiritual sobre as terras ultramarinas portuguesas, com a faculdade de aí erigir e prover os benefícios eclesiásticos;
b) O breve «Dudum pro Parte» do Papa Leão X (1516), concedia aos reis de Portugal o direito de padroado em todos os territórios sujeitos ao seu domínio;
c) E finalmente a bula «Aequum Reputamus», de Paulo III (1534), que, ao erigir a diocese de Goa, lhe atribui todos os territórios localizados pelos portugueses ou que eles viessem a localizar no Oriente.
Esta última bula foi a mais importante de todas, porque resumiu as anteriores e determinou expressamente os direitos e deveres inerentes ao padroado.[44]
Note-se que os bispos eram nomeados pela Santa Sé depois de terem sido propostos pelo rei de Portugal. O rei podia assim nomear um dos seus aliados para dirigir um bispado – o que lhe permitia exercer uma maior autoridade e uma maior influência nos territórios que estavam sob a jurisdição do bispo por ele escolhido.
Aumentar a fé e a cristandade foi sempre um dos principais objectivos da expansão portuguesa.[45] Na África do Norte, à medida que iam conquistando as praças marroquinas, iam-se criando bispados, transformando-se a principal mesquita de cada cidade em Sé Catedral, assim se erigiu a diocese de Ceuta em 1421 e depois outras. Na costa ocidental africana, houve missões desde muito cedo, como o prova a criação em 1462 da «Prefeitura Apostólica da Guiné».
A conquista da cidade marroquina de Ceuta pelo rei D. João II e pelos infantes de Portugal, em Agosto de 1415, foi considerada como o primeiro passo do caminho que levou os navegadores portugueses ao continente africano no final do séc. XV. Seria porém, um erro considerar o plano português saído já pronto da cabeça dos conquistadores de Ceuta. O avanço das expedições, ao longo da costa africana demorou várias décadas.
Mas, foi a partir da visita de Diogo Cão ao reino do Kongo que a evangelização penetrou francamente no continente africano. Ou seja, os primeiros contactos dos portugueses com o reino do Kongo ocorreram nos anos 1482 ou 1483[46], a partir do momento que o navegador lusitano Diogo Cão e seus companheiros alcançaram a foz do rio Zaire, durante o reinado de Nzinga-a-Nkuwu.
Segundo o que está gravado nas pedras de Yalala (ver anexo I) seriam três as caravelas comandadas por Diogo Cão, a quem o rei D. João II de Portugal tinha confiado a missão de localizar, ou pelo menos tentar localizar, o caminho marítimo para a Índia, e aproveitar a ocasião para fazer o reconhecimento da costa Ocidental de África. Além disso, tinha “recebido ordens para não fazer uso da violência, assim como, antes do mais, não se esquecer de colocar, se possível, padrões de pedra a assinalar a passagem dos portugueses nas terras sobre as quais estabeleceram contactos”.
O nome Yalala deve-se à existência de uma aglomeração com o mesmo nome que se encontra muito perto das importantes quedas de água que interrompem a navegabilidade do rio Zaire a cerca de 150 milhas da sua foz. Nesse sítio, as águas calmas do Zaire precipitam-se do seu leito, através de um amontoado de grandiosos pedregulhos que as dividem em vários jorros rapidíssimos, turbulentos e ruidosos, e vão cair umas boas dezenas de metros mais abaixo, para aí de novo se juntarem e darem origem a um último troço e navegável até ao mar.
Desde a primeira aportagem ao rio Kongo – que os bakongo chamavam de Nzadi e os portugueses soletravam, erradamente, Zaire[47], com o significado de «Grande Rio», pelo vigor das suas correntes e da extensa penetração no oceano; e por isso mesmo, designaram-no por rio Poderoso.
Numa ponta da sua foz, na margem esquerda, seria colocado o primeiro padrão de pedra, a que deram o nome de São Jorge do Cabo do Padrão, por ser santo de grande devoção do rei D. João II, com a seguinte inscrição: “Na era da criação do mundo de 6681 anos, do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1482 anos, o mui alto, mui excelente e poderoso príncipe el-rei D. João II de Portugal mandou vir a esta terra e pôr estes padrões por Diogo Cão, escudeiro da sua casa”.
Diogo Cão, entretanto, começou a explorar a costa para sul dando nomes aos rios e lugares:
· Rio Loje (rio Madalena, 22 de Junho), actualmente localizada na província do Zaire;
· Rio Dande (rio Fernão Vaz), actualmente localizada na província do Bengo;
· Ilhas de Luanda, Mussulo e da Cazanga (ilhas das Cabras), actualmente localizada na província de Luanda;
· Porto Amboim ou Benguela-a-Velha (Terra das duas Pontas), actualmente localizada na província do Kwanza Sul;
· Rio Catumbela (rio do Paul), encontra-se actualmente na província de Benguela;
· Benguela (Angra de Santa Maria das Neves), encontra-se actualmente na província de Benguela;
· Cabo Lobo (Cabo de Santa Maria), encontra-se actualmente no Lobito, onde colocou o padrão de Santo Agostinho.
Voltando ao rio do Padrão do reino do Kongo, Diogo Cão levava missionários e negros da Guiné, a quem mandou descer perto do rio como intérpretes, foi bem recebido, segundo parece não directamente pelo mwene Nsoyo (governador da província com o mesmo nome), mas por intermédio de mandatários seus, entre os quais se contava um sobrinho. O povo ficou curioso, fascinado pela súbita presença desses homens vindos de um longínquo reino.
Diogo Cão, contactando a população nativa, à força de gestos, veio a saber que aquela terra era uma província do grande reino do Kongo, e que a capital, Mbanza Kongo, não muito longe, onde vivia o rei, o Ne Kongo dya Ntotela, se encontrava a mais de cinquenta léguas para o interior. Enviou para lá uma delegação, sem qualquer receio, pois os autóctones nem estavam amedrontados nem eram hostis, com presentes, para anunciar a sua chegada, dizendo que esta era pacífica.
Seria também durante esses contactos que Diogo Cão tomou conhecimento da existência de grandes lagos que muito o intrigaram. Talvez levassem à Índia, ou ao Preste João. Mas, para alcançar os ditos lagos seria necessário ir rio a cima, e segundo levam a crer alguns indícios, foi durante esta primeira estadia em terras do Kongo que marinheiros da sua frota, provavelmente a bordo de uma embarcação mais ligeira e maneável que as caravelas e sob o seu comando, foram navegando pelo rio até esbarrar com as intransponíveis cataratas de Yalala.
Os emissários de Diogo Cão foram bem recebidos pelo rei do Kongo e este demorou-lhes o regresso. Isto fez supor a Diogo Cão que eles tivessem sido feitos prisioneiros ou mesmo mortos. Apoderou-se de alguns rapazes mais afoitos, segundo o cronista João de Barros, seriam quatro, que haviam entrado nos navios e partiu com eles para Portugal, mas prometeu que, ao fim de 15 luas, estaria de regresso com eles. O rei do Kongo, ao ter conhecimento deste facto, ficou irritado e não quis mais receber os portugueses que ali se encontravam.
Em Portugal, D. João II mandou tratá-los com toda referência e foram ensinados sobre os costumes portugueses e que os instruíssem na religião cristã para serem baptizados. Ao mesmo tempo, deu ordens para que tudo se preparasse a fim de Diogo Cão regressar ao Kongo dentro do prazo prometido.
