INSTITUTO SUPERIOR POLITÉCNICO DO
KANGONJO
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
LICENCIATURA EM CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS
FISIOLOGIA MÉDICA
METABOLISMO E REGULAÇÃO TÉRMICA
ANTÓNIO CABANDA MANUEL MIRANDA
PAULINO JOÃO NKANGA
LUANDA
2017
ANTÓNIO
CABANDA MANUEL MIRANDA
PAULINO
JOÃO NKANGA
FISIOLOGIA
METABOLISMO E REGULAÇÃO TÉRMICA
Trabalho de pesquisa bibliográfica apresentado
ao Instituto Superior Politécnico do Kangonjo na disciplina de Fisiologia Médica
como requisito parcial para obtenção de notas.
Orientador: Dr. Serafim José Ferreira
LUANDA
2017
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO
2. ABORDAGEM TEÓRICA
2.1 METABOLISMO
DOS CARBOIDRATOS E FORMAÇÃO DE TRIFOSFATO DE ADENOSINA
2.1.1 Liberação
de Energia dos Alimentos e Conceito de "Energia livre"
2.1.2 Reacções
Acopladas
2.1.3 Papel do
Trifosfato de Adenosina no Metabolismo
2.2 O PAPEL
CENTRAL DA GLICOSE NO METABOLISMO DOS CARBOBDRATOS
2.3 TRANSPORTE
DA GLICOSE ATRAVÉS DA MEMBRANA CELULAR
2.3.1 Efeito da
insulina no Sentido de Aumentar a Facilitada da Glicose
2.3.2 Fosforilação
da Glicose
2.4 ARMAZENAMENTO
DO GLICOGÉNIO NO FÍGADO E NO MÚSCULO
2.4.1 Glicogénese
2.4.2 Remoção do
Glicogénio Armazenado – Glicogenólise
2.4.3 Activação
da Fosforilase pela Epinefrina ou pelo Glucagon
2.5 LIBERAÇÃO
DA ENERGIA DA MOLÉCULA DE GLICOSE PELA VIA GLlCOLÍTICA
2.5.1 Glicólise
e formação de Ácido Pirúvico
2.5.2 Formação
de ATP Durante a Glicólise
2.5.3 Conversão
do Ácido Pirúvico em Acetil-Coenzima A
2.5.4 Ciclo do
Ácido Cítrico
2.5.5 Formação
do ATP no Ciclo do Ácido Cítrico
2.5.6 Função das
Desidrogenases e da Nicotinamida-Adenina Dinucleotídeo na Liberação de Átomos
de Hidrogênio no Ciclo do Ácido Cítrico
2.5.7 Função das
Descarboxilases na liberação de Dióxido de Carbono
2.5.8 Formação
de Grandes Quantidades de ATP pela Oxidação do Hidrogénio (Processo da
Fosforilação Oxidativa)
2.5.9 lonização
do Hidrogénio. a Cadeia de Transporte de Electrões e a Formação de Água
2.5.10 Bombeamento
de íons Hidrogénio para a Câmara Externa das Mitocôndrias Produzido pela
Cadeia de Transporte de Electrões
2.5.11 Formação
de ATP
2.5.12 Resumo da
Formação de ATP Durante a Degradação da Glicose
2.5.13 Liberação
Anaeróbica de Energia - "Glicólise Anaeróbica"
2.5.14 A Formação
de Ácido Láctico Durante a Glicose Anaeróbica Permite a Liberação de Energia
Anaeróbica Adicional
2.5.15 Reconversão
do Ácido Láctico em Ácido Pirúvico, Quando o Oxigênio, Novamente, Fica
Disponível
2.5.16 Utilização
do Ácido Láctico pelo Coração para Obtenção de Energia.
2.6 LIBERAÇÃO
DE ENERGIA DA GLICOSE PELA VIA DA PENTOSE-FOSFATO
2.6.1 Liberação
de Dióxido de Carbono e de Hidrogênio pela Via da Pentose-Fosfato
2.6.2 Uso do
Hidrogénio na Síntese de Gordura; Função do Fosfato de
Nicotinamida-Adenina-Dinucleotídeo
2.6.3 Conversão
da Glicose em Glicogénio ou Gordura
2.7 FORMAÇÃO
DE CARBOIDRATOS A PARTRR DE PROTEÍNAS E GORDURAS – GLICONEOGÉNESE
2.7.1 Regulação
da Gliconeogênese
2.7.2 Efeito da
Corticotropina e dos Glicocorticóides sobre a Gliconeogénesse
2.8 GLICEMIA
2.8.1 Metabolismo
Dos Lipídios
2.8.2 Estrutura
Química Básica dos Triglicerídeos (Gorduras Neutras)
2.9 TRANSPORTE
DOS LlPÍDIOS NOS LÍQUIDOS CORPORAIS
2.9.1 Transporte
dos Triglicerídeos e de Outros Lipídios pela Linfa a partir do Trato
Gastrintestinal os Quilomicrons
2.9.2 Remoção
dos Quilomícrons do Sangue
2.9.3 Hidrólise
dos Triglicerideos dos Quilomícrons pela Lipoproteína-Lipase; Armazenamento da
Gordura nos Tecidos Adiposos e nas Células Hepáticas
2.9.4 Transporte
dos Ácidos Graxos no Sangue em Combinação com a Albumina - "Ácidos Graxos
Livres"
2.9.5 Lipoproteínas
- Sua Função Especial no Transporte do Colesterol e dos Fosfolipídios
2.9.6 Tipos de
Lipoproteínas
2.9.7 Formação e
Função das Lipoproteínas
2.10 DEPÓSITOS
DE GORDURA
2.10.1 Tecido
Adiposo
2.10.2 Células
Adiposas
2.10.3 Troca de
Gordura entre o Tecido Adiposo e o Sangue – Lipases Teciduais
2.10.4 Lipídos
Hipáticos
2.11 USO DOS
TRIGLlCERÍDEOS COMO FONTE DE ENERGIA: FORMAÇÃO DO TRIFOSFATO DE ADENOSINA
2.11.1 Hidrólise
dos Triglicerídeos
2.11.2 Entrada
dos Ácidos Graxos nas Mitocôndrias
2.11.3 Degradação
do Ácido Graxo a Acetil-Coenzima A por Beta-Oxidação
2.11.4 Oxidação
da Acetil-CoA
2.11.5 São
Formadas Grandes Quantidades de ATP por Oxidação de Ácidos Graxos
2.11.6 Formação
de Ácido Acetoacético no Fígado e seu Transporte Sangue
2.11.7 Cetose e
sua Ocorrência na Inanição, no Diabete e em Outras Doenças
2.11.8 Adaptação
à Dieta Rica em Gorduras
2.11.9 Síntese de
Triglicerídeos a partir dos Carboidratos
2.11.10 Conversão
de Acetil-CoA em Ácidos Graxos
2.11.11 Combinação
dos Ácidos Graxos com Glicerofosfato na Formação de Triglicerídeos
2.11.12 Eficiência
da Conversão dos Carboidratos em Gordura
2.11.13 Importância
da Síntese e do Armazenamento de Gorduras
2.11.14 Síntese
dos Triglicerídeos a partir das Proteínas
2.12 REGULAÇÃO
DA LIBERAÇÃO DE ENERGIA A PARTIR DOS TRIGLlCERÍDEOS
2.12.1 Uso
Preferencial dos Carboidratos em Relação ao Uso de Gordura como Fonte de
Energia Quando Existem Carboidratos em Excesso
2.12.2 Aceleração
da Utilização de Gordura para a Obtenção de Energia na Ausência de
Carboidratos
2.12.3 Regulação
Hormonal da Utilização de Gordura
2.12.4 Obesidade
2.13 FOSFOLlPÍDIOS
E COLESTEROL
2.13.1 Fosfopídios
2.13.2 Formação
dos Fosfolipídios
2.13.3 Uso
Específico dos Fosfolipídios
2.13.4 Colesterol
2.13.4.1 Formação
do Colesterol
2.13.5 Factores
que Afectam a Concentração Plasmática do Colesterol Controle do Colesterol do
Organismo por Feedbac
2.13.6 Usos
Específicos do Colesterol pelo Corpo
2.13.7 Funções
Estruturais Celulares dos Fosfolipídios e do Colesterol - Especialmente para
as Membranas
2.14 ATEROSCLEROSE
2.14.1 Causas Básicas
da Aterosclerose - Os Papéis do Colesterol e das Lipoproteínas
2.14.2 Hipercolesterolemia
Familiar
2.14.3 Papel das
lipoproteínas de Alta Densidade na Prevenção da Aterosclerose
2.14.4 Outros
factores que levam à Aterosclerose
2.14.5 Prevenção
da Aterosderose
2.14.6 Metabolismo
das Proteínas
2.15 PROPRIEDADES
BÁSICAS
2.15.1 Aminoácidos
2.15.2 Ligação
Peptídica e Cadeias Peptídicas
2.16 TRANSPORTE
E ARMAZENAMENTO DOS AMINOÁCIDOS
2.16.1 Aminoácidos
no Sangue
2.16.2 Destino
dos Aminoácidos Absorvidos pelo Trato Gastrintestinal
2.16.3 Transporte
Activo dos Aminoácidos nas Células
2.16.4 Limiar
Renal para os Aminoácidos
2.16.5 Armazenamento
dos Aminoácidos como Proteínas nas Células
2.16.6 Liberação
de Aminoácidos a partir das Células como Meio de Regular a Concentração
Plasmática de Aminoácidos
2.16.7 Equilíbrio
Reversível entre as Proteínas em Diferentes Partes do Corpo
2.16.8 Limite
Superior para o Armazenamento de Proteínas
2.17 PAPÉIS
FUNCIONAIS DAS PROTÍNAS PLASMÁ TICAS
2.17.1 Formação
das Proteínas Plasmáticas
2.17.2 Utilização
das Proteínas Plasmáticas como Fonte de Aminoácidos para os Tecidos
2.17.3 Equilíbrio
Reversível entre as Proteínas Plasmáticas e as Proteínas Teciduais
2.17.4 Aminoácidos
Essenciais e Não – essenciais
2.17.5 Utilização
das Proteínas como fonte de Energia
2.17.6 Desaminação
2.17.7 Oxidação
dos Aminoácidos Desaminados
2.17.8 Gliconeogénese
e Cetogénese
2.17.9 Degradação
Obrigatória de Proteínas
2.17.10 Efeito da
Inanição sobre a Degradação de Proteínas
2.18 REGULAÇÃO
HORMONAL DO METABOLISMO PROTÉICO
2.18.1 Harmónio
do Crescimento
2.18.2 Insulina
2.18.3 Glicocorticóides
2.18.4 Glicocorticóides
2.18.5 Estrogénio
2.18.6 Tiroxina
3. CONCLUSÃO
Os carboidratos são
compostos que, em geral, apresentam a fórmulas empírica (CH2O)n e cujos
representantes mais simples são chamados açúcares, como, por exemplo, a
glicose. O tipo mais simples de carboidrato é constituído pelos
monossacarídeos, chamados aldoses ou cetoses, segundo o grupo funcional que
apresentam: aldeído ou cetona.
A glicose é o
principal carboidrato na Terra, entrando na constituição monomérica de celulose
e amido. É também o único combustível utilizado por todas as células do nosso corpo.
