INTRODUÇÃO
A doença do
sono ou tripanossomíase africana (THA) é uma doença frequentemente fatal
causada pelo parasita unicelular Trypanosoma brucei. Há duas formas: uma na
África Ocidental, incluindo Angola e Guiné-Bissau, causada pela subespécie T.
brucei gambiense, que assume forma crónica, e outra na África Oriental,
incluindo Moçambique, causada pelo T. brucei rhodesiense. Ambos os parasitas
são transmitidos pela picada da mosca tsé-tsé (moscas do género Glossina que
são seu vetor de transmissão).
FORMAS DE TRIPANOSSOMÍASE HUMANA
AFRICANO
Tripanossomíase
humana Africano assume duas formas, dependendo do parasita envolvido:
Trypanosoma
brucei gambiense (TBG) é encontrada em 24 países da África ocidental e central.
Esta forma é atualmente responsável por mais de 98% dos casos notificados de
doença do sono e causa uma infecção crônica. Uma pessoa pode ser infectada por
meses ou mesmo anos, sem grandes sinais ou sintomas da doença. Quando surgem
sintomas, o paciente muitas vezes já está num estágio avançado da doença em que
o sistema nervoso central é afetada.
Trypanosoma
brucei rhodesiense (ROC) é encontrada em 13 países da África Oriental e
Austral. Hoje em dia, essa forma representa menos de 2% dos casos notificados e
provoca uma infecção aguda. Os primeiros sinais e sintomas são observados
alguns meses ou semanas após a infecção. A doença se desenvolve rapidamente e
invade o sistema nervoso central.
ANÁLISE DA SITUAÇÃO
Durante o
Século XIX, a tripanossomíase humana africana foi um grave problema de saúde
pública. Actualmente, existem mais de 250 focos activos no interior da “cintura
da mosca tsé-tsé” na África Subsariana, abrangendo sobretudo países da Região Africana
da OMS e o Sudão. Nessa zona, a doença do sono ameaça mais de 60 milhões de
pessoas. Das populações em risco, só menos de 10% estão presentemente sob
vigilância. Nos anos recentes foram notificados em média cerca de 45.000 casos
anuais, mas as estimativas da OMS revelam que existam entre 300.000 e 500.000
indivíduos infectados.
COMO SE ESPALHA
A pessoa
pegará a tripanossomíase africana do leste se for picada por uma mosca tsé-tsé
infectada com o parasita Trypanosoma brucei rhodesiense. Já a tripanossomíase
africana do oeste é transmitida através da picada de mosca tsé-tsé infectada
com o Trypanosoma brucei rhodesiense. Ocasionalmente a mulher pode transmitir
tripanossomíase africana do oeste para o seu bebê. A proporção de moscas
tsé-tsé infectadas com esse parasita da doença do sono é baixa. A mosca tse-tsé
é encontrada apenas em zonas rurais da África.
AGENTE ETIOLÓGICO
O T. brucei é
um parasita eucariota unicelular cujo género inclui ainda o T. cruzi, que causa
a doença de Chagas.
O tripomastígota
(comprimento de 20 micrómetros), a forma activa no sangue do Homem, tem núcleo
central, uma única grande mitocôndria alongada, que contém o cinetoplasto, zona
com o DNA mitocondrial. Tem ainda um flagelo que lhe dá mobilidade. A sua
membrana celular ondulante (devido aos movimentos flagelares) é recoberta de
glicoproteínas pouco imunogénicas, permitindo-lhe passar despercebido. As
formas epimastígota e promastígota (formas na mosca tsé-tsé) são mais
condensadas. Contêm ainda glicossoma, grânulos ricos em glicogénio.
O T.brucei
rhodesiense que causa a variante oriental. O T. brucei não causa doença em
seres humanos, mas causa a doença nagana em alguns animais domésticos.
A
glicoproteína que o parasita exprime na sua membrana é reciclado continuamente
com outros tipos de glicoproteína (codificados pela família de mais de mil
genes VSSA, dos quais em um momento apenas um está a ser transcrito). A mudança
dos antigénios externos permite-lhe escapar largamente ao sistema imunitário,
pois quando anticorpos específicos contra um tipo de glicoproteína já estão
fabricados, ele já mudou o gene que exprime e a glicoproteína já é outra.
Ciclo de vida
O parasita
existe na saliva das mosca Aniel e é injetado quando estas se alimentam de
sangue humano. Ao contrário do seu primo americano, o tripomastigota T. brucei
não invade as células (nem assume forma de amastigota), alimentando-se e
multiplicando-se enquanto tripomastigota nos fluidos corporais, incluindo
sangue e fluido extracelular nos tecidos. Uma nova mosca Glossina é infectada
quando se alimenta de individuo contaminado. Ao longo de cerca de um mês, o
parasita assume várias formas (epimastigota principalmente) enquanto se
multiplica no corpo da mosca, invadindo finalmente as glândulas salivares do
insecto (as moscas vivem cerca de 6 meses).