Apontada a nova frota, para que Diogo Cão continuasse os contactos para Sul do rio Zaire, os quatro bakongo foram embarcados com muitos presentes para si e para o rei do Kongo. A isso juntava-se o desejo de receber a sua ajuda, por ser dele certificado que era rei nobre, virtuoso e de grande poder, e o convite, com razões e advertências muito santas para que renegasse os ídolos e feitiçarias e recebesse a fé cristã.
Quando, ao fim de 15 luas, Diogo Cão regressou ao Kongo, com os bakongo baptizados e trajados como nobres de Lisboa, o povo reunido na margem do rio Zaire não os reconheceu logo e gritava com espanto: Mindélé miandombé! (negros brancos!).[48] Quando, porém, os reconheceu, foi um delírio, a notícia chegou rapidamente à capital Mbanza Kongo, onde a delegação portuguesa se dirigiu para apresentar mercês e nobres saudações ao Ne Kongo dya Ntotela, Nzinga-a-Nkuwu, e este lhes apresentou os delegados e missionários portugueses – frades da Ordem Terceira de S. Francisco, que, por sua vez, havia também retido como reféns.
O rei recebeu-os, e depois de ouvir com curiosidade as descrições dos bakongo que tinham ido à Portugal, ao ver as prendas e todo o arsenal dos portugueses, começou a mostrar interesse pela religião e, por isso, pediu-lhes que enviassem padres para evangelizar o seu povo, e homens para lhes ensinar a construir casas, fazer pães e armas de fogo, já que havia tanta coisa boa nesse reino, que ajudassem a melhorar as condições de vida do povo do Kongo.
E como prova do seu reconhecimento declarou que desejava enviar ao rei de Portugal “um presente de marfim e panos de palma”, assim como lhes enviaria uma embaixada. Em Lisboa, essa embaixada foi convidada por D. João II para um banquete oficial.
Essa embaixada era chefiada por um parente próximo do rei, chamado Caçuta, que adoptara o nome de D. João da Silva, e que teve como padrinho de baptismo o rei de Portugal, D. João II. A embaixada devia pedir missionários e artistas. No entanto todos os membros da embaixada foram bem formados, segundo Rui de Pina, entregues aos cónegos de S. João Evangelista, os chamados «Cónegos Azuis», no seu convento de Santo Lóio, em Alfama, com quem aprenderam melhor a língua portuguesa, os artigos, preceitos e mandamentos da fé Católica, e muitas outras coisas[49] e baptizados sob o patrocínio de D. João II, rei de Portugal.
A fim de satisfazer os pedidos do rei do Kongo, aquando da visita de Diogo Cão, o monarca português D. João II mandou preparar pessoas e coisas para o atender. Em 19 de Dezembro de 1490, partiu do rio Tejo – Lisboa, uma armada composta de três navios, em que tomaram lugar seis missionários e alguns artífices,[50] em direcção ao Mpinda.
O comando da primeira embaixada oficial portuguesa no Kongo foi confiado a Gonçalo de Sousa, que tinha como ajudante D. João da Silva, o Caçuta, que viera a Portugal como embaixador do rei do Kongo. Com tudo o que o rei do Kongo tinha pedido, D. João II mandava muitos e ricos ornamentos e cruzes, castiçais e galhetas, campainhas, sinos e órgãos e também muitos livros e todas coisas necessárias para a igreja, tudo em muita perfeição, demonstrando de facto que os portugueses pretendiam cristianizar o reino do Kongo.
Por alturas de Santiago de Cabo Verde, alguns, infelizmente contaminados por uma peste acabaram por morrer ao longo da viagem, entre os quais D. João da Silva, o Caçuta e o próprio chefe da missão, Gonçalo de Sousa. Por decisão tomada em reunião feita em Cabo Verde, tal cargo foi entregue a um parente do falecido, Rui de Sousa, pessoa que já desempenhara cargos diplomáticos de relevo em Castela, na Inglaterra e em Marrocos.
Aportaram ao Zaire, “Rio do Padrão”, em 29 de Março de 1491, as caravelas portuguesas foram, pois, recebidas no Kongo com entusiasmo redobrado, cantando, fazendo soar trombetas, címbalos e outros instrumentos locais. As estradas estavam limpas e varridas e abundantemente fornecidos de alimentos e de coisas úteis para os portugueses. Nova troca de presentes entre os dois reinos, Portugal e Kongo.[51]
No dia 03 de Abril de 1491, domingo de Páscoa, os padres realizaram os primeiros baptismos, converteram o mwene Nsoyo, que foi baptizado com o nome de D. Manuel, em homenagem ao duque de Beja, e um de seus filhos, que adoptou o nome de António, sendo padrinhos o capitão Rui de Sousa e outros principais da frota. Esta data marca a primeira evangelização do reino do Kongo.
Dias depois desse importante evento – para os cristãos, já para os nativos do Kongo não se tratava mais do que uma cerimónia exótica a acrescentar às suas tradições – uma caravana portuguesa comandada por Rui de Sousa pôs-se a caminho da capital do reino ao encontro do rei Nzinga-a-Nkuwu, e um dos objectivos da expedição, era de entregar os presentes do rei de Portugal, D. João II.
Iam os homens, que se contavam por centenas, entre artesãos, agricultores, comerciantes e padres, algumas mulheres para ensinar a fazer o pão, e bom número de cofres com valiosos presentes, dentre os quais se contavam uma grande salva de prata trabalhada e o estandarte oferecido a D. João II pelo papa Inocêncio VIII para a grande cruzada.[52]
Em Mbanza Kongo, a recepção dos embaixadores e missionários, foi deveras grandiosa, com procissão e preciosas ofertas. Em 03 de Maio de 1491, o próprio rei Nzinga-a-Nkuwu, foi solenemente baptizado com o nome de D. João I, sua esposa principal, adoptando o nome de Dona Leonor, seu filho mais velho, Mvemba-a-Nzinga, com o nome de D. Afonso, que se tornou o rei cristão mais célebre do Kongo e alguns fidalgos da corte, segundo António Setas, eram seis, passaram a chamar-se Francisco, Gonçalo, Jorge, Lopo, Diogo e Rodrigo. O rei recebeu ofertas do rei de Portugal Dom João II, vestes sacerdotais, ornamentos do altar, crucifixos, imagens de santos, tecidos finos, bandeiras e pendões.
A evangelização desenvolveu-se sobretudo nos principados de Nsundi e do Nsoyo, sob a protecção de D. Afonso I, rei do Kongo e D. Manuel II, rei de Portugal. Mas os defensores das tradições ancestrais dominados pelo sobrinho do rei, Mpanzu-a-Nkitina, opuseram-se.[53]
Mpanzu-a-Nkitina, sobrinho do rei, legítimo sucessor segundo a tradição (sucessão matrilinear), não aceitou de bom agrado a nova religião. Para ele, assim como para bom número de fidalgos, chefes religiosos tradicionais e para as mulheres repudiadas pelo rei, tudo estava errado na nova religião: um só Deus, sem árvores sagradas, sem ídolos, sem espíritos da floresta a ajudá-los, não chegava para as necessidades; uma só mulher, ainda menos; mexer em elos de parentesco ancestrais e em trono alheio, banir o legítimo sucessor e colocar outro. Foi assim que começou um conflito que durou vários séculos.
O rei baptizado em breve se afastou da prática religiosa Católica para voltar aos seus deuses ancestrais, sem, no entanto, abjurar nem perseguir ninguém. A sua sucessão irá pôr frente a frente o partido tradicionalista, chefiado por Mpanzu-a-Kitina, e o do seu irmão mais velho, Mvemba-a-Nzinga, Afonso I, candidato cristão. Levou a melhor este último, no decorrer da batalha de 1506, começando assim um longo reinado dominado pelas suas relações com os portugueses.