A glicose é, quantitativamente, o principal substrato oxidável para a maioria
dos organismos, quase todas as células são potencialmente capazes de atender
suas demandas energéticas apenas a partir deste açúcar. Apesar de a dieta
humana conter pouca glicose livre, esta aparece em proporções consideráveis
como amido, sacarose e lactose.
A glicólise se
caracteriza como uma via metabólica utilizada por todas as células do corpo,
para extrair parte da energia contida na molécula da glicose, e gerar duas
moléculas de lactato.
A glicólise se
constitui na etapa inicial no processo da oxidação completa de carboidratos
envolvendo oxigênio molecular. Trata-se de uma rota central quase universal do
catabolismo da glicose, a rota com o maior fluxo de carbono na maioria das
células. A quebra glicolítica de glicose é a única fonte de energia metabólica
em alguns tecidos de mamíferos e tipos celulares (hemácias, medula renal,
cérebro e esperma, por exemplo).
Nos próximos
tópicos, descreveremos a oxidação total da glicose, bem como seu armazenamento
e mobilização na forma de glicogênio (glicogênese e glicogenólise) e sua
síntese de novo para suprir o cérebro (neoglicogênese).
Os próximos capítulos irão tratar do
metabolismo do organismo, isto é, dos processos químicos que tomam possível a
sobrevivência das células. Todavia, este livro não pretende fornecer detalhes
químicos de todas as diversas reacções celulares, visto que isso pertence à
bioquímica. Na verdade, esses capítulos têm por objectivo fazer (1) revisão dos
principais processos químicos da célula e (2) análise de suas implicações
fisiológicas, sobretudo em relação ao modo pelo qual esses processos se
enquadram no conceito global da homeostasia.
Grande parte das reacções químicas que
ocorrem nas células destina-se à obtenção de energia dos alimentos para uso
pelos diversos sistemas fisiológicos da célula. Por exemplo, a energia é
necessária para a actividade muscular, a secreção glandular, a manutenção dos
potenciais de membrana pelas fibras nervosas e musculares, a síntese de
substâncias nas células, a absorção de alimentos do trato gastrintestinal e
muitas outras funções.
Todos os alimentos que contêm energia -
carboidratos, lipídica e proteínas - podem ser oxidados nas células, com
liberação de grande quantidade de energia nesse processo. Além disso, esses
mesmos alimentos podem ser queimados com oxigénio puro fora do organismo, em
verdadeira fogueira, também com liberação de grande quantidade de energia.
Todavia, nessa situação, a energia é liberada subitamente, toda ela na forma de
calor. A energia necessária para os processos fisiológicos das células não é o
calor, mas sim a energia para desencadear o movimento mecânico no caso da
função muscular, concentrar solutos no caso da secreção glandular e efectuar outras
funções. Para fornecer essa energia, as reacções químicas devem ser
"acopladas" aos sistemas responsáveis por essas funções fisiológicas.
Esse acoplamento é efectuado por sistemas
enzimáticos celulares e por sistemas de transferência de energia especiais,
alguns dos quais serão explicados neste capítulo, bem como em capítulos subsequentes.
"Energia Livre." A quantidade de
energia liberada pela oxidação completa de um alimento é denominada energia
livre de oxidação do alimento, geralmente representada pelo símbolo G. Em
geral, a energia livre é expressa em termos de calorias por mol de substância.
Assim, por exemplo, a quantidade de energia livre liberada pela oxidação de 1
mol de glicose (180 gramas de glicose) é de 686.000 calorias.
O trifosfato de adenosina (ATP) é um composto
químico lábil encontrado em todas as células. Sua estrutura química é
apresentada na Fig.1.
Nessa fórmula, podemos ver que o ATP é uma
combinação de adenina, ribose e três radicais fosfato. Os dois últimos radicais
fosfato estão ligados ao restante da molécula por meio das denominadas ligações
de alta energia, que estão indicadas pelo símbolo ~. A quantidade de energia livre em cada uma dessas ligações de
alta energia por moi de ATP é de cerca de 7.300 calorias em condições padrão e
de cerca de 12.000 calorias nas condições de temperatura e concentração dos
reagentes no organismo. Por conseguinte, no corpo, a remoção de cada um dos
dois últimos radicais fosfato libera cerca de 12.000 calorias de energia. Após
a perda de um radical fosfato do ATP, o composto torna-se o difosfato de
adenosina (ADP) e, após a perda do segundo radical fosfato, o composto passa a
ser o monofosfato de adenosina (AMP). As interconversões entre ATP, ADP e AMP
são as seguintes:
O ATP é encontrado em todo o citoplasma e o
nucleoplasma de todas as células, e praticamente todos os mecanismos
fisiolágicos que necessitam de energia para operar a obtêm directamente do ATP
(ou de outro composto semelhante de alta energia, como o trifosfato de
guanosina GTPJ). Por sua vez, os alimentos nas células passam por oxidação gradual,
e a energia liberada é utilizada para a 'reconstituição de novo ATP, mantendo,
assim, suprimento permanente dessa substância. Todas essas transferências de
energia ocorrem através de reacções acopladas.
Em síntese, o ATP é um composto intermediário
que tem a capacidade peculiar de participarde várias reacções açopladas - reacções
com o alimento para a obtenção de energia e reacções em muitos mecanismos fisiológicos
para fornecer a energia necessária à sua operação. Por essa razão, o ATP foi
denominado a moeda energética do organismo, passível de ser adquirida e usada
repetidamente.
O principal propósito deste capítulo é
explicar como a energia dos carboidratos pode ser utilizada na formação de ATP
no interior das células. Em condições normais, 90% ou mais de todos os
carboidratos utilizados pelo organismo são usados com esse objectivo.
Figura 2: Estrutura química
do trifosfato de adeÍlosina.
Já vimos que os produtos finais da digestão
dos carboidratos no trato alimentar consistem, quase exclusivamente, em
glicose, frutose e galactose - representando a glicose cerca de 80%, em média.
Após sua absorção no trato intestinal, grande parte da frutose e quase toda a
galactose são, então, rapidamente convertidas em glicose no fígado. Por
conseguinte, verifica-se a presença de quantidade muito pequena de frutose e de
galactose no sangue circulante. Assim, a glicose constitui a via final comum
para o transporte de quase' todos os carboidratos até as células teciduais.
Figura 3:
Interconversão dos três monossacarídeos principais - glicose, frutose e
galactose - nas células hepáticas.
Nas células hepáticas, existem enzimas
apropriadas para promover as inter-conversões entre os monossacarídeos -
glicose, frutose e galactose.
Além disso, a dinâmica das reacções é tal
que, quando o fígado libera os monossacarídeos de volta para o sangue, o
produto final consiste, quase inteiramente, em glicose. A razão disso é que as
células hepáticas contêm grandes quantidades de glicose fosfatase. Por
conseguinte, a glicose-6-fosfato pode ser degradada a glicose e fosfato, de
modo que a glicose pode ser transportada de volta para o sangue através da
membrana dos hepatócitos.
Mais uma vez, convém frisar que, em geral,
mais de 95% de todos os monossacarídeos que circulam no sangue constituem o produto
final de conversão, a glicose.
Para que a glicose possa ser utilizada pelas
células do corpo, ela deve ser transportada através da membrana celular para o
citoplasma. Todavia, a glicose não pode difundir-se através dos poros da
membrana celular, visto que o peso molecular máximo das partículas que se podem
difundir facilmente é de cerca de 100, enquanto o da glicose atinge 180. Mesmo
assim, a glicose passa para o interior da célula com razoável grau de
liberdade, através do mecanismo de difusão facilitada.
Basicamente, eles são os seguintes. Na matriz
lipídica da membrana celular, existe grande número de moléculas de proteínas
transportadoras que se podem ligar à glicose. Nessa forma ligada, a glicose
pode ser transportada pela molécula transportadora de um lado a outro da
membrana, sendo, então, liberada. Por conseguinte, se a concentração de glicose
em um dos lados da membrana for maior do que no outro, haverá maior transporte
de glicose da área de maior concentração para a área de baixa concentração do
que na direcção oposta.
O transporte da glicose através das membranas
da maioria das células teciduais é muito diferente do que ocorre através da
membrana gastrintestinal ou através do epitélio dos túbulos renais. Nesses dois
últimos casos, a glicose é transportada pelo mecanismo de co-transporte activo
de sódio-glicose, em que o transporte activo de sódio fornece a energia
necessária para a absorção da glicose contra uma diferença de concentração. Esse
mecanismo de co-transporte do sódio só funciona em certas células epiteliais
especiais, que estão, especificamente, adaptadas para a absorção activa da
glicose. Em todas as outras membranas celulares, a glicose só é transportada de
uma área de maior concentração para outra de menor concentração por difusão
facilitada, que é possível devido às propriedades especiais de ligação da
proteína transportadora de glicose da membrana. Os detalhes da difusão
facilitada para o transporte através das membranas celulares são apresentados
no Cap.4.
A velocidade de transporte da glicose, bem
como a de alguns outros monossacarídeos, é acentuadamente aumentada pela
insulina. Quando o pâncreas secreta grande quantidade de insulina, a velocidade
de transporte da glicose, na maioria das células, aumenta por até 10 vezes ou
mais em relação à velocidade observada na ausência da secreção de insulina. Por
outro lado, a quantidade de glicose passível de se difundir à excepção das
células hepáticas e cerebrais, é demasiado pequena para suprir a quantidade de
glicose normalmente necessária para o metabolismo energético. Por conseguinte,
a velocidade de utilização dos carboidratos pela maioria das células é, na verdade,
controlada pela secreção de insulina pelo pâncreas.
Imediatamente após a sua entrada na célula, a
glicose combina-se com um radical fosfato, de acordo com a seguinte reacção:
Essa fosforilação é promovida,
principalmente, pela enzima g licocinase no fígado e pela hexocinase na maioria
das outras células.
A fosforilação da glicose é quase totalmente
irreversível, excepto nas células hepáticas, nas células epiteliais tubulares
renais e nas células epiteliais intestinais. Nessas células, outra enzima, a
glicose-fosfatase, também está disponível, e, quando activada, pode reverter a
reacção. Por conseguinte, na maioria dos tecidos do corpo, a fosforilação serve
para capturar a glicose no interior da célula. Em outras palavras, devido à sua
ligação, quase instantânea, com fosfato, a glicose não se difunde para fora,
excepto nas células especiais, em particular as células hepáticas, que têm
fosfatase.
Após ser absorvida na célula, a glicose pode
ser utilizada, imediatamente, para liberar energia para a célula, ou pode ser
armazenada sob forma de glicogênio, que é um grande polímero de glicose.
Todas as células do organismo têm a
capacidade de armazenar, pelo menos, algum glicogênio; entretanto, algumas
células podem armazená-lo em grande quantidade, sobretudo as células hepáticas,
que são capazes de armazenar até 5 a 8% de seu peso de glicogênio, e as células
musculares, que podem armazenar até 1 a 3% de glicogênio. As moléculas de
glicogênio podem ser polimerizadas até quase todo peso molecular, e o peso
molecular médio é de 5 milhões ou mais. A maior parte do glicogênio precipita
na forma de grânulos sólidos. Essa conversão dos monossacarídeos em um composto
precipitado de alto peso molecular (glicogênio) toma possível o armazenamento
de grande quantidade de carboidratos sem modificar significativamente a pressão
osmótica dos líquidos intracelulares. A presença de altas concentrações de
monossacarídeos solúveis de baixo peso molecular prejudicaria as relações
osmóticas entre os líquidos intracelulares e extra celular.