EPIDEMIOLOGIA
A doença do
Sono ocorre apenas na África, nas zonas onde existe o seu vector, a mosca
Aniel. Não existe na África do Sul nem a norte do deserto Saara.
A subespécie
gambiense existe apenas a oeste do vale do grande rift africano, nas florestas
tropicais, sendo um problema grave em países como os Congos (antigo Zaire),
Camarões e Norte de Angola. A transmissão é principalmente de humano para
humano, com menor importância dos reservatórios animais. As moscas
transmissoras são as Glossina palpalis, que se concentram junto aos rios, lagos
e poços.
A subespécie
rodesiense existe a leste do grande rift, principalmente na região dos grandes
lagos, nas savanas: Tanzânia, Quénia, Uganda e Norte de Moçambique. Os
antilopes, gazelas e animais domésticos são reservatórios importantes do
parasita. Transmitido pelas moscas Glossina morsitans.
PROGRESSÃO E SINTOMAS
Após a picada
infecciosa, o parasita multiplica-se localmente durante cerca de 3 dias,
desenvolvendo-se por vezes uma induração ou inchaço edematoso, denominado de
cancro tripanossómico, que desaparece após três semanas, em média. O inchaço
não surge na grande maioria dos casos de infecção pelo T. gambiense e apenas em
50% dos casos de infecção com T. rodesiense.
O parasita
dissemina-se durante 1-2 semanas (T. gambiense) ou 2-3 semanas (T. rodesiense)
da picada pelo corpo do doente. O T. gambiense produz muito mais alta
parasitemia que o T. rodesiense. Os sintomas são todos durante as fases de
replicação ou parasitemia. Os parasitas multiplicam-se no sangue, a maioria com
uma mesma glicoproteína de membrana. No entanto alguns poucos trocam a
glicoproteína por outra de dentro do seu leque de 1000 genes para essas
proteínas, num processo aleatório. Quando o sistema imunitário produz
anticorpos específicos contra a glicoproteína dominante, a maioria dos
parasitas é destruida, mas não os poucos que, por acaso já tinham trocado a
glicoproteína que usam. Os sintomas cessam, mas os parasitas com a
glicoproteína diferente não são afectados pelos anticorpos produzidos e
multiplicam-se, gerando nova onda parasitémica e de sintomas. Então são
produzidos novos anticorpos contra a nova glicoproteína dominante, que mais
tarde são eficazes em destruir a maioria dos parasitas exceto aqueles poucos
que já trocaram novamente a glicoproteína que usam, e assim por diante. O
resultado são ondas de multiplicação e sintomas agudos que vão aumentando até
originar sintomas do tipo crônico, após muitos danos. A grande quantidade de
anticorpos produzidos leva à formação de complexos dessas proteínas, que
activam o complemento e causam também directamente danos nos endotélios dos
vasos e nos rins. Os danos nos vasos geram os edemas, e microenfartes no
cérebro, enquanto a anemia é devida à destruição acidental pelo complemento das
eritrócitos.
Os sintomas
iniciais e recorrentes são a febre, tremores, dores musculares e articulares,
linfadenopatia (ganglios linfáticos aumentados), mal estar, perda de peso,
anemia e trombocitopenia (redução do número de plaquetas no sangue). Na
infecção por T. rodesiense pode haver danos cardíacos com insuficiência desse
órgão. Há frequentemente hiperactividade na fase aguda.
Mais tarde
surgem sintomas neurológicos e meningoencefalite com retardação mental. Na
infecção por T. gambiense a invasão do cérebro é geralmente após seis meses de
progressão, enquanto o T. rodesiense pode invadi-lo após algumas semanas
apenas. Sintomas típicos deste processo são as convulsões epilépticas,
sonolência e apatia progredindo para o coma. A morte segue-se entre seis meses
a seis anos após a infecção para o T. gambiense, e quase sempre antes de seis
meses para o T. rodesiense. O Trypanosoma brucei é um dos parentes do
Trypanosoma cruzi (causador da Doença de chagas).
DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO
O diagnóstico
é geralmente pela detecção microscópica dos parasitas no sangue ou líquido
cefalo-raquidiano. Também se utiliza a inoculação do sangue em animais de
laboratório, se a parasitemia for baixa, ou a detecção do seu DNA pela PCR.
Na fase aguda,
o tratamento com pentamidina é eficaz contra T. gambiense, e a suramina contra
T. rhodesiense. No entanto a resistência é crescente a estes fármacos. Na fase
cerebral, já poderá haver danos irreversíveis. É necessário usar o tóxico
melarsoprol, que mata sem ajuda do parasita 1-10% dos doentes, ou no caso do T.
gambiense, a eflornitina.
A doença do
sono é considerada como "extremamente negligenciada", pela DNDI,
basicamente porque afeta principalmente os muito pobres, em áreas igualmente
pobres.