Abriu-se uma escola para educação dos indígenas e Rui de Sousa, voltando a Portugal, prestou a D. João II as melhores informações sobre o progresso do cristianismo nestas terras, há pouco chegadas. Os missionários e artífices, vindos de Portugal, estavam a trabalhar com ardor e a colher copiosos frutos.
Outras expedições missionárias foram enviadas nos anos seguintes e os monarcas portugueses tinham esperança de que nestas terras se obtivessem melhores frutos de conversões do que se tinham alcançado nas missões anteriores da costa da Guiné que por vários motivos tiveram de se suspender.
Os primeiros contactos entre os Portugueses e os africanos efectuaram-se sem violência. As relações entre os portugueses e as elites locais deram origem a uma aliança económica, diplomática e religiosa entre o reino do Kongo e o reino de Portugal. Mas sendo os interesses diferentes, cedo surgiram os jogos de poder.
2.2- Impacto Social
A estratificação social no reino do Kongo era nítida, existiam três ordens: a aristocracia, os homens livres e os escravos. A aristocracia formava uma casta, pois seus membros não podiam casar-se com os plebeus.[54] No passado, os bakongo e outros povos africanos praticavam a escravatura, os escravos, de início cativos de guerra, e em seguida colocados para trabalharem nos campos da capital ou nos serviços domésticos, mas com a presença portuguesa no reino do Kongo, esta prática aumentou e tomou o rumo do tráfico de escravos, surgindo um novo tipo de escravatura.[55]
A escravatura foi sem dúvidas um dos fardos mais pesados que oprimiu a África e constituiu uma das mais tristes recordações da Europa. A escravatura parece ser quase tão velha como a humanidade, pois a encontramos em quase todos os povos antigos e sabe-se quanto ela pesou na sociedade do império romano, de refinada civilização. Mas a experiência demonstrará que vai tornar-se impossível resistir à ganância dos colonos e aos grandes interesses que se iam mover à volta do tráfico de escravos. Esta prática não foi trazida pelos europeus em África, pois ela já existia em quase todos os povos africanos, mas era uma escravatura que podia chamar-se tolerável.[56]
Havia os escravos da casa, geralmente reduzidos à escravidão por dívidas ou em castigos de delitos cometidos, e os escravos de guerra, em regime mais severo. Com o tempo quase todos acabavam por ser considerados pertencentes à família e gozavam dos direitos cívicos.[57] Em função das regiões e dos tempos, os escravos trabalhavam as terras dos donos, serviam nas cortes ou nas grandes casas como domésticos, tomavam conta das mulheres/esposas dos seus donos, guardavam os haréns de soberanos, constituíam forças de exércitos, trabalhavam nas plantações e nas minas.[58]
A D. Afonso I, rei do Kongo se deve, por muitas razões, a passagem bruta da escravatura realizada em África, com o seu carácter artesanal, por assim dizer familiar, para o domínio da exploração intensiva e destruidora de uma actividade de índole industrial. Por trás desse incremento só se via o interesse imediato, os benefícios a tirar do tráfico, sem levar em linha de conta as consequências, sem ver que os dividendos dos autóctones que com ele pactuavam e colaboravam, eram diminutas em relação aos dos traficantes negreiros brancos.
Desde 1510, a vida social do reino do Kongo gravitou entre dois pólos: o tráfico de escravos e o cristianismo, como afirma (Georges Balandier, 1965, p.49), desde meados do século XVI, no Kongo, a expansão cristã, o tráfico de escravos, o confronto de diferenças de civilizações, de certo modo antagónicas se inscreviam na mesma estrutura. E que aparecia como esboço ou caricatura daquela que a colonização moderna engendrou três séculos mais tarde.
O comércio atlântico de escravos foi um dos empreendimentos mais complexos que o mundo pré-industrial conheceu. Foi a maior imigração transoceânica da história, até então; promoveu o transporte de pessoas e bens entre três continentes diferentes: África, América e Europa.[59]
O reino despovoou-se, havia aldeias apenas habitadas por mais velhos e crianças. As lavras foram abandonadas, a população acorria aos centros comerciais estrangeiros em busca de bugigangas, de tecidos e imagens sacras. A pobreza, a fome e os conflitos locais cresceram de maneira assustadora. A dada altura, os exageros foram tantos que mesmo os familiares do rei eram tomados nas operações de kwata-kwata (caça aos escravos).[60]
Devido ao facto de os escravos à venda serem exportados, esses jamais formaram grupos coerentes. Nos séculos posteriores, a mobilidade social era maior para os escravos domésticos do que para os camponeses. No decorrer do tempo, o poder da matrilinhagem e da aldeia enfraquecera. Por volta de 1525, os habitantes das zonas rurais já eram muito explorados. Por este facto, levantes ocorreram sob o reinado de Garcia II.
No Kongo, a estrutura social autóctone, que formava a nobreza, passou a ser dominada pela classe dos portugueses. Mas aqui, como em qualquer outro lugar da África Centro-Ocidental, o surgimento de uma categoria afro-portuguesa – comerciantes mestiços, de cultura e língua bantu – complicava a situação. Esse grupo formara-se em primeiro lugar em São Tomé, ao se miscigenar com nobres bakongo, e espalhara-se rumo a capital do reino do Kongo.[61]
A vida dos camponeses tornou-se cada vez mais precária à medida que a intervenção da nobreza, mesmo nesse nível, aumentava: os nobres encontravam suas concubinas nas aldeias e faziam vigiar a aldeia pelos filhos dessas uniões. Foi o estatuto da mulher rural em geral que mais se degradou, e a distinção entre esposa e escrava (pessoa sem linhagem) apagou-se paulatinamente, já que a esposa se tornou aos poucos uma pessoa sem parentesco local para defendê-la.
Todavia, a posição dos descendentes patrilineares – dos filhos – ganhou importância neste período afro-português. Os bens móveis adquiridos graças ao comércio pertenciam aos filhos que, após 1550, não usavam mais o nome do pai, mas um sobrenome português simbolizando sua casa. Entretanto, as heranças eram menos fartas do que se pensa. Qualquer bem adquirido no exercício de funções públicas (tributos, multas, dádivas) voltava para o rei após a morte ou a demissão do titular. Pensa-se que o mesmo costume prevalecia no escalão inferior para as funções de que dispunham os grandes senhores.
No decorrer do tempo, viu-se assim, no Kongo, as três categorias sociais reduzirem-se para duas que se estabilizaram: a nobreza, que se beneficiava de suas relações com a mão-de-obra, e os súbditos explorados. Entretanto, assim como o comprovou Thornton, convém destacar também os estilos de vida diferentes dessas duas categorias estáveis. A nobreza urbana e letrada, que exibia de bom grado sua fé católica, alojava-se, vestia-se, comia e distraía-se de uma forma totalmente diferente dos rurais.
O comércio intercontinental, muito fraco até 1506, intensificou-se com o tráfico de escravos. Este foi mal organizado em 1515, ano em que foi efectivamente regularizado. Desde então, apenas estrangeiros, vindos principalmente do Pool e talvez do vale do Kwango, e criminosos podiam se tornar escravos. Já antes de 1529, a comunidade mulata da capital enviava ao Pool seus pombeiros, palavra procedente de pombo, nome dado as pessoas do Pool em kikongo.
A origem primária desses escravos permanece desconhecida. Muitos eram bateke, mas alguns eram certamente oriundos de outras regiões, donde eram encaminhados pelos rios rumo ao Pool. As exportações totalizavam por volta de 4000 à 5000 escravos por ano até cerca de 1540 e de 6000 à 7000 após essa data.[62] As importações eram certamente mais importantes a partir do Pool.