A glicogénese refere-se ao processo de
formação do glicogênio. As reacções químicas envolvidas são apresentadas na
Fig. 2. Nessa figura, pode-se constatar que a glicose-6- fosfato pode ser
transformada em glicose-1-fosfato; a seguir, esta última é convertida em
uridina-difosfatoglicose, que é, finalmente, convertida em glicogênio. É
necessária várias enzimas específicas para que essas conversões ocorram, e
qualquer monossacarídeo passível de ser convertido em glicose pode entrar
nessas reações. Alguns compostos menores, incluindo ácido láctico, glicerol,
ácido pirúvico e alguns aminoácidos desaminados, também podem ser convertidos
em glicose, ou em compostos estreitamente relacionados, e, portanto, em
glicogénio.
A glicogenólise refere-se à degradação do glicogénio
armazenado na célula para a nova formação de glicose. A seguir, a glicose pode
ser utilizada para fornecer energia. A glicogenólise não ocorre por reversão
das mesmas reacções químicas que serviram para formar o glicogênio; na verdade,
cada molécula sucessiva de glicose, em cada ramificação do polímero de
glicogénio, é clivada por um processo de fosforilação, catalisado pela
enzimafos forilase.
Em condições de repouso, a fosforilase
encontra-se em forma inactiva, de modo que O glicogénio permanece armazenado.
Quando surge a necessidade de nova formação de glicose a partir do glicogénio,
a fosforilase deve ser ativada inicialmente. Esse processo pode ocorrer de diversas
maneiras, incluindo duas, que são descritas a seguir.
Figura 4: Reacções
químicas da glicogênese e da glicogenólise, mostrando, também, as interconversões
entre a glicose do sangue e o glicogênio hepático. (A fosfatase necessária para
a liberação da glicose da célula é encontrada nas células hepáticas.
Dois hormónios, a epinefrina e o glucagon,
podem activar, especificamente, a fosforilase e, portanto, resultar em
glicogenólise rápida. O efeito inicial de cada um desses hormônios consiste em
promover a formação de AMP cíclico nas células. A seguir, essa substância
desencadeia uma cascata de reacções químicas que activa a fosforilase. Esse
processo é discutido de modo pormenorizado no Cáp 78.
A epinefrina é liberada pela medula
supra-renal quando o sistema nervoso simpático é estimulado. Por conseguinte,
uma das funções do sistema nervoso simpático consiste em aumentar a
disponibilidade de glicose para o rápido metabolismo enerco. Essa função da
epinefrina ocorre, principalmente, nas células hepáticas e no músculo,
contribuindo, juntamente com outros efeitos da estimulação simpática, para a
preparação do corpo para a acção.
O glucagon é um hormônio secretado pelas
células alfa do pâncreas quando o nível de glicemia cai para valores muito
baixos. Esse hormônio estimula a formação de AMP cíclico principalmente nas
células hepáticas, o que, por sua vez, promove a conversão do glicogénio hepático
em glicose e sua liberação para o sangue circulante, com a conseqüente elevação
dos níveis da glicemia.
Como a oxidação completa de 1 molécula-grama
de glicose libera 686.000 calorias de energia, e visto que são necessárias
apenas 12.000 calorias para formar uma molécula-grama de ATP, ocorreria grande
desperdício de energia se a glicose fosse imediatamente decomposta em água e
dióxido de carbono para formar apenas uma só molécula de ATP. Felizmente, todas
as células do corpo contêm enzimas especiais que permitem a clivagem gradativa
da molécula de glicose, uma parte de cada vez, em numerosas etapas sucessivas,
sendo a energia liberada em pequenas quantidades para formar uma molécula de
ATP de cada vez, com a formação de 38 moles de ATP, ao todo, para cada mol de
glicose metabolizado pelas células.
O propósito das secções subsequentes é
descrever os princípios básicos dos processos pelos quais a molécula de glicose
é, progressivamente, dissecada e a sua energia liberada, para formar ATP.
Sem dúvida a maneira mais importante pela
qual a molécula de glicose libera energia consiste no processo da glicôlise. A
seguir, os produtos finais da glicólise são oxidados para fornecer energia. A
glicólise refere-se à clivagem da molécula de glicose para formar duas
moléculas de ácido pirúvico. Esse processo ocorre em 10 etapas sucessivas de
reacções químicas, conforme ilustrado na Fig. 4. Cada etapa é catalisada, pelo
menos, por uma enzima·específica. Convém observar que a glicose é,
inicialmente, convertida em frutose-1-6 difosfato e, a seguir, clivada em duas
moléculas de três carbonos, o gliceraldeído-3-fosfato, sendo cada uma delas
convertida em ácido pirúvico através de cinco etapas adicionais.
Apesar das várias reacções químicas na via
glicolítica, apenas pequena parte da energia livre na molécula de glicose é
liberada na maioria das etapas. Todavia, entre as etapas do ácido
1,3-difosfoglicérico e do ácido 3-fosfoglicérico, bem como entre as etapas do
ácido fosfoenolpirúvico e do ácido pínívíco, os pacotes liberados de energia
são superiores a 12.000 calorias por mol, a quantidade necessária para a
formação de ATP, sendo as reacções acopladas de modo a formar ATP. Por
conseguinte, para cada moI de frutose-1,6-difosfato que é clivado em ácido
pirúvico, formam-se, ao todo, 4 moles de ATP.
Ainda assim, são necessários 2 moles de ATP
para fosforilar a glicose original na formação de frutose-1,6-difosfato para
que a glicólise possa ser iniciada. Por conseguinte, o ganho efectivo de
moléculas de ATP em todo o processo glicolítico é de apenas 2 moles para cada
mol de glicose utilizado. Isso corresponde a 24.000 calorias de energia
transferidas para o ATP; entretanto, durante a glicólise, ocorre perda total de
56.000 calorias a partir da glicose original, de modo que a eficiência global
para a formação de ATP é de apenas 43%. Os 57% restantes de energia são
perdidos em forma de calor.
Figura 5: Sequência
e reacções químicas responsáveis pela glicólise.
A próxima etapa na degradação da glicose é a
conversão, em duas etapas, das duas moléculas de ácido pirúvico mostradas na
Fig. 5. em duas moléculas de acetil-coenzima A (acetil-Co.A), de acordo com a
seguinte reacção:
0
II
2CH3-C-COOH + 2CoA-SH
(Ácido pirúvico) (Coenzima A)
0
II
2CH3-C-S-CoA + 2C02 + 4H
(Acetil-CoA)
A partir dessa reacção, pode-se verificar que
ocorre a liberação de duas moléculas de dióxido de carbono e quatro átomos de
hidrogênio, enquanto as porções remanescentes das duas moléculas do ácido
pirúvico combinam-se com a coenzima A, derivada do ácido pantotênico, para
formar duas moléculas de acetil-CoA. Nessa conversão, não há formação de ATP;
entretanto, são formadas até seis moléculas de ATP quando os quatro átomos de
hidrogênio liberados são posteriormente oxidados, conforme discutido adiante.
A próxima etapa na degradação da molécula de
glicose é conhecida como ciclo do ácido cítrico (também denominado ciclo do
ácido tricarboxilico, ou ciclo de Krebs). Trata-se de uma seqüência de reações
químicas nas quais a porção acetil da acetil-CoA é degradada a dióxido de
carbono e átomos de hidrogénio. Todas essas reacções ocorrem na matriz das
mitocôndrias. Os átomos de hidrogénio liberados contribuem para o número desses
átomos, que serão, subsequentemente, oxidados, conforme discutido adiante,
liberando enorme quantidade de energia para formar ATP.
A Fig. 5 mostra as diferentes etapas das
reacções químicas do ciclo do ácido cítrico. As substâncias à esquerda são
adicionadas durante as reacções químicas, e os produtos das reacções são
mostrados à direita.
Observe que, na parte superior da coluna, o
ciclo começa com o ácido oxaloacético, ao passo que, na parte inferior da
cadeia de "reacções, forma-se, mais uma vez, ácido oxaloacético. Dessa
maneira, o ciclo pode prosseguir indefinidamente.
Na etapa inicial do ciclo do ácido cítrico, a
acetil-CoA combina-se com o ácido oxaloacético para formar ácido cítrico. A
porção coenzima A da acetil-CoA é liberada e pode ser utilizada, repetidamente,
para a formação de quantidades ainda maiores de acetil-CaA, a partir do ácido
pirúvico. Todavia, a porção acetil passa a constituir parte integrante da
molécula do ácido cítrico. Durante as etapas sucessivas do ciclo do ácido cítrico,
são adicionadas várias moléculas de água, conforme mostrado à esquerda da
figura, e ocorre liberação de dióxido de carbono e de átomos de hidrogénio em
várias etapas do ciclo, conforme ilustrado à direita da figura.
O resultado final de todo o ciclo do ácido
cítrico é apresentado na explicação existente na parte inferior da Fig. 5,
mostrando que, para cada molécula de glicose originalmente metabolizada, duas
moléculas de acetil-CoA entram no ciclo do ácido cítrico, juntamente com seis
moléculas de água. Essas moléculas são, então, degradadas em quatro moléculas
de dióxido de carbono, 16 átomos de hidrogénio e 2 moléculas de coenzima A.
Além disso, são formados dois átomos de ATP, conforme descrito a seguir.
Não há liberação de grande quantidade de
energia durante o ciclo do ácido cítrico em si; em apenas uma das reacções
químicas - durante a transformação do ácido cetoglutárico em ácido succínico -
forma-se uma molécula de ATP. Por conseguinte, para cada molécula de glicose
metabolizada, duas moléculas de acetil-CoA passam pelo ciclo do ácido cítrico,
formanda cada uma delas, uma molécula de ATP; ao todo, são formadas duas
moléculas de ATP.
Conforme assinalado anteriormente em vário
pontos dessa discussão, ocorre liberação de átomos de hidrogénio durante
diversas reacções químicas do ciclo do ácido cítrico - quatro átomos de hidrogénio
durante a glicólise, quatro durante a formação de acetil-CoA, a partir do ácido
pirúvico, e 16 no ciclo do ácido cítrico, o que corresponde ao total de 24
átomos de hidrogênio para cada molécula original de glicose. Entretanto, os
átomos de hidrogénio não são, simplesmente, deixados soltos no líquido
intracelular. Com efeito, são liberados em pacotes de dois, e, em cada caso,
essa liberação é catalisada por uma enzima específica, denominada
desidrogenase. Vinte dos 24 átomos de hidrogénio combinam-se, imediatamente,
com a nicotinamida-adenina-dinucleotídeo (NAD+), um derivado da vitamina
niacina, de acordo com a seguinte reação:
H
Subtrato + NAD+ desidrogenase
H
NADH + H+ +
Sustrato
Essa reacção não ocorre sem a intermediação
da desidrogenase específica, nem na ausência de NAD+, para actuar
como transportador de hidrogénio. Tanto o íon hidrogénio livre quanto o
hidrogénio ligado ao NAD+ entram, subsequentemente, em múltiplas reacções
químicas oxidativas, que formam enormes quantidades de ATP, conforme discutido
adiante.