PREVENÇÃO
As Glossina,
ao contrário de quase todos os outros insectos que picam humanos, são mais
activas de dia, logo dormir com redes apesar de aconselhado, não protege tanto
como protege contra malária, cujo mosquito é noturno. É necessário usar roupas
que cobrem a maioria da pele e sprays repelentes de insectos. O uso de
aparelhos eléctricos luminosos que atraem e matam as moscas é útil. A
destruição das populações de moscas é eficaz para a erradicação da doença.
PAPÉIS E RESPONSABILIDADES
Papéis dos países
A nível
nacional, os ministérios da saúde deverão desenvolver as políticas da
tripanossomíase
humana africana, os seus planos e os quadros de implementação. Estes
documentos
serão a base de todo o apoio dos parceiros e garantirão actividades de controlo
uniformes e parcerias sólidas.
Os distritos
serão responsáveis pelo planeamento, implementação, supervisão, monitorização e
avaliação das actividades de controlo da tripanossomíase humana africana nos
países. As comunidades devem participar, responsabilizando-se desse modo face
aos programas de controlo da tripanossomíase humana africana; devem ser
envolvidas desde a fase de concepção.
Em cada país,
deve ser nomeado um director do programa nacional da tripanossomíase
humana
africana. Devem ser criados grupos de trabalho multidisciplinares e comissões
para a
luta contra a
tripanossomíase humana africana em todos os níveis, para garantir a coordenação
intersectorial. O diagnóstico e o
tratamento serão descentralizados, de tal modo que cada distrito afectado
participará no controlo da doença. A luta anti-vectorial será integrada em
outras actividades de controlo, sempre que conveniente.
A coordenação
assegurará a estandardização e uniformidade das actividades, enquanto que a
colaboração procurará criar parcerias sólidas em todos os níveis. A colaboração
interministerial garantirá a promoção da luta anti-vectorial da mosca tsé-tsé e
do tratamento dos reservatórios animais.
Os ministérios
da saúde serão responsáveis pela mobilização de recursos para o programa e pela
sua coordenação geral, supervisão, monitorização e avaliação. Darão assistência
técnica aos distritos e promoverão parcerias dos sectores público e privado. O
sector público colaborará com o privado e os organismos internacionais para
garantir
a
disponibilidade dos produtos e tecnologias para o controlo da tripanossomíase
humana
africana.
Segundo as respectivas vantagens comparativas, as organizações não-governamentais
apoiarão os programas nacionais e trabalharão em estreita colaborarão com eles.
Os parceiros contribuirão com advocacia, mobilização de recursos e reforço de capacidades.
RESPONSABILIDADES DA OMS
A OMS apoiará
a formulação e implementação dos programas nacionais de controlo, por meio de
apoio técnico e reforço de capacidades. As equipas interpaíses sediadas nos
blocos
epidemiológicos serão reforçadas. A OMS promoverá também a ligação desta estratégia
a outras estratégias regionais pertinentes, para a gestão integrada do vector,
a
promoção da
saúde e a vigilância integrada das doenças.
A OMS
colaborará igualmente com outras organizações e projectos internacionais, como
a União Africana, FAO, PNUD, Agência Internacional da Energia Atómica e Campanha
Pan-Africana de Erradicação da mosca tsé-tsé e da Tripanossomíase, para promover
o tratamento dos reservatórios animais e a luta anti-vectorial da mosca
tsé-tsé.
MONITORIZAÇÃO E AVALIAÇÃO
A monitorização
e avaliação dos programas nacionais de controlo inclui uma monitorização
interna permanente e um exercício externo de revisão e avaliação periódicas.
Os progressos
e o impacto do programa serão avaliados e reorientados, se necessário. O
Escritório
Regional da OMS elaborará indicadores fulcrais para a monitorização e
avaliação. Os países serão encorajados a adaptar esses indicadores aos seus
contextos específicos.
CONCLUSÃO
A
tripanossomíase humana africana só é endémica em África, onde esta doença
assume
grande
importância para a saúde pública. Actualmente, o continente vê-se confrontado
com uma terceira epidemia. As consequências sociais e económicas da doença têm
um impacto negativo no desenvolvimento dos países.
O controlo da
tripanossomíase humana africana exige uma estreita colaboração entre os
sectores
público e privado e uma forte participação das comunidades e das ONG.
A
implementação desta estratégia nos países afectados deverá reduzir a
morbilidade e
mortalidade
devidas à tripanossomíase humana africanana, eliminando assim a
doença,
enquanto problema de saúde pública, até 2015.
BIBLIOGRAFIA
Organização
Mundial de Saúde. Comité Regional Africano. Controlo da Tripanossomíase Humana
Africana: estratégia para a região africana. Maputo, Moçambique, 22-26 de
Agosto de 2005.
WHO mortality
and health data and statistics, acessado em 10 de fevereiro de 2009.
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