De facto, havia um grande número de escravos em Mbanza Kongo, não somente formando a guarda real, mas também trabalhando nas explorações agrícolas que cercavam a capital. Outros também trabalhavam no porto de Mpinda e no séquito dos nobres das províncias. Além desse comércio controlado, um tráfico clandestino levado a cabo pelos habitantes de São Tomé surgiu após 1526 (fim das exportações do reino do Benin), nos confins Setentrionais e Meridionais do reino, mas não chegou a ser realmente importante, com excepção de Luanda onde as guerras de expansão do Ndongo contra os portugueses, permitiram a captura de um grande número de escravos.
O tráfico negreiro intensificou-se a partir de 1514. Da mesma forma que o soberano de Portugal, D. Afonso I quis controlar o tráfico graças a organização de monopólios reais antes de tentar aboli-lo em 1526. Não funcionou e os monopólios reais foram constantemente desrespeitados pelos afro-portugueses de São Tomé e os vizinhos do reino, tanto na costa do Loango quanto no Ndongo, e até mesmo em Luanda, parte integrante do reino.
O rei usou os recursos obtidos com o tráfico de escravos, comércio de marfim e de tecidos de ráfia para trazer técnicos e, sobretudo, missionários portugueses. Antes do fim de seu reinado, a vida sócio-política transformara-se completamente.
A diferença entre nobreza e os plebeus acentuara-se, a medida que a nobreza se tornava letrada e cristã, além de tomar parte no tráfico de escravos. As pessoas comuns eram duramente exploradas. A casa real foi reforçada pela importação de escravos do Pool e de outras regiões para a guarda real, assim como pelo crescimento da descendência de D. Afonso I, a ponto de comprometer sua sucessão. Todos os reis a seguir seriam descendentes de D. Afonso I, oriundos de uma ou outra de suas três principais filhas.
A maior objecção que o mwene Kongo tinha contra os portugueses no seu reino era a sua ilimitada cobiça por capturar escravos, não hesitando mesmo em apoderar-se de homens livres e até de seus parentes como já o vimos. Ambos os reis acordaram que o comércio fosse controlado por oficiais de ambos os lados. Infelizmente, o mais alto oficial português, o governador de São Tomé, Fernão de Melo, era a pessoa mais interessada no comércio de escravos.[63] Tão pouco lhe serviu promulgar leis em defesa dos interesses do seu povo, ao ponto de ter mesmo tentado suprimir o tráfico no seu reino, mas colhendo apenas migalhas de resultados insignificantes.
Este acto obrigou D. Diogo I, rei do Kongo a colocar fiscais no porto de Mpinda para impedir a exploração de escravos de «nacionalidade» bakongo, tornando-se evidente que o consumo de escravos local estaria praticamente reduzido aos cidadãos do reino de estatuto socialmente inferiores.[64]
Os portugueses continuaram controlando o comércio e fizeram deste um instrumento de trocas a eles favorável. A corte do Kongo usava os rendimentos desse comércio para pagar os técnicos e os missionários portugueses, assim como para que os nobres do país pudessem estudar em Portugal.
Desde o início, uma boa parte desses rendimentos foi também absorvida pela importação de tecidos, de vinho e de objectos de luxo que o rei redistribuía a nobreza. Tais produtos de importação tornaram-se rapidamente uma necessidade ostentadora para a nobreza, e a partir do fim do reinado de Afonso I, a totalidade dos rendimentos servia para sua aquisição.
Pouco tempo passado sobre o baptismo de Nzinga-a-Nkuwu, as forças tradicionais do reino tentaram pôr em evidência princípios impostos pelos cristãos, incompatíveis com os usos e costumes locais e mesmo com a própria filosofia do povo bakongo. Nessa contestação sobressaia sem sombra de dúvida a proibição da poligamia, um dos fundamentos mais importantes das sociedades indígenas.
Fechados nos limites estritos da lei de Deus, os cristãos viram que ao impor a monogamia destruíam um dos principais pilares da organização social do reino do Kongo. Consideravam o facto de um homem ter várias mulheres como uma manifestação de “barbárie” e dali não arredaram pé. E os dirigentes políticos do reino foram as principais vítimas e tentaram num primeiro tempo obedecer a esse princípio.
Mas a poligamia, sobretudo entre os chefes e as pessoas de mais haveres, era um costume quase universal e considerado como manifestação de poder e riqueza.[65] Pois na realidade, praticamente nunca eles deixaram de ser polígamos,[66] já que a apostasia do primeiro rei do Kongo, convertido ao cristianismo, foi motivada precisamente pelas exigências cristãs do matrimónio monogâmico.
Seja qual for o significado que se queira dar a esta prática tão generalizada em África, no geral, e em particular, no reino do Kongo, a verdade é que a poligamia se mostrou sempre em toda parte um dos maiores obstáculos à conversão e à perseverança, uma vez que o cristianismo exige e defende o matrimónio uno e indissolúvel.
A questão foi mal resolvida pelos nobres, casando com uma só mulher e mantendo todas as outras como concubinas, chamadas na altura “mancebas”. Dado o poder dos nobres na estrutura social, os missionários não podiam deixar de fechar os olhos a esta situação, sob pena de caírem rapidamente em desgraça.[67]
Na história da Humanidade, a escravatura revestiu-se das formas mais pesadas, e mais desumanas para as vítimas. Os escravos eram autorizados, na África Negra, a casar, a possuírem bens, a serem servidores, a aceder a altos cargos nos Estados. Passando um tempo, muitos eram libertados, ou regressavam as suas terras de origem, ou permaneciam onde haviam estado cativos.
E o cristianismo, apesar de pregar a igualdade de todos os homens sem distinção de raça nem cor perante Deus, não opôs-se a escravatura e faltou um posicionamento mais frontal ao triste fenómeno.
2.3- Impacto Político
A política de Portugal tinha em vista uma assimilação pura e simples do Kongo à corte de Lisboa e à cristandade. Mbanza Kongo perdeu o seu nome e passa a designar-se São Salvador. O Regimento da corte de Lisboa, codificado em 1512 por D. Manuel I, nele definiram-se as grandes linhas de acordo bilateral entre o reino de Portugal e o do Kongo, nomeadamente nos aspectos de organização política, judicial e administrativa. Estabeleceu no Kongo a mesma hierarquia que existia em Portugal, com príncipes, infantes, duques (de Mbata, de Nsundi e de Nsoyo), marqueses, condes, viscondes e barões, e isso num sentido autocrático muito pouco africano.[68]
Todos os fidalgos baptizados passaram a ter o tratamento de Dom, adoptando brasões. Foi criada uma Ordem de Cristo do Kongo e a coroação do rei passou a ser presidida por um sacerdote católico.
Mas esta nobreza artificial copiada à europeia não conseguiu modificar a organização dos bakongo. Tanto o cristianismo, como o Estado português, como o rei do Kongo, D. Afonso I, precisavam desta forma de Estado. Os portugueses queriam transformá-lo num reino cristão, como ponta de lança da conquista espiritual de África: «os europeus trouxeram ao Kongo um poder sem religião e uma religião sem poder. Por outras palavras, um poder dessacralizado, um poder desprovido de autoridade tradicional».[69] D. Afonso I teve, pelo menos, o mérito de recusar que o direito português fosse aplicado como simples verniz sobre os costumes bakongo.