Figura 6: Reacções
químicas do ciclo do ácido cítrico, mostrando a liberação de dióxido de carbono
e de certo número de átomos de hidrogénio durante o ciclo.
Os quatro átomos de hidrogénio restantes,
liberados durante a degradação da glicose - durante o ciclo do ácido cítrico,
entre as etapas do ácido succínico e do ácido fumárico -, combinam-se com
desidrogenase específica, porém não são, subsequentemente, liberados para o
NAD+. Em vez disso, passam directamente da desidrogenase para o processo
oxidativo.
Voltando, novamente, às reacções químicas do
ciclo do ácido cítrico, bem como às reacções envolvidas na formação de
acetil-CoA a partir do ácido pinivico, verificamos que existem três etapas nas
quais ocorre liberação de dióxido de carbono. Para ocasionar a liberação de
dióxido de carbono, outras enzimas específicas, denominadas descarboxilases,
clivam o dióxido de carbono do substrato, Por sua vez, o dióxido de carbono
dissolve-se nos líquidos corporais e, a seguir, é transportado até os pulmões,
por onde é eliminado do organismo (ver Cap.40).
A despeito de todas as complexidades (1) da
glicólise, (2) do ciclo do ácido cítrico, (3) da desidrogenação e (4) da
descarboxilação, são formadas quantidades extremamente pequenas de ATP durante
todos esses processos - apenas duas moléculas de ATP na glicólise e outras duas
no ciclo do ácido cítrico para cada molécula de glicose metabolizada.
Com efeito, quase 90% do ATP total formado
durante o metabolismo da glicose são produzidos durante a oxidação subsequente
dos átomos de hidrogénio que são liberados durante as etapas iniciais da
degradação da glicose. Na verdade, a principal função de todas essas etapas
iniciais consiste em tornar o hidrogénio da molécula de glicose disponível em
formas passíveis de serem oxidadas.
Conforme ilustrado na Fig. 6, a oxidação do
hidrogénio é efectuada por uma série de reações, catalisadas por enzimas, nas
mitocôndrias que (1) clivam cada átomo de hidrogênio em um íon hidrogénio e um
electrão e (2) utilizam, eventualmente, os electrões para combinar o oxigênio
dissolvido dos líquidos com moléculas de água, formando íons hidroxilo. A
seguir, os íons hidrogénio e hidroxilo combinam-se uns com os outros para
formar água. Durante essa sequência de reacções oxidativas, verifica-se a
liberação de quantidade enorme de energia para formar ATP. A formação de ATP
por esse processo é denominada fasforilação oxidativa. Todo o processo ocorre
nas mitocôndrias, por mecanismo altamente especializado denominado mecanismo quimiosmótico.
Mecanismo Quimiosmótico das Mitocôndrias na Formação
de ATP
A primeira etapa da fosforilação oxidativa
nas mitocôndrias consiste em ionizar os átomos de hidrogénio que foram
removidos dos substratos alimentares. Conforme descrito anteriormente, esses
átomos de hidrogénio são removidos aos pares: um deles torna-se, imediatamente,
um íon hidrogénio, H+, enquanto o outro se combina com NAD+ para formar NADH. A
porção superior da Fig.6 mostra, em cor, o destino subsequente do NADH e do H+.
O efeito inicial consiste na liberação de outro átomo de hidrogênio do NADH
para formar outro íon hidrogénio, H+; esse processo também reconstitui o NAD+,
que é reutilizado repetidamente.
Os electrões que são removidos dos átomos de
hidrogénio para produzir ionização entram, imediatamente, na cadeia de
transporte de aceptores de electrões, que constitui parte integrante da
membrana interna (membrana da crista) da mitocôndria. Os aceptores de electrões
podem ser, reversivelmente, reduzidos, ou oxidados, ao captarem, ou cederem,
electrões. Os membros importantes dessa cadeia de transporte de electrões
incluem flavoproteína, várias proteínas contendo sulfeto de ferro, ubiquinona e
citocromos B, C, C, A e A3. Cada electrão passa de um desses
aceptores para o próximo, até atingir, finalmente, o citocromo A3, denominado
citocromo-oxidase, em virtude de sua capacidade, ao doar dois elétrons, de reduzir
o oxigénio elementar para formar oxigénio iónico, que se combina, então, com
íons hidrogénio para formar água.
Assim, a Fig.6 mostra o transporte de electrões
ao longo da cadeia de electrões e, a seguir, seu uso final pela
citocrorno-oxidase na formação de moléculas de água. Durante o transporte
desses electrões pela cadeia de transporte de electrões, ocorre liberação de
energia, que é utilizada na síntese de ATP, conforme descrito a seguir.
Figura 7: Mecanismo
quimiosmótico mitocondrial da fosforilação oxidativa para a formação de grande
quantidade de ATP. Essa figura mostra a relação das etapas oxidativa e de
fosforilação das membranas externa e interna da mitocôndria.
À medida que os electrões passam pela cadeia
de transporte de electrões, ocorre a liberação de grande quantidade de energia.
Essa energia é utilizada para bombear íons hidrogénio da matriz interna da
mitocôndria para a câmara externa, entre as membranas mitocondriais interna e
externa (à esquerda). Esse processo gera elevada concentração de íons
hidrogénio de carga positiva nessa câmara e também cria forte potencial
eléctrico negativo na matriz interna.
A etapa seguinte da fosforilação oxidativa
consiste em converter o ADP em ATP. Esse processo ocorre em conjunção com
grande molécula protéica, que faz protrusão através de toda a membrana rnitocondrial
interna, projectando-se na matriz interna sob a forma de cabeça arredondada.
Essa molécula é uma ATPase, cuja natureza física é ilustrada na Fig.6. É
denominada A TP-sintetase. A elevada concentração de íons hidrogénio com carga
positiva na câmara externa e a grande diferença de potencial eléctrico através
da membrana interna determinam o fluxo de íons hidrogénio para o interior da
matriz mitocondrial, através da substância da molécula de ATPase. Ao fazer
isso, a energia derivada desse fluxo de íons hidrogénio é utilizada pela ATPase
para converter o ADP em ATP através da combinação do ADP com um radical fosfato
iônicolivre (Pi), adicionando, assim, outra ligação de fosfato de alta energia
à molécula.
A etapa final do processo consiste na
transferência do ATP do interior da mitocôndria de volta para o citoplasma.
Esse processo ocorre por difusão facilitada através da membrana interna e, a
seguir, por difusão simples através da membrana mitocondrial externa permeável.
Por sua vez, o ADP é continuamente transferido na outra direcção para sua
conversão contínua em ATP.
Para cada dois electrões que passam por toda
a cadeia de transporte de electrões (representando a ionização de dois átomos
de hidrogénio), são sintetizadas até três moléculas de ATP.
Neste momento, já podemos determinar o número
total de moléculas de ATP que, em condições óptimas, podem ser formadas a
partir da energia de uma molécula de glicose.
1.
Durante
a glicólise, são formadas quatro moléculas de ATP, enquanto ocorre consumo de
duas para fosforilação inicial da glicose, a fim de iniciar o processo. Isso
leva a um ganho efetivo de duas moléculas de ATP.
2.
Durante
cada volta do ciclo do ácido cítrico, forma-se uma molécula de ATP. Entretanto,
como cada molécula de glicose é clivada em duas moléculas de ácido pirúvico,
ocorrem duas voltas do ciclo para cada molécula de glicose metabolizada, com a
produção final de duas moléculas a mais de ATP.
3.
Durante
todo o processo de degradação da glicose, verifica-se a liberação total de 24
átomos de hidrogénio durante a glicólise e o ciclo do ácido 'cítrico. São
oxidados 20 desses átomos, juntamente com o mecanismo quimiosmótico ilustrado
na Fig. 6, com liberação de três moléculas de ATP para cada dois átomos de
hidrogénio metabolizado. Esse processo produz 30 moléculas de ATP.
Os quatro átomos de hidrogénio restantes são
liberados pela sua desidrogenase no esquema oxidativo quimiosmótico da
mitocôndria, depois da primeira etapa na Fig. 6, de modo que, para esses quatro
átomos de hidrogénio são, habitualmente, liberadas duas moléculas de ATP para
cada dois átomos de hidrogénio oxidados, produzindo um total de mais quatro
moléculas de ATP.
Somando todas essas moléculas de ATP
formadas, obtemos o número máximo de 38 moléculas de ATP, formadas para cada
molécula de glicose degradada a dióxido de carbono e água. Por conseguinte,
podem ser armazenadas 456.000 calorias de energia sob forma de ATP, enquanto
são liberadas 686.000 calorias durante a oxidação completa de cada
molécula-grama de glicose. Isso representa eficácia global máxima de
transferência de energia de 66%. Os 34% restantes da energia transformam-se em
calor e, portanto, não podem ser utilizados pelas células para desempenhar
funções específicas.
Controle da Liberação de Energia a partir do
Glicogénio Armazenado Quando o Organismo Necessita de Energia Adicional: Efeito
das Concentrações de ATP e de ADP na Célula para o Controle da Velocidade da
Glicólise
A liberação contínua de energia pela glicose
quando não há necessidade de energia para as células seria um processo
extremamente desperdiçador. Na verdade, a glicólise e a oxidação subsequente
dosátomos de hidrogénio são controladas continuamente, de acordo com as
necessidades de ATP das células. Esse controlo é efectuado por meio de
múltiplos mecanismos de controlo de feedback nos sistemas químicos. Entre os
mais importantes desses mecanismos destacam-se os efeitos das concentrações
celulares de ADP e ATP no controle da velocidade das reacções químicas na
sequência do metabolismo energético.
Uma maneira importante pela qual o ATP ajuda
a controlar o metabolismo energético consiste em provoca inibição da enzima
fosfofrutocinase. Como essa enzima promove a formação de frutose-1,6-difosfato,
que é uma das etapas iniciais da série de reacções glicoliticas, o efeito final
do excesso de ATP celular é, portanto, reduzir a velocidade ou, até mesmo,
interromper a glicólise, o que, por sua vez, interrompe a maior parte do
metabolismo dos carboidratos. Por outro lado, o ADP (bem como o AMP) produz
alteração oposta nessa enzima, aumentando acentuadamente sua actividade. Por
conseguinte, toda vez que o ATP for utilizado pelos tecidos para energizar uma
fracção importante de quase todas as reacções químicas intracelulares, isso
reduz a inibição da enzima fosfofrutocinase pelo ATP e, ao mesmo tempo, aumenta
sua actividade em consequência da formação de ADP em excesso. Como resultado, o
processo glicolítico é desencadeado. Em pouco tempo, ocorre reposição da
reserva celular total de ATP.
Outro ponto de controlo é o íon citrato,
formado no ciclo do ácido cítrico. A presença desse íon em excesso também inibe
fortemente a fosfofrutocinase, impedindo, assim, que o processo glicolítico
prossiga e supere a capacidade do ciclo do ácido cítrico de utilizar o ácido
pinivico formado durante a glicólise.
Um terceiro mecanismo pelo qual o sistema de
ATP-ADP-AMP controla o metabolismo dos carboidratos, bem como a liberação de
energia das gorduras e das proteínas, é o seguinte: retomando às várias
reacções químicas para a liberação de energia, podemos verificar que, se todo o
ADP da célula já tiver sido convertido em ATP, simplesmente não pode ocorrer
formação adicional de ATP. Por conseguinte, toda a sequência para o uso dos
alimentos - glicose, lipídios e proteínas - na formação de ATP é interrompida.
