segunda-feira, 23 de outubro de 2017

CUIDADOS DE ENFERMAGEM ÀS MULHERES SUBMETIDAS A CESARIANA - TRABALHO COMPLETO

CUIDADOS DE ENFERMAGEM ÀS MULHERES SUBMETIDAS A CESARIANA NO HOSPITAL MUNICIPAL DE CACUACO DE JULHO À SETEMBRO DE 2017










Projecto tecnológico apresentado no Complexo Escolar Sapemua no curso de Enfermagem como requisito parcial para obtenção de notas.

O orientador: Prof. Tosquito





LUANDA
2017




Durante a gravidez, inúmeras expectativas e sentimentos rondam o quotidiano da gestante, intensificando fantasias e ansiedades frente a um momento muito esperado, mas cercado pelo imprevisível. A vivência do parto marca profundamente a vida das mulheres pelas emoções positivas ou negativas experimentadas, traduzidas pela intensidade dos sentimentos que cercam esse momento. No campo das pesquisas científicas há um intenso debate sobre as questões relacionadas à assistência ao parto, que tende a transformar um evento fisiológico normal em um processo médico-cirúrgico.

Palavras-chave: Parto; Cesariana; Medicalização; Puerpério.






During pregnancy, many expectations and feelings surround the daily experience of the pregnant woman, intensifying fantasies and anxieties, faced with a much-anticipated moment, yet surrounded by the unpredictable. The experience of childbirth profoundly marks women's lives, through the positive or negative emotions experienced, as reflected by the intensity of emotions that occurs in this period. In the field of scientific research, there is intense debate on issues related to healthcare during childbirth, which tends to turn a normal physiological event into a medical-surgical process.


Keywords: Labor; Cesarean Section; Medicalization; Postpartum Period.










A gravidez, o parto e a maternidade, como outros eventos corporais, são submetidos a construções simbólicas incorporadas e naturalizadas pelos sujeitos. Constituem temas antropologicamente relevantes, uma vez que não se esgotam em fatos biológicos, mas abrangem dimensões que são estabelecidas cultural, social, histórica e afectivamente. É possível perceber a dimensão social da gravidez a partir dos diferentes modos como ela é apreendida e vivenciada pelas mulheres em diferentes sociedades e tempos históricos (PAIM, 1998; MIRANDA, 2012).

O nascimento de uma criança é um acontecimento importante na vida das famílias e na construção das comunidades. Para a mulher, o parto é uma experiência única e um acontecimento singular no universo feminino, momento transcendente de sua vida. Durante a gravidez, inúmeras expectativas e sentimentos rondam o quotidiano da gestante, intensificando fantasias e ansiedades frente a um momento muito esperado, mas cercado pelo imprevisível.

A vivência do parto marca profundamente a vida das mulheres pelas emoções positivas ou negativas experimentadas, traduzidas pela intensidade dos sentimentos que cercam esse momento, com possíveis implicações para o relacionamento entre mãe e bebé e para o desenvolvimento da criança (MALDONADO, 2002; LOPES et al., 2005). No campo das pesquisas científicas há um intenso debate sobre as questões relacionadas à assistência ao parto, que tende a “transformar um evento fisiológico normal em um processo médico-cirúrgico” (OLIVEIRA; MADEIRA, 2002, p. 134).

Considerada, no passado, um procedimento de excepção e indicada apenas em situações de risco de morte para gestantes, a cesariana representa um avanço na obstetrícia moderna e, quando indicada correctamente, é benéfica tanto para a gestante quanto para o concepto (FAÚNDES, CECATTI, 1991; MANDARINO et al., 2009). A elevação das taxas de cesariana é um fenómeno mundial desde as últimas décadas do século XX (PATAH; MALIK, 2011). Segundo Domingues et al. (2014), em 2009 a proporção de cesarianas superou a de partos normais do país, atingindo 52% em 2010. Essa prevalência de cesarianas é a mais alta do mundo, ficando próxima dos valores da China (46,2%), Turquia (42,7%), México (42%), Itália (38,4%) e Estados Unidos (32,3%) e muito superior à Inglaterra (23,7%), França (20%) e Finlândia (15,7%) (OECD, 2011).