Durante este período, que vai da chegada de Diogo Cão ao reino do Kongo até a batalha de Mpanzu-a-Kitina, defensor das tradições bantu vigentes no referido reino, teve lugar o que se dominará mais tarde um choque de civilizações. Mas muito mais do que um choque de civilizações, o que houve foi um choque de leis e de princípios que duas religiões antagónicas, animista e cristã, pretendiam impor num mesmo território.[70]
O reino do Kongo mostrou-se, muito rapidamente, favorável ao Cristianismo. Os chefes bakongo aceitaram adoptar a religião cristã, porque viam nela vantagens políticas. Datamos a primeira conversão do reino do Kongo em 1491. A conversão do soberano Nzinga-a-Nkuwu e dos membros da sua corte provocou a dos seus súbditos,[71] vemos, desta forma, que as elites bakongo exerciam uma forte dominação sobre a população do reino. Após a conversão dos chefes e do rei do Kongo, o envio de missionários intensificou-se. Assim, com D. Afonso I do Kongo (1506-1543), o reino do Kongo passou a ser um reino cristão.
Para podermos compreender os interesses do rei do Kongo, é necessário que recordemos e compreendamos, primeiro, como se fazia a transmissão do poder na tradição bakongo. A monarquia era electiva, o rei era eleito pelos grandes chefes, contudo, a eleição estava, em geral, associada ao sistema de parentesco matrilinear, e, por isso, o ceptro real só podia recair entre parentes uterinos do defunto, isto é irmãos ou sobrinhos, filhos da irmã. Havia, assim, muitos candidatos à conquista da autoridade real, mas a legitimidade do rei não era sempre reconhecida por todos os membros do seu reino.
As rivalidades entre os diferentes candidatos fomentavam facções, prontos a revoltarem-se contra o rei. Quando os portugueses chegaram, nos finais do século XV, três mwenes estavam em guerra.[72] A instabilidade política era frequente no reino do Kongo.
Neste clima de instabilidade, o rei do Kongo veio a precisar do apoio militar dos portugueses.[73] Para acabar com as lutas de facções, o rei do Kongo precisava de reforçar o seu poder político, por isso favoreceu as relações diplomáticas com os portugueses. Podemos pensar que esta necessidade o levou a converter-se ao Cristianismo - só assim podia assegurar-se do apoio dos portugueses.
O candidato que se convertia ao Cristianismo obtinha o apoio dos portugueses cujas armas eram mais eficazes que as dos seus adversários. Esta aliança permitia ao reino do Kongo aproximar-se da Europa e das outras potências europeias. Os grandes do reino acabaram por não serem os únicos a eleger o seu rei. Os portugueses estabelecidos no reino nomeadamente, os missionários, tinham o seu candidato: aquele que se mostrava favorável ao Cristianismo. O apoio dos portugueses e da Igreja Católica reforçava a sua legitimidade em relação aos outros candidatos.[74]
O Cristianismo passou a ser um instrumento de consolidação do poder e o rei do Kongo esperava obter os mesmos privilégios que o rei de Portugal. Uma vez cristãos, os reis do Kongo exprimiram muito cedo o desejo de criar um bispado no seu reino. A fundação deste bispado não se fez no momento em que a evangelização do reino do Kongo estava no seu apogeu, ou seja, durante o reinado de D. Afonso I, que tinha, aliás, um filho consagrado Bispo de Útica.
A implantação do Cristianismo no reino do Kongo foi obra do rei D. Afonso I, Mvemba-a-Nzinga, sempre seguido até ao início da sua tomada de poder por dois padres conselheiros, frei António Fernandes e frei Rodrigo Anes. O desempenho deste homem elevou-o a um patamar na história do catolicismo mais alto do que o que lhe cabe na história do Kongo. A sua ingenuidade, agravada pela genuína bondade de que deu prova ao longo de um duradouro reinado e um apego excessivo à doutrina católica, propulsaram os dirigentes do reino do Kongo para longe das suas raízes e, dos seus interesses primordiais.[75]
Os dois irmãos Mvemba-a-Nzinga e Mpangu-a-Nkitina, estavam assim divididos, cada um defendia a sua posição. O primeiro, D. Afonso I, defendia com grande fervor a cristandade, queimando todos os ídolos da sua província; o segundo combatia a religião cristã, de modo que a maior parte dos chefes principais estavam do lado do mwene Mpangu, entre os quais existiam alguns chefes já baptizados.
As mulheres que foram afastadas dos seus maridos em virtude da lei cristã tomavam isso por uma grande injúria e vergonha, amaldiçoando a nova religião. Coligando-se uns com os outros, faziam traições a D. Afonso I, pensando que se o matassem acabariam com a fé cristã, os quais, todos juntos com mwene Mpangu, davam a entender ao pai que o príncipe D. Afonso I apoiava o cristianismo para se sublevar e rebelar contra o rei e usurpar o seu reino.
Até à data da batalha de 1506, que opôs D. Afonso I e Mpangu-a-Nkitina, a propaganda lusa tinha-se manifestado como que numa aparatosa e ao mesmo tempo comedida demonstração de poderes, uns evidentes, as armas de fogo, outros ocultos, adstritos à religião católica. E o povo bakongo deixou-se levar pela apetência dos seus dirigentes políticos, após a anuência quase imediata do mwene Nsoyo, o entusiasmo de Nzinga-a-Nkuwu e da maioria dos fidalgos da corte de Mbanza Kongo, que apenas viram vantagens na adesão aos portugueses e aos seus atributos, lobrigando nesse conluio um acesso ao poderio bélico que eles lhes proporcionariam.
O número sempre crescente de pretendentes ao trono levou a uma cisão da casa real em casas inimigas e, por fim, após anos a uma guerra civil que destruiu o reino tal como era antes dessa data. A presença de portugueses na cidade introduziu uma nova dimensão política. Ligados por casamento a diversas casas nobres, eram divididos entre afro-portugueses e enviados metropolitanos que animaram posições opostas na corte até os anos subsequentes e intervieram em todas as lutas de sucessão.
Um outro entrave ao bom entendimento com os portugueses era a lei de sucessão: matrilinear na sociedade kongo e patrilinear directa, na óptica dos cristãos.[76] Claro está que a esmagadora maioria dos habitantes nada tinha ver com essa questão e continuou a referir-se às suas tradições ancestrais sem praticamente nenhum entrave. Mas os sobrinhos de homens detentores de riquezas e privilégios, filhos da irmã desse tio, depararam-se, sem perceber bem a razão, privados da herança a que até aí tinham direito.
O problema, portanto, residia exclusivamente nas cúpulas da realeza, entre os detentores de bens materiais e títulos políticos. E o primeiro a se sentir lesado foi o sucessor ao trono após a morte do rei Nzinga-a-Nkuwu, Mpanzu-a-Nkitina, de repente considerado ex-sucessor, por ser obrigado a renunciar ao trono, de que devia herdar, em virtude da repentina instauração da regra de sucessão por via directa, isto é, de pai para filho, tal como os portugueses.
Esses pontos de discórdia foram os principais motivos da primeira revolta dos bakongo, liderada por Mpanzu-a-Nkitina, contra o que finalmente viria a ser um invasor que tão profundamente perturbou o desenvolvimento harmonioso e progressivo do reino.
A vitória de D. Afonso I marcou o início do mais longo reinado do Kongo, ou seja, de 1506 à 1543. O papel desse rei foi fundamental, abriu o reino à Portugal, acarretando assim uma considerável reorganização política e económica, bem como uma assimilação voluntária de elementos do cristianismo que acabou por se implantar ali de forma definitiva.