A seguir, quando o ATP é utilizado para energizar as diferentes funções
fisiológicas na célula, o ADP e o AMP resultantes, recém-formados, activam
novamente os processos energéticos, de modo que tanto o ADP quanto o AMP
retomam quase instantaneamente ao estado de ATP. Dessa maneira, o organismo
mantém, automaticamente, durante todo o tempo, reserva essencialmente completa
de ATP, excepto durante a actividade celular extrema, como a que pode ocorrer
durante o exercício físico intenso.
Por vezes, o oxigénio deixa de ser disponível
ou toma-se insuficiente, impedindo, assim, a ocorrência da fosforilação
oxidativa. Contudo, mesmo nessas condições, pequena quantidade de energia ainda
pode ser liberada pelas células através da degradação de carboidratos pela
glicólise, uma vez que as reacções químicas na degradação glicolitica da
glicose a ácido pirúvico não necessitam de oxigénio. Esse processo desperdiça
quantidade enorme de glicose, visto que são utilizadas apenas 24.000 calorias
de energia para formar ATP para cada molécula de glicose metabolizada, o que
representa pouco mais de 3% da energia total da molécula de glicose.
Entretanto, essa liberação de energia glicolitica para as células, que é
denominada energia anaeróbica, pode constituir medida capaz de salvar a vida
durante alguns minutos, quando o oxigénio não está disponível.
A lei da acção das massas estabelece que, à
medida que os produtos finais de uma reacção química acumulam-se no meio
reagente, a velocidade da reacção aproxima-se de zero. Os dois produtos finais
das reacções glicolíticas (ver Fig. 4) são (1) o ácido pirúvico e (2) átomos de
hidrogénio combinados com NAD+ para formar NADH e H+. O acúmulo de cada um
desses produtos, ou de ambos, interromperia o processo glicolítico e impediria
a formação subseqüente de ATP. Quando suas quantidades começam a ficar
excessivas, esses dois produtos finais reagem entre si, para formar ácido
láctico, de acordo com a seguinte equação:
O
II
CH3-C-COOH
+ NADH + H+
(Ácido pirúvico)
OH
I
CH3 -C-COOH + NAD+
I
H
(Ácido láctico)
Por conseguinte, em condições anaeróbicas, a
maior parte do ácido pirúvico é convertida em ácido láctico, que passa por
rápida difusão das células para o líquido extra-celular e, até mesmo, para o
líquido intracelular de outras células menos activas. Por conseguinte, o ácido
láctico representa um tipo de "escoadouro", no qual os produtos
finais da glicólise podem desaparecer, permitindo, assim, que a glicólise
prossiga por mais tempo do que normalmente seria possível. Com efeito, a
glicólise só poderia continuar por alguns segundos se não ocorresse essa
conversão. Na verdade, ela pode prosseguir por vários minutos, fornecendo ao
organismo quantidades consideráveis de ATP, mesmo na ausência de oxigénio
respiratório.
2.5.15 Reconversão do Ácido Láctico em Ácido Pirúvico, Quando o Oxigênio,
Novamente, Fica Disponível
Quando o indivíduo começa, novamente, a
respirar oxigénio depois de um período de metabolismo anaeróbico, o ácido
láctico é rapidamente convertido em ácido pirúvico e NADH mais H+. Grandes
porções são, imediatamente, oxidadas para formar quantidade abundante de ATP. A
seguir, esse excesso de ATP faz com que três quartos do ácido pirúvico
remanescente sejam reconvertidos em glicose.
Por conseguinte, a grande quantidade de ácido
láctico que se forma durante a glicólise anaeróbica não se perde no organismo,
visto que, quando o oxigénio, novamente, se toma disponível, o ácido láctico
pode ser reconvertido em glicose ou utilizado directamente para energia. Sem
dúvida, a maior parte dessa reconversão ocorre no fígado, embora pequena
quantidade também possa ocorrer em outros tecidos.
O músculo cardíaco tem a capacidade
particular de converter o ácido láctico em ácido pirúvico, utilizando-o para
obter energia. Isso ocorre, em grande parte, durante o exercício físico
vigoroso, em que são liberadas grandes quantidades de ácido láctico no sangue a
partir dos músculos esqueléticos; a seguir, esse ácido láctico é consumido como
fonte adicional de energia pelo coração.
Embora, em quase todos os músculos do corpo,
praticamente todos os carboidratos utilizados para energia sejam degradados a
ácido pirúvico pela glicólise e, a seguir, oxidados, a via glicolítica não
representa a única maneira pela qual a glicose pode ser degradada e utilizada
para suprimento de energia. Um segundo mecanismo importante para a degradação e
a oxidação da glicose é denominado via da pentose-fosfato (ou via do
fosfogliconato), que é responsável por até 30% da degradação da glicose no
fígado e por valor ainda maior nas células adiposas. Trata-se de uma via de
suma importância, visto que"pode fornecer energia independentemente de
todas as enzimas do ciclo do ácido cítrico, constituindo, portanto, via
alternativa para o metabolismo energético quando ocorrem certas anormalidades
enzimáticas nas células. Além disso,tem a capacidade especial de fornecer
energia aos múltiplos sistemas de síntese celular, como veremos adiante.
A Fig. 7 mostra a maioria das reacções
químicas básicas da via da pentose-fosfato. Demonstra que a glicose, durante
várias etapas de conversão, libera uma molécula de dióxido de carbono e quatro
átomos de hidrogénio, com a consequente formação de um açúcar de cinco
carbonos, a D-ribulose. Por sua vez, esse açúcar pode transformar-se,
progressivamente, em vários outros açúcares de cinco, quatro, sete e três
carbonos. Por fim, diversas combinações desses açúcares podem levar a nova síntese
de glicose. Entretanto, apenas cinco moléculas de glicose são novamente
sintetizadas para cada seis moléculas de glicose que inicialmente entram nessas
reacções. Em outras palavras, a via da pentose-fosfato é um processo cíclico,
em que uma molécula de glicose é metabolizada para cada volta do ciclo. Por
conseguinte, através das voltas repetidas do ciclo, toda a glicose pode acabar
sendo convertida em dióxido de carbono e em hidrogénio; por sua vez, o
hidrogénio pode entrar na via de fosforilação oxidativa para a formação de ATP
ou, com mais frequência, ser utilizado para a síntese de gordura ou de outras
substâncias, conforme descrito adiante.
O hidrogénio liberado durante o ciclo da
pentose-fosfato não se combina com NAD+, como ocorre na via glicolítica, mas
com o fosfato de nicotinamida-adenina-dinucleotídeo (NADP+), que é quase
idêntico ao NAD+, à excepção de um radical fosfato adicional (P). Essa diferença
é extremamente significativa, visto que apenas o hidrogénio ligado ao NADP+ sob
a forma de NADPH pode ser utilizado para a síntese de lipídicos a partir dos
carboidratos, bem como para a síntese de algumas outras substâncias. Quando a
via glicolítica para a utilização de glicose toma-se lenta devido à
inactividade celular, a via da pentose-fosfato permanece operante
(principalmente no fígado) para degradar qualquer excesso de glicose
transportada para o interior das células. O NADPH toma-se abundante para ajudar
a conversão da acetil- CoA, também derivada da glicose, em ácidos graxos de
cadeia longa. Trata-se de outro meio pelo qual a energia armazenada na molécula
de glicose é utilizada, além da formação de ATP - nesse caso, para a formação e
o armazenamento de gordura no corpo.
Figura 8: Via da
pentose-fosfato para o metabolismo da glicose.
Quando não há necessidade imediata de glicose
para energia, a glicose adicional que penetra continuamente nas células é
armazenada sob a forma de glicogénio, ou convertida em gordura. A glicose é, de
preferência, armazenada como glicogénio até que as células tenham armazenado o
máximo possível de glicogénio - a quantidade suficiente para suprir as
necessidades energéticas do organismo durante apenas 12 a 24 horas. Quando as
células de armazenamento de glicogénio (principalmente as células hepáticas e
musculares) aproximam-se do nível de saturação do glicogénio, a glicose
adicional é convertida em gordura no fígado e nas células adiposas, e
armazenada como gordura nas células adiposas.
Quando as reservas de carboidratos do
organismo diminuem abaixo do normal, pode haver formação de quantidade moderada
de glicose a partir de aminoácidos e do glicerol da gordura. Esse processo é
denominado gliconeogénese.
Cerca de 60% dos aminoácidos nas proteínas
corporais podem ser facilmente convertidos em carboidratos; os 40% restantes
têm configurações químicas que dificultam, ou impossibilitam, esse processo.
Cada aminoácido é convertido em glicose por um processo químico ligeiramente
diferente. Por exemplo, a alanina pode ser convertida directamente em ácido
pirúvico simplesmente por desaminação; a seguir, o ácido pirúvico é convertido
em glicose, ou em glicogénio armazenado. Vários dos aminoácidos mais
complicados podem ser convertidos em diferentes açúcares que contêm três,
quatro, cinco ou sete átomos de carbono; a seguir, eles podem entrar na via do
fosfogliconato e, eventualmente, formar glicose. Por conseguinte, através do
processo de desarninação e de várias inter-conversões simples, muitos dos
aminoácidos podem ser transformados em glicose. Inter-conversões semelhantes podem
transformar o glicerol em glicose, ou em glicogénio.
A diminuição dos carboidratos nas células e a
redução do nível da glicemia constituem estímulos básicos que aumentam a
gliconeogénese. A diminuição dos carboidratos pode provocar, directamente, a
reversão de muitas das reacções da glicose e da via do fosfogliconato,
permitindo assim a conversão de aminoácidos desaminados e de glicerol em
carboidratos. Além disso, o harmónio cortisol é particularmente importante
nessa regulação, como veremos adiante.
Quando as células não, dispõem de quantidades
normais de carboidratos, a adeno-hipófise, por razões que ainda não estão
totalmente esclarecidas, começa a secretar quantidade aumentada do harmónio
corticotropina. Esse harmónio estimula o córtex supra-renal a produzir grande
quantidade de harmónios glicocorticóides, particularmente o cortisol. Por sua
vez, o cortisol mobiliza proteínas de, praticamente, todas as células do corpo,
tomando-as disponíveis, sob a forma de aminoácidos, nos líquidos corporais.
Elevada proporção desses aminoácidos passa por desaminação imediata no fígado,
fornecendo substratos ideais para a conversão em glicose. Por conseguinte, um
dos meios mais importantes pelos quais a gliconeogénese é promovida é através
da liberação de glicocorticóides pelo córtex-supra-renal.
A concentração normal de glicose no sangue de
indivíduo que ainda não se alimentou durante 3 a 4 horas é de cerca de 90
mg/dl. Depois de uma refeição contendo grande quantidade de carboidratos, a
glicernia rara- mente ultrapassa 140 mg/dl, a não ser que o indivíduo tenha
diabete melito.
A regulação do nível de glicemia está
intimamente relacionada aos harmónios pancreáticos insulina ou glucagon; que
trata das funções desses harmónios.