A cesariana é definida como o parto de um feto por cirurgia abdominal, requerendo a incisão através da parede uterina (BADER, 2007). A origem do termo cesariana nos remete a algumas histórias, entre elas a Lei de César (lex cesarea) no século VIII a.C., a qual definia que caso a mulher morresse durante o parto o bebé deveria ser retirado por uma incisão abdominal. Outra raiz sugere que o termo cesariano poderia ter surgido do verbo em latim caedere, que significa cortar (BADER, 2007).

De acordo com Parente et al. (2010), o primeiro registo de uma cesariana realizada com sucesso data de 1500 na Suíça, realizada por Jacob Nefer, um castrador de porcos, marido de uma parturiente que encontrava-se há vários dias em trabalho de parto.

Os mesmos autores afirmam que em 1847, o escocês James Young Simpson descobriu as propriedades anestéscas do clorofórmio e o introduziu para aliviar a dor do parto, assim, o desenvolvimento da anestesia, abriu portas para uma nova era na história da cesariana.

A partir do aperfeiçoamento das técnicas, a cesariana começou a substituir o fórceps e suas taxas foram elevando-se devido às indicações por apresentações pélvicas, à melhoria do diagnóstico de sofrimento fetal e às cesarianas iterativas (FABRI et al. 2002).

A cesariana iterativa é caracterizada como aquela realizada quando a paciente apresenta antecedente de duas ou mais cesarianas (NOMURA; ALVES; ZUGAIB, 2004).


A cesariana é um procedimento cirúrgico — com incisões feitas na parede abdominal e na parede uterina (CUNNINGHAM et al., 2012) — desenvolvido com o intuito de reduzir o risco de complicações maternas e fetais durante a gravidez e o parto (PATAH; MALIK, 2011). É a intervenção cirúrgica mais praticada no mundo, com estimativa de 20 milhões de cesarianas realizadas anualmente (BETRÁN et al., 2007; GIBBONS et al., 2012).

Ao longo do século XX, os inúmeros avanços da medicina transformaram a cesariana numa alternativa segura ao parto vaginal quando há algum risco para a mulher ou para o feto (DIAS; DESLANDES, 2004). O aperfeiçoamento das técnicas cirúrgicas e dos métodos de anestesia reduziu o risco desse procedimento (PEREIRA; ZUGAIB, 2002), que mudou muito quanto às suas indicações (MARTINS-COSTA; RAMOS; SALAZAR, 2011).

A cesariana é um procedimento cirúrgico e, como tal, apresenta riscos maternos e fetais. A decisão pelo nascimento por essa via de parto deve ser tomada em situações especiais, pelo médico, quando os riscos do procedimento sejam suplantados pelos benefícios (MARTINS-COSTA et al., 2002).

As principais indicações para cesariana são classificadas em absolutas e relativas. Entre as absolutas, Montenegro e Rezende (2011) citam placenta prévia total e parcial, malformações genitais, tumorações prévias e desproporção cefalopélvica com feto vivo. Martins-Costa, Ramos e Salazar (2011) mencionam cicatriz uterina corporal prévia, situação transversa, herpes genital activo, procidência de cordão e morte materna com feto vivo.

As indicações relativas são classificadas em maternas, fetais e materno-fetais. As primeiras incluem cardiopatias e pneumopatias específicas, dissecação aórtica, condições associadas à elevação da pressão intracraniana e história de fissura retovaginal.

As fetais são sofrimento fetal, prolapso de cordão, apresentação pélvica ou córmica, gemelidade com primeiro feto não cefálico, gemelidade monoamniótica, macrossomia, malformações fetais específicas, herpes genital activo e vírus da imunodeficiência humana (HIV) com carga viral acima de 1.000 cópias/ml (MONTENEGRO; REZENDE, 2011).