Cristão desde 1491 e protector dos raros missionários antes de 1506, esse chefe de facção, uma vez rei, transformou rapidamente a Igreja Católica em religião de Estado. Seu filho Henrique, como bispo consagrado em Roma, esteve a frente da Igreja do Kongo de 1518 à 1536. Em seguida, o controle do bispado caiu nas mãos dos portugueses.[77]
O que depois passou à volta, antes, durante e depois dessa batalha decisiva para o futuro não só do Kongo, mas de certa maneira também da África Central, resumiu-se a uma vitória militar da facção cristã. Essa vitória deveu-se ao poderio das armas de fogo, cujo efeito devastador era causado muito mais pelo pânico que elas causavam entre as hostes inimigas do que pelas suas qualidades intrínsecas de destruição.
Supõe-se que a vitória dos cristãos não podia ser alcançada sem esse acréscimo de eficácia. Embora o prestígio do rei, caracterizado pela anuência quase automática que a sua simples presença nas áreas de contenda inspirava. Fosse um triunfo preciosíssimo para camuflar a enorme discrepância entre o número dos que tinham aderido o cristianismo e os que continuavam firmemente arreigados às suas tradições animistas, que se contavam por milhões.
Sob os sucessores de D. Afonso I, e apesar das tentativas de Diogo I para limitar os efeitos da incursão europeia, as mesmas tendências prevaleceram. A potência relativa do reino do Kongo diminuiu, principalmente em relação ao Ndongo que, por sua vez, fortalecia-se graças, notadamente, ao tráfico clandestino com São Tomé. Em 1561, o reino do Kongo isolou-se quase totalmente de Portugal.
Porém, em 1566 e 1567, o falecimento sucessivo de dois reis durante uma guerra contra o reino tio do Pool do “Grande Makoko”, rei de Teke, acarretou uma situação desesperadora que se tornou uma verdadeira catástrofe com a irrupção de guerreiros provenientes do Leste, os Yaka.
Podemos concluir que ao nível político, o poder real deteriorou-se devido à perda do controlo do comércio de longa distância e a consequente autonomia de alguns mwenes.
2.4- Impacto Religioso-Cultural
Muito se tem escrito sobre os conceitos religiosos dos negros em geral e dos bantu em particular. Os escritores e missionários dos séculos passados chamaram-lhes pagãos e idólatras, na errónea opinião de que eles adoravam os feitiços, mas estes desempenhavam um papel tão importante na sua vida religiosa, cultural e social.[78]
Os portugueses, desde os primeiros contactos com os povos negro-africanos, pensaram que estes adoravam feitiços e ídolos. Duarte Lopes e Filippo Pigafetta afirmavam: “ E vimos inúmeros objectos, pois cada qual adorava o que mais gostava, sem regra nem medida, nem razão de qualquer espécie… escolhiam como deuses cobras, pássaros, plantas, árvores, diversas figuras de madeira e pedra, e imagens que representavam estes seres já enumerados, pintados ou esculpidas em madeira, pedra ou outro material ”.[79]
Os ritos eram variados, mas todos cheios de humildade, por exemplo, ajoelhar-se, prostrar-se de rosto em terra, cobrir a face com pó suplicando ao ídolo e fazendo-lhe oferenda dos bens mais estimados.
Se deve reconhecer que estes europeus nada entenderam da mentalidade religiosa negra e fizeram juízos precipitados e apriorísticos, quando viam um indígena apertando em seus braços alguma grosseira obra de arte, guardando com zeloso cuidado uma pedra brilhante, ou talvez prostrando-se em oração diante de ossadas religiosamente conservadas na sua cabana, o que é mais natural supor haver ali relíquias sagradas. Não descobrindo outros vestígios de um culto religioso, era muito natural que concluíssem que estes testemunhos exteriores de marcado respeito às estatuetas constituíam toda a religião do negro.[80]
No Kongo, a evolução foi mais radical, já que os portugueses, ao chegarem, observaram nos primeiros tempos uma atitude de respeito. Os bakongo tinham uma alta ideia de si mesmos e os portugueses diziam que eram homens como eles e cristãos.[81] Chegando à presença do mwene Kongo, Rui de Sousa beijou-lhe a mão, conforme a etiqueta da corte de Lisboa.
A história das religiões e das ideologias foi marcada, pelo surgimento do catolicismo no reino do Kongo, onde se difundiu de início junto da nobreza urbana e nas capitais de províncias. A estrutura eclesiástica permaneceu sobretudo portuguesa em princípio. Uma grande parte da população foi baptizada e a religião expandiu-se até as mais longínquas aldeias.
Neste âmbito, a influência portuguesa foi grande mas principalmente no que se refere ao poder central de Mbanza Kongo. Foi fundamentalmente esta cidade que sentiu o impacto da aculturação, de que o rei D. Afonso I, conhecido por Missionario Leigo do Kongo, foi o maior arauto e impulsionador, sendo conhecida esta época como «idade de ouro do reino». O reino foi refundido administrativamente, copiando o modelo da coroa portuguesa, num sincretismo sociopolítico que não passou de um verniz, sob as estruturas tradicionais da sociedade Kongo.[82]
Se Portugal desejava alargar o reino de Cristo, encontrará no rei bakongo, D. Afonso I, um neófito de categoria, cujo fervor acabará mesmo por embaraçar o rei cristão de Portugal. Através de vinte e duas cartas que dele restam nos arquivos de Portugal, fala-se sobretudo da situação religiosa no Kongo (ver anexo II).
A oposição entre os dois grupos rivais, liderados por D. Afonso I, com apoio das tropas portuguesas, e por Mpangu-a-Kitina, estava ligada à oposição fundamental das duas facções na luta pelo poder, que na aparência assumiram uma luta religiosa, entre aqueles que utilizavam a religião cristã e o poder das armas de fogo portuguesas para concentrarem e perpetuarem o poder nas suas mãos e os que defendiam mais a religião tradicional local.
D. Afonso I era apoiado pelos mwene de Mbata e Nsoyo, que pertenciam ao clã dos Nsaku, enquanto Mpangu-a-Kitina, dispunha do apoio do mwene Kabunga, que tinha o direito de veto nas eleições reais, ameaçado de perder a sua influência caso a facção rival fosse vitoriosa.
Com o seu zelo de convertido ao Cristianismo, D. Afonso I quis impor, em detrimento da religião animista, a sua nova fé ao povo pela força, destruindo todos os símbolos dos antepassados.[83] Proibindo os cultos animistas, estava sob pena de morte, se alguém os conservasse em casa ou os trouxesse consigo. Uma das próprias parentes do rei, a sua mãe, que não observara esta ordem, foi enterrada viva.[84]
O poder do direito sagrado tradicional, não mudou apenas, foram destruídos alguns rituais, provocando um espírito de reacção contra as causas de transformação dos modelos ancestrais, originando a “Revolta da Casa dos Ídolos”, chefiada por D. Jorge Muxuebata, um mwene que estava contra o rei do Kongo, D. Afonso I.
Quanto aos reis do Kongo, crendo que a religião europeia lhes daria mais poderes ou reforçaria a sua força vital, impulsionou o cristianismo. A evolução das ideias e das práticas religiosas no reino do Kongo mostrou que a doutrina cristã influenciou a antiga religião animista, sem deixar de coexistir com ela.