Diversos compostos químicos nos alimentos e
no organismo são classificados como lipídios. Incluem (1) as gorduras neutras,
também conhecidas como triglicerídeos; (2) os fosfolipídios; (3) o colesterol;
e (4) algumas outras substâncias de menor importância. Do ponto de vista
químico, os componentes lipídicos básicos dos triglicerídeos e dos
fosfolipídios são os ácidos graxos, que consistem, simplesmente, em ácidos
orgânicos hidrocarbonados de cadeia longa. Um ácido graxo típico, o ácido
palmítico, tem a seguinte fórmula:
CH3(CH2)14COOH
Apesar de o colesterol não conter ácido
graxo, seu núcleo esterol é sintetizado a partir de porções de moléculas de
ácidos graxos, conferindo-lhe, assim, muito das propriedades físicas e químicas
de outras substâncias lipídicas.
Os triglicerídeos são utilizados no organismo
principalmente para fornecer energia aos diferentes processos metabólicos; essa
função é, quase igualmente, compartilhada com os carboidratos. Entretanto,
alguns lipídios, sobretudo o colesterol, os fosfolipídios e pequenas
quantidades de triglicerídeos, são utilizados em todo o organismo para formar as
membranas de todas as células e para desempenhar todas as funções celulares.
Como a maior parte deste capítulo trata da
utilização dos triglicerídeos para a obtenção de energia, é necessário
compreender a seguinte estrutura típica da molécula de triglicerídeo.
Observe que três moléculas de ácido graxo de
cadeia longa estão ligadas à molécula de glicerol. No organismo humano, os três
ácidos graxos mais comummente encontrados nos triglicerídeos são: (1) o ácido
esteárico (ilustrado no exemplo da tristearina), que tem cadeia de 18 carbonos
totalmente saturada com átomos de hidrogénio; (2) o ácido oléico, que também
tem cadeia de 18 carbonos, porém com dupla ligação na metade da cadeia; e (3) o
ácido palmítico, com cadeia de 16 átomos de carbono totalmente saturada.
Quase todas as gorduras da dieta, com
principal excepção de alguns ácidos graxos de cadeia curta, são absorvi das do
intestino para a linfa. Durante a digestão, os triglicerídeos são, em sua
maioria, desdobrados em monoglicerídeos e ácidos graxos. A seguir, ao passarem
pelas células epiteliais do intestino, os monoglicerídeos e os ácidos graxos
são ressintetizados em novas moléculas de triglicerídeos, que penetram na linfa
sob a forma de diminutas gotícuIas dispersas, denominadas quilomicrons, cujo
diâmetro é de 0,08 a 0,6 mícrones. Ocorre adsorção de pequena quantidade da
proteína apoproteína B sobre a superfície externa dos quilomícrons. Em consequência,
as demais moléculas de proteína projetam-se para a água circundante, o que
aumenta a estabilidade de suspensão dos quilomícrons na linfa e impede sua
aderência às paredes dos vasos linfáticos.
Além disso, o colesterol e os fosfolipídios
absorvidos pelo trato gastrintestinal penetram, em sua maioria, nos
quilomícrons. Por conseguinte, apesar de serem compostos, principalmente de
triglicerídeos, os quilomícrons também contêm cerca de 9% de fosfolipídios, 3%
de colesterol e 1% de apoproteína B. Os quilomícrons são, então, transportados pelo
dueto torácico e desaguam no sangue venoso circulante, na junção das veias
jugular e subclávia.
Cerca de I hora após refeição contendo grande
quantidade de gordura, a concentração plasmática dos quilomícrons pode atingir
valores de 1 a 2% do plasma total; devido ao grande tamanho desses
quilomícrons, o plasma adquire aspecto turvo e, algumas vezes, amarelado.
Entretanto, os quilomícrons têm meia-vida de menos de 1hora, de modo que o
plasma readquire sua transparência em poucas horas. A gordura dos quilomícrons
é removida, principalmente, da seguinte maneira.
Os quilomícrons são, em sua maior parte,
removidos do sangue circulante à medida que passam pelos capilares do tecido
adiposo e/uo tio fígado. Tanto o tecido adiposo quanto o fígado contêm grande
quantidade da enzima denominada lipoproteína lipase. Essa enzima é,
particularmente, activa no endotélio capilar, onde hidrolisa os triglicerídeos
dos quilomícrons quando entram em contacto com a parede endotelial, com a
consequente liberação de ácidos graxos e glicerol. Os ácidos graxos, por serem
altamente miscíveis com as membranas celulares, difundem-se, imediatamente,
para as células do tecido adiposo e para as células hepáticas. Uma vez no
interior dessas células, os ácidos graxos são ressintetizados em
triglicerídeos, e o novo glicerol é obtido dos processos metabólicos das
células de armazenamento, conforme discutido adiante, neste capítulo. A lipase
também causa hidrólise dos fosfolipídios, liberando ácidos graxos que são
armazenados nas células pelo mesmo mecanismo.
Para que a gordura que foi armazenada no
tecido adiposo seja utilizada em outras partes do corpo, ela deve ser,
inicialmente, transportada do tecido adiposo para outros tecidos. Esse
transporte é efectuado, principalmente, sob a forma de ácidos graxos livres,
produzidos por hidrólise dos triglicerídeos em ácidos graxos e glicerol. Pelo
menos duas classes de estímulos desempenham papéis importantes na promoção
dessa hidrólise. Em primeiro lugar, quando a disponibilidade de glicose para a
célula adiposa fica muito baixa, um de seus produtos de degradação, o
a-glicerofosfato, também cai para níveis muitos baixos.
Como essa substância é necessária para manter
o glicerol dos triglicerídeos, o resultado consiste em hidrólise dos
triglicerídeos. Em segundo lugar, uma lipase celular sensível a harmónio, que
pode ser activada por diversos harmónios das glândulas endócrinas, promove
também a rápida hidrólise dos triglicerídeos. Esse processo é discutido
adiante, neste capítulo.
Ao deixarem as células adiposas, os ácidos
graxos têm forte ionização no plasma, e a porção iónica combina-se
imediatamente com moléculas de albumina das proteínas plasmáticas. O ácido
graxo ligado dessa maneira é denominado ácido graxo livre ou ácido graxo
não-esterificado, para distingui-lo de outros ácidos graxos que ocorrem no
plasma na forma de (1) ésteres de glicerol, (2) colesterol ou (3) outras
substâncias.
A concentração plasmática de ácidos graxos
livres em condições de repouso é de cerca de 15 mg/dl, o que corresponde a um
total de apenas
0,45 grama de ácidos graxos em todo o sistema
circulatório. Mesmo assim, é surpreendente que essa pequena quantidade seja
responsável por quase todo o transporte dos ácidos graxos de determinada parte
do corpo para outra, pelas seguintes razões:
1. Apesar da diminuta
quantidade de ácidos graxos livres no sangue, sua velocidade de "renovação"
é extremamente rápida; metade dos ácidos graxos plasmâticos é substituída por
novos ácidos graxos a cada 2 a 3 minutos. Pode-se calcular que, com essa
velocidade, quase todas as necessidades energéticas normais do organismo podem
ser supridas pela oxidação dos ácidos graxos livres transportados, sem que haja
qualquer utilização de carboidratos, ou de proteínas, para a obtenção de
energia.
2. Todas as condições
capazes de aumentar a velocidade de utilização das gorduras para a energia
celular também elevam a concentração de ácidos graxos livres no sangue; com
efeito, essa concentração aumenta, por vezes, até cinco a oito vezes. Esse
aumento é observado, particularmente, na inanição e na diabete, em que o
indivíduo obtém pouca ou até mesmo nenhuma energia metabólica dos carboidratos.
Em condições normais, apenas cerca de 3
moléculas de ácido graxo combinam-se com cada molécula de albumina; entretanto,
até 30 moléculas de ácidos graxos podem combinar-se com uma mesma molécula de
albumina, quando a necessidade de transporte de ácidos graxos se torna extrema.
Isso mostra até que ponto o transporte dos lipídios podem variar em condições
de diferentes necessidades fisiológicas.
No estado pós-absortivo, após remoção de
todos os quilornícrons do sangue, mais de 95% de todos os lipídios no plasma
encontram-se na forma de lipoproteínas. As lipoproteínas são pequenas
partículas muito menores do que os quilornícrons, porém com composição
qualitativamente semelhante, contendo triglicerideos, colesterol, fosfoliptdios
e proteínas. A concentração total de lipoproteínas no plasma é, em média, de
700 mg por 100 ml de plasma - isto é, 700 mg/dl. Esse valor pode ser
subdividido nos seguintes constituintes individuais das lipoproteínas:
Além dos quilornícrons, que são, eles
próprios, lipoproteínas muito grandes, existem quatro classes principais de
lipoproteínas, classificadas de acordo com suas densidades, medidas por
ultra-centrifugação: (1) lipoproteínas de densidade muito baixa, que contêm
altas concentrações de triglicerídeos e concentrações moderadas de colesterol e
de fosfolipídios; (2) lipoproteínas de densidade intermediária, que são
lipoproteínas de densidade muito baixa, das quais foi removida parte dos
triglicerídeos, com o conseqüente aumentam das concentrações de colesterol e de
fosfolipídios; (3) lipoproteinas de densidade baixa, que derivam de
lipoproteínas de densidade intermediária após remoção de quase todos os
triglicerídeos, deixando concentrações particularmente elevadas de colesterol e
concentrações moderadamente altas de fosfolipídios; e (4) lipoproteínas de alta
densidade, que contêm altas concentrações de proteínas, de cerca de 50%, com
concentrações menores de colesterol e de fosfolipídios.
Quase todas as lipoproteínas são formadas no
fígado, onde ocorre, também, a síntese da maior parte do colesterol, dos
fosfolipídios e dos triglicerídeos plasmáticos. Além disso, são sintetizadas
pequenas quantidades de lipoproteínas de alta densidade, no epitélio
intestinal, durante a absorção de ácidos graxos pelo intestino.
A principal função das lipoproteínas consiste
em transportar seus componentes lipídicos no sangue. As lipoproteínas de
densidade muito baixa transportam triglicerídeos sintetizados no fígado
principalmente para o tecido adiposo, enquanto as outras lipoproteínas são
especialmente importantes nas diferentes etapas do transporte de fosfolipídios
e do colesterol do fígado para os tecidos periféricos, ou da periferia para o fígado.
Mais adiante, neste capítulo, consideraremos de modo mais detalhado certos
problemas especiais do transporte de colesterol em relação à doença conhecida
como aterosclerose.
A gordura é armazenada em grande quantidade
em dois tecidos principais do corpo: o tecido adiposo e o figado. O tecido
adiposo é, habitualmente, denominado depósito de gordura ou, simplesmente,
gordura tecidual.
A principal função do tecido adiposo consiste
em armazenar os triglicerídeos até que se tomem necessários para o suprimento
de energia em outras partes do corpo. Outra função consiste em proporcionar
isolamento térmico ao organismo.
As células do tecido adiposo são fibroblastos
modificados que têm a capacidade de armazenar triglicerídeos quase puros, em
quantidades que correspondem a até 80 a 95% de seu volume. Em geral, os
triglicerídeos no interior das células adiposas estão na forma líquida. Quando
os tecidos ficam expostos ao frio por período de tempo prolongado, as
cadeiasede ácidos graxos dos triglicerídeos celulares, no decorrer de algumas
semanas, ficam mais curtas, ou menos saturadas, para diminuir o seu ponto de
fusão, permitindo, assim, que a gordura permaneça no estado líquido. Esse
aspecto é particularmente importante, visto que apenas a gordura líquida pode
ser hidrolisada e transportada para fora das células.