Fetos com meningomielocele, hidrocefalia e concomitante macrocrania, defeitos de parede anterior com fígado extracorpóreo, teratomas sacrococcígenos, hidropsia ou trombocitopenia aloimune se beneficiam do nascimento por cesariana (MARTINS-COSTA et al., 2002).

As indicações relativas materno-fetais são cesariana prévia, descolamento prematuro de placenta com feto vivo, placenta prévia marginal e placenta baixa, distando menos de dois centímetros do orifício interno do colo (MONTENEGRO; REZENDE, 2011).

Segundo Martins-Costa, Ramos e Salazar (2011), as indicações mais comuns para cesariana ocorrem nos casos de cesariana prévia, distócia ou falha de progressão do trabalho de parto, apresentação pélvica e condição fetal não tranquilizadora.

Amorim, Souza e Porto (2010) buscaram na literatura as melhores evidências disponíveis sobre indicações de cesariana e analisaram aquelas que por eles foram consideradas principais: distócia ou falha na progressão do parto, desproporção cefalopélvica, má posição fetal nas variedades de posição posteriores e transversas persistentes, apresentação pélvica, de face e córmica, cesariana anterior, frequência cardíaca fetal não tranquilizadora, presença de mecônio e centralização fetal.

Esses pesquisadores concluíram que em nenhuma dessas situações existe indicação absoluta de cesariana, uma vez que, mesmo na apresentação córmica, o parto normal pode ser tentado, mediante versão cefálica externa. Nas distócias de progressão, o parto normal pode ser alcançado mediante correcção da contractilidade uterina, porém, a cesariana é indicada quando a desproporção cefalopélvica é diagnosticada pelo uso judicioso do partograma (AMORIM; SOUZA; PORTO, 2010).

Para os autores, a apresentação pélvica também pode ser corrigida com versão cefálica externa a termo, mas a via de parto deve ser discutida com a gestante quando esse procedimento falha ou não é realizado. Eles concluem que, “embora os riscos relativos neonatais sejam maiores para o parto vaginal, os riscos absolutos são baixos, e a opinião da gestante deve ser considerada” (AMORIM; SOUZA; PORTO, 2010, p. 416).

Em investigação complementar, Souza, Amorim e Porto (2010) abordaram indicações como placenta prévia, descolamento prematuro de placenta, vasa prévia, placenta acreta, infecção por HIV, herpes genital, hepatites e por papiloma vírus humano (HPV), condiloma genital, gestação múltipla, prolapso do cordão umbilical, distensão segmentar e ruptura uterina e observaram que a cesariana está formalmente indicada em algumas situações particulares, como na placenta prévia total.

Em outros casos, segundo os autores, pode haver indicação de cesariana intraparto, porém, situações como HPV e gemealidade não representam per se indicações de cesariana (SOUZA; AMORIM; PORTO, 2010).


A cesariana expõe as mulheres e os bebés a maiores riscos, que incluem lesões acidentais, reacções à anestesia, infecções, embolias obstétricas, nascimentos prematuros e morte perinatais e maternas (BRASIL, 2010a).

Martins-Costa, Ramos e Salazar (2011), apontam que neste tipo de parto o período de recuperação é mais longo, a morbidade materna é maior, além de maiores chances de o recém-nascido apresentar síndrome da angústia respiratória e taquipnéia transitória.

Dentre os benefícios da cesariana podemos citar a redução de hemorragias e a consequente diminuição de necessidade de transfusões sanguíneas, a diminuição de incontinência urinária e a possibilidade de planejar o parto, facilitando a organização da equipe médica (MARTINS-COSTA; RAMOS; SALAZAR, 2011).

O Ministério da Saúde (BRASIL, 2009) considera como prejuízo da cesariana, não só factores que envolvem o recém-nascido e a mãe, mas também questões que abrangem o Sistema Único de Saúde - SUS. O argumento parte do fato que os bebés que nascem antes do período normal da gestação têm 120 vezes mais chances de apresentarem problemas, necessitando de atenção especial e requerendo cuidados em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal.