O Cristianismo era tanto mais aceitável, pelo facto de os bakongo terem já a noção de Deus como um Ser Supremo. E os termos adoptados pelos missionários em kikongo eram os mesmos que já eram utilizados nas crenças animistas: Nzambi Mpungu = Deus; nkisi = sagrado; moyo = alma, espírito. Por sua vez, os missionários foram chamados de nganga Nzambi, o mesmo termo utilizado para designar os sacerdotes da religião tradicional.[85]
A noção de nkadi-a-ampemba constitui um exemplo antigo desse facto.[86] Nkadi designa um espírito ancestral perigoso e mpemba (o além) reforçou a noção de antepassado. A terminologia cristã provém do domínio dos nkisi, dos ndoki e dos nganga, o nkisi tornando-se “o sagrado” e “a graça”. Os missionários combateram os ritos do kitomi, do culto dos antepassados e das associações terapêuticas (kimpasi, marinda), mas toleraram a medicina praticada pelos nganga.
As crenças e práticas da antiga religião diferiam nos detalhes de acordo com a região, e tais elementos locais não encontraram contrapartida no catolicismo, com excepção daqueles de Mbanza Kongo. A partir do século XVI, podia-se falar de uma religião em fusão em que elementos cristãos e antigos haviam-se misturado, ao menos junto aos nobres, e tal religião difundiu-se sobretudo nos séculos subsequentes.
D. Afonso I do Kongo e a sua população ensaiaram a justaposição de crenças, os ritos e os nkisi novos. O que para os europeus era técnica ou religião, seria para os bakongo os nkisi, ou seja, sagrado. Os elementos de culto ou do ritual cristão foram tratados como nkisi estrangeiros, mas mais fortes e poderosos.
Em presença da prática popular do catolicismo, com as suas orações, as suas bruxarias medievais, as suas superstições, os seus ex-votos, eles encontraram um domínio mágico análogo. As estatuetas, a cruz, as águas, eram associadas aos nkisi (sagrado) locais, os missionários são considerados como os nganga (feiticeiros).[87]
Com a morte de D. Afonso I desapareceu o principal bastião da fé no reino do Kongo. E começaram de imediato as chacinas que nos séculos posteriores, quase sistematicamente, presidiram a todas as sucessões dos bakongo. Ora o que mais levava os governantes do reino a aderir à fé, era precisamente esse sentimento de ser de primordial importância o conhecimento das autoridades religiosas, como entidades íntegras, sem necessidade de suporte português.
Mas quando os missionários e etnólogos conheceram melhor a mentalidade deste povo, sobretudo com a prática das línguas africanas, tais ideias foram-se modificando e todos os que se tinham dedicado a um trabalho sério neste campo admitiam que os bakongo tinham conceitos religiosos bastante concretos.
Nenhuma instituição seria convenientemente compreendida se não se conhecesse o sistema religioso que a animava e explicava. «O africano é um ser essencialmente religioso; os seus actos são todos ditados pelos deveres ou interditos rituais. Destruir-lhe a religião é destruir a sua estrutura social e a própria alma».[88]
O interesse dos portugueses pelo Kongo e pelos vizinhos territoriais da África Central-Ocidental era, em primeiro lugar, um interesse comercial. Considerações estratégicas e evangelizadoras desempenharam um papel secundário, embora frequentemente correlacionados.[89]
CAPÍTULO 3 – Abordagem e Análise Sobre a Temática nos Programas do II Ciclo do Ensino Secundário. Caso Particular da Escola nº 4019 “24 de Junho” Município de Cacuaco.
3.1- Comparação da Temática do Antigo Sistema de Educação e do Novo Sistema (Reforma Educativa).
Reforma Educativa (RE) é entendida como sendo um conjunto de mudanças profundas na política educativa de um país, que devem ser traçadas independentemente das crises dos governos, onde se deve ter em conta o sentido de continuidade e estarem enquadradas dentro de uma visão prognóstica sobre o futuro da sociedade a que se referem. As RE não rompem bruscamente com o lastro cultural ou histórico, mas requerem uma grande dose de inovações, com vista à melhoria da qualidade de ensino, sua extensão e generalização.[90]
Além disto, as reformas hão-de ser antecipatórias de necessidades e situações socioeconómicas e culturais, incluindo os aspectos de educação e mercado de trabalho, cuja problemática é cada vez mais aguda. Por tudo isto, uma reforma educativa viável e ética requer, como condição indispensável, uma ampla participação social da opinião pública e profissional, seja para acomodar a educação ao modelo de sociedade que se elegeu, seja para, através da educação, proporcionar um novo modelo de sociedade.[91]
Embora de um modo determinista o autor chama atenção para a relação entre reformas e questões económicas e políticas: “por seu carácter global, durante sua consecução, as reformas sofrem o impacto de problemas económicos ou políticos.[92]
Os movimentos de RE têm estado orientados ou têm contribuído para mudanças estruturais de nossas sociedades, ou alavancando processos democráticos e uma cidadania activa e participativa, eles têm servido mais para legitimar um determinado projecto político-social que se tornou hegemónico em um dado momento histórico.[93]
Em todo mundo existem RE, “a natureza da mudança educacional é explicada por quatro conceitos: mudança, inovação, reforma e movimento. A inovação é frequentemente utilizada para referir mudanças curriculares específicas, enquanto o termo reforma diz respeito a mudanças fundamentais e globais”.[94]
Por isso, a RE em curso no país, deve ser entendida como um processo que implica uma mudança de vulto, desejável e válida do Sistema Educativo vigente desde 1978, para o Novo Sistema Educativo aprovado em Dezembro de 2001, através da Lei de Bases do Sistema de Educação Lei nº 13/01 de 31 de Dezembro (ver anexo III) e implementado através do Decreto nº 2/05 de 14 de Janeiro (ver anexo IV).
Estudos realizados pelo MED, após a implementação da reformulação do sistema de educação colonial, indicaram a existência de anomalias referentes ao fraco aproveitamento escolar dos alunos nos diferentes níveis de ensino. Esta situação determinou que a direcção política do país recomendasse a realização de estudos mais aprofundados sobre o estado da educação. Assim sendo, foi realizado, em 1986, o diagnóstico do sector e, concluído este diagnóstico, foram apontadas as fraquezas do Ensino de Base, com repercussões noutros níveis de ensino.[95]
Foi assim que o MED e algumas Agências do Sistema da ONU identificaram e formularam o plano-quadro nacional de reconstrução do SE para o decénio 1995-2005 de características inter-sectorial e pluridisciplinar, com objectivo de se adequar o ensino às exigências para o desenvolvimento humano sustentável numa perspectiva de reconstrução sobre novas bases.
Assim, a Estratégia Integrada para Melhoria do Sistema de Educação para o período de 2001-2015 constitui o instrumento de orientação estratégica do governo para o sector da educação no sentido de direccionar, integrar e conjugar o esforço nacional na perspectiva de uma educação pública de qualidade para todos nos próximos anos.
Desta forma, ao reflectirmos sobre a história da educação em Angola compreende reconstituir os factos educativos sob a perspectiva histórica. O estudo dos factos que constituem a história da educação se faz necessária na pesquisa sobre a submissão do nativo de Angola ao autoritarismo colonial português. É um processo de educação para a submissão pelo fazer pedagógico. O intuito é entender como se processavam as práticas educativas nativas e valorizá-las numa óptica não colonizadora.
Como consequência da política educativa herdada do colonialismo português e dos constrangimentos de ordem político-militar e económico-sociais registados após a Independência Nacional e que prevalecem até ao momento, a República de Angola ainda conhece atrasos significativos no domínio educativo, sendo, actualmente na África Subsariana, um dos países com a mais elevadas taxas de analfabetismo literal e de subscolarização, facto que, condiciona negativamente o processo de recuperação e estabilização económica e rumo ao desenvolvimento.[96]
Com a Independência de Angola surgiram novos desafios políticos, sociais e económicos para a construção do país. Hoje, uma das grandes batalhas que se afigura a nível da construção e reconstrução da sociedade angolana pretende-se com o desenvolvimento do campo educativo. Neste contexto, o processo em curso visando a criação de condições de estabilidade macroeconómica para a implementação de medidas de políticas de ajustamento estrutural, consolidação da edificação de uma sociedade democrática e de direito, recuperação socioeconómica e reconciliação nacional.