As células adiposas podem sintetizar
quantidade muito pequena de ácidos graxos e de triglicerídeos a partir dos
carboidratos. Essa função suplementa a síntese de gordura no fígado, conforme
discutido adiante, neste capítulo.
Conforme assinalado antes, verifica-se a
presença de grande quantidade de lipases no tecido adiposo. Algumas dessas
enzimas catalisam a deposição de triglicerídeos dos quilornícrons e das
lipoproteínas. Outras, quando activadas por determinados hormônios, produzem a
clivagem dos triglicerídeos das células adiposas, com liberação de ácidos
graxos livres. Devido às rápidas trocas dos ácidos graxos, os triglicerídeos
nas células adiposas são renovados, aproximadamente, uma vez a cada 2 ou 3
semanas, o que significa que a gordura armazenada nos tecidos hoje não é a
mesma que foi depositada no mês passado, dando ênfase, portanto, ao estado
dinâmico da gordura armazenada.
As principais funções do fígado no
metabolismo dos lipídios consistem em (1) degradar os ácidos graxos em
compostos pequenos, passíveis de serem utilizados como fonte de energia; (2)
sintetizar triglicerídeos, principalmente a partir dos carboidratos e, em menor
grau, a partir das proteínas; e (3) sintetizar outros lipídios a partir dos
ácidos graxos, particularmente colesterol e fosfolipídios.
Surge grande quantidade de triglicerídeos no
fígado (1) durante os estágios iniciais de inanição, (2) na presença de diabete
melito e (3) em qualquer condição em que as gorduras, em lugar dos
carboidratos, estão sendo utilizadas como fonte de energia. Nessas situações,
são mobilizadas grandes quantidades de triglicerídeos do tecido adiposo; esses
triglicerídeos são transportados na forma de ácidos graxos livres no sangue e,
a seguir, redepositados sob a forma de triglicerídeos no fígado, onde começam
as etapas iniciais de grande parte da degradação das gorduras. Por conseguinte,
em condições fisiológicas normais, a quantidade total de triglicerídeos no
fígado é determinada, em grande parte, pela velocidade global de utilização dos
lipídios como fonte de energia.
As células hepáticas, além de triglicerídeos,
contêm também grande quantidade de fosfolipídios e de colesterol, que são,
continuamente, sintetizados pelo fígado. Além disso, as células hepáticas são
muito mais capazes do que outros tecidos de dessaturar os ácidos graxos, de
modo que os triglicerídeos hepáticos, normalmente, são muito mais insaturados
do que os do tecido adiposo. Essa capacidade do fígado de dessaturar os ácidos
graxos é funcionalmente importante para todos os tecidos do corpo, visto que
muitos membros estruturais de todas as células contêm quantidade razoável de
gordura insaturada, sendo o fígado sua principal fonte. Essa dessaturação é
catalisada por uma desidrogenase nas células hepáticas.
Cerca de 40% das calorias na dieta americana
normal provêm de gorduras, o que quase corresponde às calorias derivadas dos
carboidratos. Por conseguinte, a utilização das gorduras pelo organismo como
fonte de energia é tão importante quanto a dos carboidratos. Além disso, muitos
dos carboidratos ingeridos a cada refeição são convertidos em triglicerídeos,
armazenados e, posteriormente, utilizados na forma de ácidos graxos liberados
dos triglicerídeos como fonte de energia.
A primeira etapa na utilização dos
triglicerídeos para a obtenção de energia consiste na sua hidrólise a ácidos
graxos e glicerol. A seguir, tanto os ácidos graxos quanto o glicerol são
transportados no sangue até os tecidos activos, onde são oxidados para produzir
energia. Quase todas as células, à exceção, em certo grau, do tecido cerebral,
podem utilizar os ácidos graxos, em lugar da glicose, para a obtenção de
energia.
Ao entrar no tecido ativo, o glicerol é
imediatamente convertido, por enzimas intracelulares, em glicerol-3-fosfato,
que entra na via glicolítica de degradação da glicose, sendo utilizado, dessa
maneira, para a produção de energia. Todavia, para que possam ser utilizados
como fonte de energia, os ácidos graxos precisam ser processados conforme
descrito a seguir.
A degradação e a oxidação dos ácidos graxos
só ocorrem nas mitocôndrias, Por conseguinte, a primeira etapa na utilização
dos ácidos graxos consiste em seu transporte até as rnitocôndrias. Trata-se de
processo mediado por transportador, que utiliza a carnitina como transportador.
Uma vez no interior das mitocôndrias, o ácido graxo separa-se da carnitina e passa
pordegradação e oxidação.
A molécula de ácido graxo passa por
degradação nas mitocôndrias através da liberação progressiva de fragmentos de
dois carbonos, na forma de acetil-coenzima A (acetil-CoA). Esse processo, é
denominado processo de beta-oxidação para a degradação dos ácidos graxos.
Para entender as etapas essenciais do
processo de beta-oxidação, observe que, na Equação 1, a primeira etapa consiste
na combinação da molécula de ácido graxo com a coenzima A (CoA), para formar
acetil-(CoA) de ácido graxo.
A seguir, nas Equações 2,3 e 4, o carbono
beta (o segundo carbono a partir da direita) da acetil-CoA de ácido graxo
liga-se a uma molécula de oxigénio - isto é, ocorre oxidação do carbono beta.
A seguir, na Equação 5, a porção de dois
carbonos da molécula à direita é clivada, para liberar acetil-CoA no líquido
celular. Ao mesmo tempo, outra molécula de coenzima A (CoA) liga-se à
extremidade da porção remanescente da molécula de ácido graxo, formando nova
molécula de acetil-CoA de ácido graxo; todavia, dessa vez, a molécula tem dois
átomos de carbono a menos do que antes, devido à perda do primeiro acetil-CoA
de sua extremidade terminal.
A seguir, a acetil-CoA de ácido graxo mais
curta entra na Equação 2 e progride através das Equações 3, 4 e 5 até liberar
outra molécula de acetil-CoA, reduzindo, assim, a molécula original de ácido
graxo através da eliminação de outros dois carbonos.
Além das moléculas de acetil-CoA liberadas,
quatro átomos de hidrogénio também são liberados, ao mesmo tempo, da molécula
de ácido graxo, totalmente separada da acetil-CoA.
As moléculas de acetil-CoA formadas pela
beta-oxidação de ácidos graxos nas mitocôndrias entram imediatamente no ciclo
do ácido cítrico, combinando-se, inicialmente, com ácido oxaloacético para
formar ácido cítrico, que é, então, degradado em dióxido de carbono e em átomos
de hidrogénio.
Subsequentemente, o hidrogénio é oxidado pelo
sistema oxidativo quimiosmótico das mitocóndrias. A reacção final do ciclo do
ácido cítrico para cada molécula de acetil-CoA é a seguinte:
CH3COCo-A
+ Ácido oxaloacético + 3H20 + ADP
Ciclo do ácido oxaloacético
2C02 + 8H
+ HCo-A + ATP + Ácido oxaloacético
Por conseguinte, após a degradação inicial
dos ácidos graxos a acetil-CoA, sua degradação final é, precisamente, a mesma
que a da acetil-CoA formada a partir do ácido pirúvico durante o metabolismo da
glicose. Os átomos adicionais de hidrogénio também são oxidados pelo mesmo sistema
oxidativo quimiosmótico das mitocóndrias que é utilizado na oxidação dos
carboidratos, com a liberação de grande quantidade de ATP.
Na Fig. 9, observe que os quatro átomos de hidrogénio
liberados, toda vez que uma molécula de acetil-CoA é clivada da cadeia de ácido
graxo, são liberados sob a forma de FADH2, NADH e H+. Por conseguinte, para
cada molécula do ácido graxo esteárico clivada para formar nove moléculas de
acetil-CoA, são removidos 32 átomos adicionais de hidrogénio. Além disso, para
cada uma das nove moléculas de acetil-CoA subsequentemente degradadas pelo
ciclo do ácido cítrico, são removidos mais oito átomos de hidrogénio,
perfazendo o total de 72 hidrogénios adicionais. Esses átomos, somados aos 32
átomos de hidrogénio, perfazem o total de 104 átomos de hidrogénio, liberados
na degradação de cada molécula de ácido esteárico. Desse total, 34 são
removidos, a partir da degradação do ácido graxo, por flavoproteínas, enquanto
70 são removidos pela nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD+), sob a forma de
NADH e de H+. Esses dois grupos de átomos de hidrogénio são oxidados nas
mitocóndrias, todavia, eles entram no sistema oxidativo em diferentes pontos,
de modo que ocorre síntese de uma molécula de ATP para cada um dos 34
hidrogénios de flavoproteína, enquanto ocorre síntese de 1,5 molécula de ATP
para cada um dos 70 hidrogênios do NADH e do H+. Ao todo, são formadas 34 mais
105, ou um total de 139 molécula Ias de ATP, pela oxidação do hidrogénio
derivado de cada molécula de ácido esteárico. Outras 9 moléculas de ATP são
formadas no próprio ciclo do ácido cítrico (distintas do ATP liberado por
oxidação do hidrogénio), uma para cada uma das 9 moléculas de acetil-CoA
metabolizadas. Por conseguinte, formam-se, ao todo, 148 moléculas de ATP
durante a oxidação completa de uma molécula de ácido esteárico. Entretanto, são
consumidas duas ligações de alta energia na combinação inicial da coenzima A
com a molécula de ácido esteárico, resultando em ganho efectivo de 146
moléculas de ATP.
Figura 9:
Beta-oxidação dos ácidos graxos, produzindo acetil-coenzima A.
Grande parte da degradação inicial dos ácidos
graxos ocorre no fígado, particularmente quando quantidades excessivas de
lipídios estão sendo utilizadas para a obtenção de energia. Todavia, o fígado
só utiliza pequena proporção dos ácidos graxos para seus próprios processos
metabólicos intrínsecos. Com efeito, quando as cadeias de ácidos graxos são
clivadas em acetil-CoA, duas moléculas de acetil-CoA condensam-se para formar
uma molécula de ácido acetoacético que, a seguir, é transportada no sangue para
outras células do organismo, onde é utilizada para a produção de energia. Os
processos químicos envolvidos são os seguintes:
2CH3COCo-A
+ H20 Células hepáticas
Acetil-CoA
Parte do ácido acetoacético também é
convertida em ácido f3-hidroxibutírico, enquanto diminutas quantidades são
convertidas em acetona, de acordo com as seguintes reacções:
CH3COCH2COOH
+ 2HCo-A
Ácido
acetoacético
O ácido acetoacético, O ácido
j3-hidroxibutírico e a acetona têm difusão livre através das membranas das
células hepáticas e são transportados pelo sangue circulante até os tecidos
periféricos. Nesses tecidos, difundem-se, novamente, para as células, onde
ocorrem reações inversas, com a formação de moléculas de acetil-CoA. Estas, por
sua vez, entram no ciclo do ácido cítrico e são oxidadas para a produção de
energia, conforme explicado anteriormente.