Opta-se pela cesariana quando essa é realmente necessária, trazendo vantagens para mãe e para o bebé, entre as recomendações para este tipo de parto está o risco de morte para mãe, bebé ou binómio, gestante com eclâmpsia, gestação de mulher soropositiva, distócias, descolamento prematuro da placenta, placenta prévia e nos casos de gestação gemelar no qual um dos fetos encontra-se em apresentação pélvica (BRASIL, 2011a).

Um estudo realizado por Dias et al. (2008), evidenciou que a preferência de algumas mulheres pelo parto cesáreo parece ser baseada na crença de que a qualidade do atendimento obstétrico está fortemente associada à tecnologia utilizada no parto operatório.

As tecnologias se apresentam como escolhas para democratizar as relações entre os vários atores no processo da assistência à saúde (ARAÚJO; CARDOSO, 2007). No entanto, a assistência baseada na suposta segurança dos procedimentos médicos intervencionistas, com a marca de um tipo de serviço cujo prestígio está associado à incorporação de tecnologia, transformou o parto normal em um parto passível de risco.

A tecnologia médica surge como uma resposta necessária para o controle desse risco, justificando a legitimação social da cesariana como um procedimento rápido, seguro, indolor, moderno e ideal para qualquer grávida, adaptando-o para que se insira no imaginário moderno, ocidentalmente construído, de isentar a mulher da dor. Essa assistência à saúde aparece destacadamente nas representações sociais (MANDARINO et al., 2009; CARNEIRO, 2013).

Uma das justificativas apontadas por diversos autores como explicação para o número elevado de cesarianas é a cesariana “a pedido” da mulher. Cesariana a pedido, cesariana por escolha ou solicitação da paciente é sinónimo de cesariana electiva na ausência de indicação médica (PATAH, 2008). Sabatino (2007, p. 482) afirma que a cesariana geralmente denominada “a pedido” da mãe “se justifica em parte porque as mulheres têm informações erradas ou incompletas sobre o processo do parto. Relatam medo da dor do parto”.

Profissionais de saúde apontam como motivos ligados à paciente as percepções associadas a eventos físicos, como o medo da dor no momento do trabalho de parto e parto e a possibilidade de evitar dores após a cirurgia com a utilização de analgésicos, assim como a ideia de que a cesariana permite à mulher manter a função sexual, o que seria importante para o coito vaginal, noção de maior risco para o feto no parto vaginal e ainda a possibilidade de marcar uma data para laqueadura (WHO, 1985; FAÚNDES; CECATTI, 1991; SABATINO, 2007; VELHO et al., 2012).

Conforme Mazzoni et al. (2011), o incremento nas taxas de cesariana vem sendo atribuído em parte ao pedido da mãe. Em uma revisão sistemática sobre a preferência das mulheres pela via de parto em uma série de países de média e alta renda, os resultados apontaram que apenas uma minoria de mulheres de uma ampla variedade de países manifestou preferência pela cesariana. Esses estudos demonstram que há distorções que parecem reflectir mais uma cultura médica do que uma preferência pela gestante. O termo de solicitação tem sido utilizado como um dos principais argumentos por parte dos profissionais médicos para justificar a elevada incidência das cesarianas (MAZZONI et al., 2011).

A cesariana é tida por muitas mães como parto ideal porque ela não causa a angústia do trabalho de parto, quer dizer, o medo do sofrimento imposto pela dor de parto (FAÚNDES; CECATTI, 1991).

As repercussões disso são bastante sérias: as cesarianas acarretam quatro vezes mais risco de infecção puerperal em comparação com o parto normal, geram três vezes mais risco de mortalidade e morbidade materna por complicações pós-cesariana, elevados riscos de prematuridade e mortalidade neonatal, dificuldade de recuperação da puérpera, maior período de separação entre mãe e bebé — o que interfere na amamentação —, e o aumento de gastos para o sistema de saúde.