Impõe necessariamente a adopção de políticas educativas integradas e sustentáveis que, em primeira instância contribuam para o desenvolvimento do capital humano, redução das desigualdades sociais e para o progresso humano, onde por conseguinte, a educação assume um papel chave, tendo em conta a sua dimensão, impacto e abrangência. A Constituição angolana consagra a educação como um direito para todos os cidadãos, independentemente do sexo, raça, etnia e crença religiosa.[97]
A educação nas tribos era dada através da sabedoria tradicional, para inserir o indivíduo dentro dessa cultura por meio da capacidade que se tinha de conservar, na memória popular, as verdades indispensáveis e a capacidade de lidar com a cultura e a tradição. A aprendizagem se processava com base na tradição oral como testemunho transmitido de geração em geração.[98]
Quanto ao assunto vejamos a seguinte afirmação: “ Os povos primitivos não têm estabelecimentos de ensino, mas nem por isso pode-se afirmar que a educação e instrução sejam entre eles deixadas ao acaso”.[99]
Ao abordamos a problemática da educação em Angola, quer partindo duma perspectiva sociológica, quer história sentimo-nos obrigados a determo-nos no período colonial por ser um marco de referência no surgimento do ensino em Angola. Com isso, pretende-se afirmar que o ensino escolar, tal como é concebido cientificamente, surgiu em Angola, assim como em muitos outros países do continente africano, durante a presença colonial.[100]
Retomando a educação como campo de análise, gostaríamos de afirmar que no trabalho que aqui apresentamos não pretendemos abordar toda uma história da educação colonial em Angola. Importa salientar apenas alguns aspectos deste período na medida em que esta referência nos poderá ajudar a compreender os problemas do presente e os desafios que hoje se impõem ao sistema de educação e ensino em Angola.
A decisão fundamental de uma RC justifica em si o demorado processo de sua concepção e do seu desenvolvimento, ou seja, da sua experimentação, A Lei de Base do Sistema de Educação - LBSE (lei nº 13/01 de 31 de Dezembro) fixa um quadro de referências que definem as finalidades educacionais e as orientações básicas para a configuração da estrutura e organização escolares.
Com a LBSE foi elaborada a proposta de reorganização dos planos de estudos do ensino Pré-Universitário, que deu início ao trabalho de pesquisa, auscultação, reflexão e ordenamento de projecto, com a participação de intervenientes de diversas instituições educativas e não só, como adiante se refere.
Tal como está definida na Lei de Bases o II Ciclo do Ensino Secundário é o ciclo de aprofundamento e consolidação dos conhecimentos adquiridos nos ciclos anteriores e a proposta curricular de História foi concebida para satisfazer esta exigência. Sendo o programa a componente fundamental dum currículo, devem ser contextualizados, ou seja, desenvolvidos tendo em conta quer as condições da comunidade escolar no sentido restrito (da escola e dos que nela trabalham) quer da comunidade envolvente, para promoverem o sucesso, não só escolar, mas também educativo, dos alunos.
Dado que RC é feita para se atingirem os objectivos da mudança não pode deixar de ter como linha de força a realidade a que se dirige e os princípios adoptados que determinaram as opções feitas a diversos níveis e que vão enformar a referida reforma.[101]
O ensino da História em Angola antes da independência, coincidia em todos os seus aspectos com a situação geral do ensino colonial. A escola servia interesses coloniais imprimindo-lhe uma dimensão estrangeira.
A realidade africana e particularmente angolana era omissa e quando a ele se referissem era no sentido de mostrar o quão benéfica havia sido para o continente ou para o país, a colonização, criando nos alunos o sentimento de que, como grande potência colonizadora que era, toda e qualquer revolta orientada no sentido de a derrubar estava à partida, condenada ao fracasso.[102]
A escola tinha a função de destruir a personalidade do indivíduo (colonizado), a sua tradição cultural, a sua identidade, levando-o ao desprezo do seu próprio passado, seu povo, suas tradições, convertendo-se num indivíduo despersonalizado de tal modo que ao tentar comparar-se ao europeu colonizador tornou-se submisso, imitando-o no seu modo de vida e de pensar.
Deste modo, em prossecução dos objectivos impostos pelo colonizador, os programas de História não reflectiam aspectos sobre a história de Angola e de África e só se aludia à grandeza e ao papel da potência colonizadora, de Portugal no caso. A História era tocada sob ponto de vista eurocêntrico e apresentava-se como um conjunto de factos e fenómenos sem qualquer análise das causas objectivas e as ligações existentes entre eles; a História era tratada sob ponto de vista idealista.[103]
Após a independência o governo levou à cabo a tarefa da reformulação do sistema de educação e ensino, pondo deste modo o ensino ao serviço duma sociedade livre. Assim, a disciplina de História passou a ser estudada a partir do ensino primário, ou seja, da 4ª classe prosseguindo no I e II Ciclos do Ensino Secundário.
No antigo sistema de educação a estrutura de ensino da História era a seguinte:
- 4ª Classe: Iniciação à história de Angola;
- 5ª Classe: Ciências Sociais;
- 6ª Classe: Ciências Sociais;
- 7ª Classe: História Antiga de África até ao séc. XV;
- 8ª Classe: História da Idade Média e Moderna e África na Era do Tráfico.
- 9ª Classe Estas classes abordavam temáticas inerentes a História
- 10ª Classe moderna e contemporânea, entretanto, as mudanças
- 11ª Classe sociopolíticas determinaram a exclusão do programa
- 12ª Classe de História a disciplina de Ciências Sociais.
Já o plano curricular do II Ciclo do Ensino Secundário da RE estabelece que a disciplina de História no curso de Ciências Económico-Jurídicas, constitui uma disciplina de formação específica e deve ser dada nos três anos, ou seja, 10ª, 11ª e 12ª classes em três tempos semanais que equivalem a 270 aulas no total do curso, mas o conteúdo acerca do reino do Kongo é ministrado apenas na 10ª classe.[104]
O programa de História da 10ª classe da RE, versa sobre conteúdos já trabalhados no ciclo precedente, diferenciando-se pelo nível de abordagem dos temas. A idade dos alunos e o seu desenvolvimento intelectual sugerem-nos outros tipos de exercícios e de abordagem. O programa foi concebido à base de temas ligados a História de Angola tratados numa perspectiva africana.[105]
O conteúdo inerente ao reino do Kongo no programa da 10ª classe da RE começa a ser abordado a partir do tema IV (ver anexo V), refere-se a Angola, abertura ao Atlântico, retoma a História de Angola, destacando os primeiros contactos com os europeus (portugueses) e seu impacto na desestabilização dos sistemas social, político, religioso-cultural ou existentes no espaço que hoje constitui o Estado angolano (séc. XV-XVII).[106]
O fio condutor, continua e leva-nos ao tema V que trata do novo contexto político e militar na região e a reacção dos povos africanos nos séculos subsequentes. Nesta unidade desenvolver-se-á a História de Angola, nomeadamente, a do reino do Kongo, o surgimento de novos Estados, os conflitos europeus no nosso país.
E com a implementação da RE, um dos aspectos positivos, é pelo facto de se ter criado manuais para o II Ciclo do Ensino Secundário, o que permite uma uniformização dos conteúdos, o que não se verificava no sistema anterior.
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