Mas isso ainda não é assumido pela maioria dos obstetras brasileiros, em parte porque esse tipo de operação decreta o modelo tecnocrático do nascimento no qual esses obstetras foram treinados (CFM, 1987; SABATINO, 2007).

O modelo da cesariana como alternativa superior e mais moderna em termos de conforto materno com protecção de danos sexuais e contra as potenciais lesões do parto vaginal sobre o bebé tem sido defendido pelos profissionais como paradigma de assistência para mulheres brancas e de alta renda. Para viabilizar esse modelo, a cirurgia deve ser agendada antes que a mulher entre em trabalho de parto (DINIZ, 2009).

A cesariana a pedido ou indicada é um fenómeno profundamente mais complexo, com diferentes razões, mas que evidencia a falta de informações e a ansiedade em relação ao parto, gerada, ora pelo desconhecimento, ora pelo temor do cuidado.

A escolha do parto natural está muito relacionada com as expectativas das mulheres a respeito da maternidade e com as informações que as mulheres têm de todos os tipos, sobretudo quando estão a par das evidências científicas e das informações que circulam nos meios ligados à humanização do parto, nas conversas com profissionais, nos diálogos informais, depoimentos e livros (SALGADO, 2012).

Além do medo de sentir dor como motivo para a preferência da cesariana, Melchiori et al. (2009) identificaram, no relato de gestantes, a experiência negativa vivenciada por outras mulheres na justificativa de opção de escolha pela cesariana.

Oliveira et al. (2002) e Barbosa et al. (2003) apontam essas e outras razões, como a condição financeira privilegiada das mulheres, a laqueadura tubária, a ideia de que o parto vaginal irá alterar a estrutura da genitália, a carência de enfermeiras obstétricas nas maternidades, problemas com o bebé e no preparo no pré-natal para o parto vaginal.

Para algumas mulheres, o bom parto é o “previsível”, ou seja, uma cesariana agendada com tudo organizado, permitindo todo tipo de preparo: dirigir-se à instituição, realizar a cirurgia, ter o bebé, retornar ao seu lar e dar sequência à vida. Porém, para outras mulheres que desejam a via de parto normal, seus desejos não são respeitados pelos profissionais de saúde e elas se resignam por saber que sua experiência de submissão à cesariana foi uma “fatalidade” (SALGADO, 2012).

Quando o médico acata de imediato o pedido de cesariana, deixa de oferecer à sua paciente a melhor ajuda que poderia prestar para o empoderamento da mulher: a chance de examinar o contexto, analisar e fundamentar as suas razões e assim poder entender vantagens e desvantagens da cesariana, além de criar mecanismos para superar seus medos (MALDONADO, 2002).

 “Verifica-se, portanto, que a cultura da cesariana como parto rápido e sem dor se encontra bastante difundida na sociedade, apresentando-se como sustentáculo para a prática médica actual, que se utiliza dessa concepção para justificar essa conduta para si e para os outros” (OLIVEIRA et al., 2010, p. 36). Como assevera Davis-Floyd (1994, p. 152), a cesariana é conceitualmente útil para a obstetrícia:

Ao transformar o nascimento em um procedimento cirúrgico de rotina, legitima-se a obstetrícia enquanto ato médico, pois se incorpora à sua prática um elemento central da medicina moderna e uma das formas mais elaboradas de manipulação do corpo-máquina humana — a cirurgia.

Muitas mulheres insistem na cesariana, desconsiderando o parto normal, por causa de temores como “não estar preparada”, “não aguentar”, “não dar conta do parto”, o que torna a cesariana uma representação simbólica de evitar a concretização desses medos e suas repercussões (MALDONADO, 2002). Há outro aspecto importante a ser considerado nesse contexto:

A cristalização sociocultural da ideologia da cesariana pode estar afectando também os homens, que parecem ter assimilado os mesmos medos que as mulheres — medo da dor, do sofrimento, da imprevisibilidade —, desempenhando, assim, uma influência desfavorável sobre suas companheiras (CARDOSO; BARBOSA, 2012, p. 44).

Ao abordar esse assunto, Pereira (2010) supõe que, para não manifestar seus medos e fraquezas, a mulher desenvolve uma “subtil parceria (talvez inconsciente) com o seu médico”, sinalizando que prefere abdicar do parto normal para não sentir dor, delegando ao médico a tomada de decisão, ou seja, “fornecendo um aval [...] ao modelo intervencionista da assistência obstétrica” (PEREIRA, 2010, p. 86-87).


Com a transferência da assistência ao parto para o âmbito hospitalar e com toda a evolução tecnológica, o parto intervencionista passou a representar, dentro da área médica, a vitória da ciência sobre a natureza.

Nesse contexto, a perda do poder da mulher em relação à gestação e ao parto surge do encontro de duas forças dominadoras: “a primeira trata da dominação masculina e a segunda da apropriação do parto pelo projecto científico denominado obstetrícia” (BOTI, 2013, p. 650).

Macedo et al. (2005, p. 309), fazendo referência aos resultados de pesquisa desenvolvida por Progianti (2001), enfatizam que

o processo de medicalização e a dominação do corpo da mulher por parte dos médicos fizeram com que algumas delas aceitassem e acreditassem que a realização de procedimentos invasivos fosse benéfica para a evolução do parto, embora fosse também causa de dor e sofrimento.

O médico exerce influência sobre a mulher e sua decisão sobre a via de parto porque a autoridade médica exibe uma poderosa onipresença, baseada na legitimidade que lhe confere seu saber e na dependência de quem ele atende. “Por essa razão, a ‘boa paciente’ é sempre vista como aquela que obedece sem questionar e a paciente difícil é aquela que duvida, questiona e não abre mão de seu julgamento pessoal, expressa sua vontade” (AGUIAR, 2010, p. 123).

Pereira (2010, p. 109) busca apoio teórico em Maldonado (2002) para afirmar que, “quanto mais o médico se considere onipotente, mais se considerará também um deus, vendo o paciente como fraco, indefeso e dependente. A pessoa capta isso e passa a responsabilidade do tratamento para o médico”. No caso das gestantes, seus temores são tão grandes que elas preferem a passividade, ou seja, que o bebé seja extraído.

Em verdade, as mulheres, de modo geral, ocupam, quase sempre, em nossa sociedade, uma posição de subalternidade, resultante das relações de género que se estendem às relações com os profissionais de saúde, marcadas, elas próprias, por situações desiguais, nas quais a supremacia do saber científico adjudica a quem o exerce o lugar de dominante ou opressor (ALMEIDA; SILVA, 2008, p. 350).

A mulher que recorre à instituição pública de saúde já espera que ao ser internada passe a ser um caso, recebendo um número de registo para sua identificação, deixando de ser sujeito, tornando-se, então, mais uma na hora de parir (BEZERRA; CARDOSO, 2005).

Essa é uma área sobre a qual a mulher passa a não ter mais controle e mostra uma das faces da dominação que se exerce a partir da transformação do sujeito em objecto (PEREIRA, 2004).

Pereira (2004) afirma que a medicina exerce a sua prática, ora de forma exagerada, intervindo demais, ora de maneira negligente, simplesmente não agindo, e salienta que os médicos “foram treinados para reprimir a consciência dos danos que provocam” (BOURDIEU, 1996, p. 38).

A desinformação e o tecnicismo que envolvem o processo de hospitalização do parto favorecem um comportamento passivo da mulher, a partir da leitura do sistema simbólico da sociedade de que essa etapa do processo da parturição deve ter um comando técnico, colaborando assim para delegar ao médico a decisão sobre o alívio ou não da dor no trabalho de parto a partir de regras e preceitos (PEREIRA, 2010).

A participação do profissional médico como promotor de uma cultura intervencionista foi destacada em estudo nacional realizado com puérperas de clínicas privadas e públicas. De acordo com a pesquisa, três em quatro das primíparas do sector privado e oito em dez do sector público que tiveram o parto cirúrgico gostariam de ter tido partos vaginais.

O estudo traz situações éticas e polémicas como a de que o obstetra promoveria os medos da parturiente associados ao parto e superestimaria a segurança da cesariana em função de seus interesses (FAISAL-CURY; MENEZES, 2006).

A raiz do problema está na reprodução do modelo de parto orientado para a cesariana na formação médica; portanto, o profissional que realiza o parto tem uma enorme parcela de responsabilidade na preferência pela cesariana[1] (FAÚNDES et al., 2004).

É comum os médicos considerarem que as mulheres com baixa escolaridade são incapazes de entender informações e, portanto, a tentativa de explicação sobre procedimentos por eles adoptados representaria perda de tempo (NAGAHAMA; SANTIAGO, 2008).

Essa negação ou omissão de informações pode ser entendida como expressão da violência institucional contra a parturiente, como abuso cometido em virtude das relações de poder desiguais entre profissionais e usuários dos serviços de saúde (BOTI, 2013). Nesses casos,

a questão do saber vem atrelada ao mandar e, por outro lado, ao obedecer. Quem manda e quem sabe no campo da saúde é o médico, só ele tem legitimidade para definir a situação da paciente até para ela mesma [...] quem manda e quem sabe está identificado a quem produz o sentido, a quem o arbitra, e define o que vai circular, pois ele é o produtor, e quem se submete e reproduz esses conteúdos é identificado ao dominado (PEREIRA, 2004, p. 395).

O desencontro de informações sobre as expectativas, temores e escolhas de parto entre as gestantes e médicos pode sugerir que há uma deficiente comunicação no pré-natal da gestante com profissionais da saúde em geral, nas representações a respeito do parto e nascimento relacionadas ao universo sociocultural de cada uma dessas mulheres (MELCHIORI et al., 2009).

Pereira (2004, p. 399) constata que a demanda por “determinadas tecnologias médicas nos períodos de gestação, parto e puerpério é construída pelos médicos que as utilizam para manter o poder simbólico e também para recriar a própria mítica, de serem os únicos a dar conta de todos os aspectos da vida e do adoecer”.

Para Boti (2013), a prática do poder do profissional de saúde, notadamente do médico, é consequência da visão da patologização do parto e da utilização do conhecimento que ele tem sobre o corpo como instrumento para elevação de seu status. Isso está directamente associado ao fato de que, segundo Moreira et al. (2006), no ambiente de pré-parto, a exposição e a intrusão alheia no corpo são considerados normais e aceitáveis, sendo a mulher vista apenas sob o enfoque biológico[2].

Nesse processo, embora a mulher tente buscar sua autonomia, acaba assumindo uma postura de passividade quando deixa que o médico tome decisões por ela. “Seu protagonismo, portanto, carece de autonomia, uma vez que ela segue o script ditado pelo modelo biomédico e cultuado pela mídia e pela sociedade” (PEREIRA, 2010, p. 147).











Este estudo mostrou que as mulheres precisam de mais informações sobre esse período de vida, e que esta ação deve ser praticada durante o pré-natal, na assistência ao parto e ao pós-parto. O atendimento à gestante deve respeitar sua cultura e crenças, cada mulher é única e tem direito de receber atenção individualizada.

A inserção do enfermeiro na assistência à mulher durante o ciclo gravídico puerperal se torna relevante à medida que este profissional pode proporcionar uma atenção humanizada e individualizada, baseada em evidências científicas, que realmente evitem intervenções desnecessárias e que promovam uma gestação, parto e nascimento saudáveis.

Mulheres empoderadas terão condições de discutir sobre as questões que envolvem situações que estão vivenciando, podendo desta forma participar como protagonistas desse momento de vida tão especial, que é o nascimento de seus filhos.

A indicação da cesariana na perspectiva da mulher é pouco estudada, este se tornou um factor limitador para o desenvolvimento da discussão dessa pesquisa, visto a restrição de artigos, para discussão dos resultados. Desta forma outros estudos que envolvem esta temática poderiam ser desenvolvidos no sentido se obter informações mais amplas que envolvam a cesariana.


AGUIAR, Janaína Marques de. Violência institucional em maternidades públicas: hostilidade ao invés de acolhimento como uma questão de gênero. 2010. Tese (Doutorado em Ciências) – Universidade de São Paulo, São Paulo.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Área Técnica de Saúde da Mulher. Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher. Brasília: Ministério da Saúde, 2001.

FAÚNDES, Aníbal; CECATTI, José Guilherme. “A operação cesariana no Brasil: incidência, tendências, causas, consequências e propostas de ação”. Cadernos de Saúde Pública, v.7, n. 2, p. 150-173, 1991.

MALDONADO, Maria Tereza. Psicologia da gravidez: parto e puerpério. 16. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

OLIVEIRA, Andressa Suelly Saturnino et al. “Percepção de mulheres sobre a vivência do trabalho de parto e parto”. Rene: Revista da Rede de Enfermagem do Nordeste, v. 11, número especial, p. 32-41, 2010.

OLIVEIRA, Zuleyce Maria Lessa Pacheco; MADEIRA, Anézia Moreira Faria. “Vivenciando o parto humanizado: um estudo fenomenológico sob a ótica de adolescentes”. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 36, n. 2, p. 133-140, 2002.

PATAH, Luciano Eduardo Maluf. Por que 90%? Uma análise das taxas de cesariana em serviços hospitalares privados do município de São Paulo. 2008. Tese (Doutorado em Administração de Empresa) – Escola de Administração Hospitalar e Gestão de Sistemas de Saúde da Fundação Getúlio Vargas, São Paulo.

PEREIRA, Raquel da Rocha. Protagonismo da mulher: representações sociais sobre o processo de parturição. 2010. Dissertação (Mestrado em Saúde e Meio Ambiente) – Universidade da Região de Joinville, Joinville

PEREIRA, Wilza Rocha. “Poder, violência e dominação simbólicas nos serviços públicos de saúde”. Texto Contexto de Enfermagem, v. 13, n. 3, p. 391-400, 2004.

SABATINO, Hugo. Atenção ao nascimento humanizado baseado em evidências científicas. 2007. Disponível em: <www.bv.fapesp.br/pt/pesquisador/103758/jose-hugo-sabatino>. Acesso em: 02 jul. 2012.

VIEIRA, Elisabeth Meloni. A medicalização do corpo feminino. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2002.

ZORZAN, Bianca Alves de Oliveira. Informação e escolhas no parto: perspectivas das mulheres usuárias do SUS e da saúde suplementar. 2013. Dissertação (Mestrado em Ciências) – Universidade de São Paulo, São Paulo.



[1] Mesmo com políticas de humanização do parto e incentivo ao parto vaginal, pode estar havendo um bloqueio de ordem cognitivo-psicomotora (da habilidade clínica) associada com a ordem atitudinal (ética), além da ordem económica, que impede a redução do volume de cesariana, mesmo nas instituições que são “favoráveis” ao parto vaginal. A transformação no saber-fazer e na postura ética correntes nos círculos obstétricos e seu aprendizado, principalmente na sua habilidade clínica, podem estar tendo papel importante, se não determinante (TESSER et al., 2011, p. 8).
[2] Mesmo que seja difícil saber qualquer coisa dos médicos, mesmo que eles não estabeleçam uma relação que satisfaça as pacientes, são somente eles que detêm o saber e o instrumental tecnológico para dar conta do que ocorre no corpo e é dentro dos hospitais que se situam os instrumentos por eles utilizados para perscrutar o corpo que sofre ou que tem necessidade de ser examinado (PEREIRA, 2004, p. 395).

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