Em condições normais, o ácido acetoacético e
o ácido p-hidroxibutírico que entram na corrente sangüínea são transportados
tão rapidamente para os tecidos, que suas concentrações plasmáticas combinadas,
raramente, se elevam acima de 3 mg/dl. Ainda assim, a despeito dessa pequena
concentração no sangue, na verdade são transportadas grandes quantidades, como
ocorre com o transporte de ácidos graxos livres.
O rápido transporte de ambas as substâncias
resulta de sua alta solubilidade das membranas das células-alvo, permitindo sua
difusão quase instantânea para as células.
Por vezes, as concentrações de ácido
acetoacético, de ácido j3-hidroxibutírico e de acetona elevam-se muitas vezes
acima da faixa normal no sangue e nos líquidos intersticiais. Essa condição é
denominada cetose, uma vez que o ácido acetoacético é um cetoácido. Os três
compostos são denominados corpos cetônicos. A cetose é observada,
particularmente, na inanição, no diabete melito e, algumas vezes, até mesmo quando
a dieta do indivíduo é composta quase inteiramente de gordura. Em todos esses
estados, praticamente nenhum carboidrato é metabolizado - na inanição e após
dieta rica em gordura, devido à falta de disponibilidade de carboidratos, e a
diabete, devido à falta de insulina para promover o transporte de glicose para
o interior das células.
Quando os carboidratos não são utilizados
para a obtenção de energia, quase toda a energia do organismo deve provir do
metabolismo das gorduras. Como veremos adiante neste capítulo, a falta de
disponibilidade de carboidratos aumenta, automaticamente, a velocidade de
remoção dos ácidos graxos do tecido adiposo; além disso, diversos factores hormonais
- como aumento da secreção de glicocorticóides pelo córtex supra-renal,
secreção aumentada de glucagon pelo pâncreas e diminuição da secreção de
insulina pelo pâncreas - aumentam ainda mais a remoção de ácidos graxos dos
tecidos adiposos. Como consequência, grande quantidade de ácidos graxos fica
disponível (1) para as células dos tecidos periféricos para a produção de
energia e (2) para as células hepáticas, na qual grande parte dos ácidos graxos
é convertida em corpos cetónicos.
Os corpos cetônicos são liberados do fígado e
transportados até as células. Todavia, as células são limitadas quanto à
quantidade de corpos tectónicos que podem oxidar, devido a várias razões, das
quais a mais importante é a seguinte: um dos produtos do metabolismo dos
carboidratos é o oxaloacetato, necessário para sua ligação à acetil-CoA para
que esta possa ser processada no ciclo do ácido cítrico. Por conseguinte, a
deficiência de oxaloacetato proveniente de carboidratos limita a entrada de
acetil-CoA no ciclo do ácido cítrico; quando ocorre a liberação simultânea de
grande quantidade de ácido acetoacético e de outros corpos cetônicos pelo
fígado, as concentrações sanguíneas de ácido acetoacético e de
~-hidroxibutírico elevam-se, em alguns casos, até 20 vezes acima da faixa
normal, resultando, assim, no desenvolvimento de acidose extrema.
A acetona formada durante a cetose é
substância volátil, e parte é eliminada em pequenas quantidades no ar expirado,
conferindo, frequentemente, à respiração um odor de acetona. Esse hálito
costuma ser utilizado como critério diagnóstico de cetose.
Ao substituir, lentamente, uma dieta com
carboidratos para uma dieta constituída, quase exclusivamente, de gordura, o
organismo do indivíduo adapta-se no sentido de utilizar maiores quantidades de
ácido acetoacético do que o habitual, de modo que, nessa situação, não ocorre,
normalmente, cetose. Por exemplo, os inuit (esquimós), que, algumas vezes,
vivem quase totalmente de dieta à base de gordura, não desenvolvem cetose. Sem
dúvida, diversos factores que ainda não foram elucidados aumentam a velocidade
do metabolismo do ácido acetoacético nas células. Até mesmo as células cerebrais,
cuja energia, normalmente, provém quase toda da glicose, tomam-se capazes de
obter 50 a 75% de sua energia a partir das gorduras, depois de algumas semanas.
Toda vez que o organismo recebe quantidade de
carboidratos maior do que a que pode ser utilizada imediatamente como fonte de
energia, ou depositada sob a forma de glicogênio, o excesso é, rapidamente,
convertido em triglicerídeos e armazenado sob essa forma no tecido adiposo. Nos
seres humanos, a síntese de triglicerídeos ocorre, em sua maior parte, no
fígado; entretanto, quantidades muito pequenas também são sintetizadas no
próprio tecido adiposo. Os triglicerídeos formados no fígado são transportados,
principalmente, pelas lipoproteínas de densidade muito baixa até o tecido
adiposo, onde são armazenados.
A primeira etapa na síntese de triglicerídeos
consiste na conversão dos carboidratos em acetil-CoA. No início deste capítulo,
verificamos também que os ácidos graxos são, na realidade, grandes polímeros de
ácido acético. Por conseguinte, é fácil entender como a acetil-CoA pode ser
convertida em ácidos graxos.
Todavia, a síntese dos ácidos a partir da
acetil-CoA não é efectuada, simplesmente" através da reversão da
degradação oxidativa descrita anteriormente. Com efeito, ocorre pelo processo
em duas etapas apresentado na Fig. 10, que utiliza malonil-CoA e NADPH como
principais intermediários no processo de polimerização.
Quando atingem 14 a 18 átomos de carbono, as
cadeias de ácidos graxos sintetizadas se ligam ao glicerol formando
triglicerídeos. As enzimas responsáveis por essa conversão são muito
específicas para ácidos graxos com cadeias de 14 átomos de carbono ou mais,
factor que controla a qualidade física dos triglicerídeos armazenados no
organismo.
Figura 10:Síntese de
ácidos graxos.
Conforme ilustrado na Fig. 10, a porção
glicerol do triglicerídeo é fomecida pelo «-glicerofosfato, que é outro produto
derivado da via glicolítica de degradação da glicose. Esse mecanismo é
discutido no Cap.67.
Durante a síntese de triglicerídeos, apenas
cerca de 15% da energia original, na glicose, são perdidos como calor, enquanto
o restante, isto é, 85%, é transferido para os triglicerídeos armazenados.
A síntese de gordura a partir dos carboidratos
é particularmente importante por duas razões:
A capacidade das diferentes células do
organismo de armazenar carboidratos na forma de glicogénio é geralmente
pequena; pode ser armazenada quantidade máxima de apenas algumas centenas de
gramas de glicogénio no fígado, no músculo-esquelético e em todos os outros
tecidos do organismo em seu conjunto. Por outro lado, podem ser armazenados
muitos quilogramas de gordura. Assim, a síntese de gordura proporciona um meio
pelo qual a energia dos carboidratos ingeridos em excesso (e também das
proteínas) pode ser armazenada para uso posterior. Com efeito, o indivíduo
médio tem quase 150 vezes mais energia armazenada na forma de gordura do que na
forma de carboidratos.
Cada grama de gordura contém quase duas vezes
e meia mais calorias e energia do que cada grama de glicogénio. Por
conseguinte, para determinado ganho de peso, o indivíduo pode armazenar muito
mais energia sob a forma de gordura do que sob a forma de carboidrato, o que é
de suma importância quando o animal deve manter alta mobilidade para
sobreviver.
Incapacidade
de Sintetizar Gorduras a partir de Carboidratos na Ausência de Insulina. Quando não há
disponibilidade de insulina, conforme observado na diabete melito grave, a
síntese de gordura torna-se pequena, ou até ausente, pelas seguintes razões: em
primeiro lugar, quando não há disponibilidade de insulina, a glicose não
penetra satisfatoriamente nas células adiposas e hepáticas, de modo que a pouca
quantidade da acetil-CoA e do NADPH necessária para a síntese de gordura pode
ser obtida a partir da glicose. Em segundo lugar, a ausência de glicose nas
células adiposas reduz acentuadamente a disponibilidade de o glicerofosfato, o
que também dificulta a síntese de triglicerídeos pelos tecidos.
Muitos aminoácidos podem ser convertidos em
acetil-CoA. A seguir, a acetil-CoA pode ser sintetizada em triglicerídeos. Por
conseguinte, quando o indivíduo recebe, na dieta, quantidade de proteína maior
do que a que pode ser utilizada pelos tecidos, grande parte do excesso é
armazenada sob a forma de gordura.
Na presença de quantidades excessivas de
carboidrato no organismo, eles são usados preferencialmente aos triglicerídeos para
a obtenção de energia. Existem várias razões para explicar esse efeito
"poupador de gordura dos carboidratos". Uma das mais importantes é a
seguinte: as gorduras presentes nas células do tecido adiposo se encontram sob
duas formas: triglicerídeos armazenados e pequena quantidade de ácidos graxos
livres. Essas duas formas estão em constante equilíbrio. Quando existe
quantidade excessiva de aglicerofosfato (o que ocorre quando há disponibilidade
de carboidratos em excesso), o glicerofosfato em excesso liga-se aos ácidos graxos
livres na forma de triglicerídeos armazenados. Em consequência, o equilíbrio entre
os ácidos graxos livres e os triglicerídeos é desviado em favor dos
triglicerídeos armazenados; por conseguinte, apenas diminutas quantidades de
ácidos graxos tomam-se disponíveis para a obtenção de energia. Como o glicerofosfato
é importante produto do metabolismo da glicose, a disponibilidade de grande
quantidade de glicose inibe, automaticamente, a utilização dos ácidos graxos
como fonte de energia.
Em segundo lugar, quando existe carboidrato
em excesso, a síntese de ácidos graxos é mais rápida do que a sua degradação.
Esse efeito é causado, em parte, pelas grandes quantidades de acetil-CoA
formadas a partir dos carboidratos e pela baixa concentração de ácidos graxos
livres no tecido adiposo, criando, assim, condições apropriadas para a
conversão de acetil-CoA em ácidos graxos. Efeito ainda mais importante, que
promove a conversão dos carboidratos em gordura, é o seguinte: a primeira
etapa, que limita a velocidade do processo de síntese de ácidos graxos,
consiste na carboxilação da acetil-CoA para formar malonil-CoA. A velocidade
dessa reacção é controlada, primariamente, pela enzima acetil-CoA carboxilase,
cuja atividade é acelerada em presença dos intermediários do ciclo do ácido
cítrico. Quando estão sendo utilizadas quantidades excessivas de carboidratos,
esses intermediários aumentam, determinando, automaticamente, aumento da
síntese de ácidos graxos. Por conseguinte, a presença de carboidratos em
excesso na dieta não apenas actua como poupador de gordura como também aumenta
a gordura nos depósitos. Com efeito, todo o excesso de carboidrato não
utilizado para a produção de energia ou armazenado nos pequenos depósitos de
glicogénio do corpo é convertido em gordura e armazenado como tal.
Todos os efeitos poupadores de gordura dos
carboidratos são perdidos e,' na verdade, revertidos quando não se dispõe de
carboidratos. Por conseguinte, o equilíbrio é, agora, desviado na direcção
oposta, e a gordura é mobilizada das células adiposas e utilizada em lugar dos
carboidratos ausentes para a obtenção de energia.
Todavia, as várias alterações hormonais que
OCOl Tempara promover a rápida mobilização dos ácidos graxos a partir do tecido
adiposo também são importantes. Entre as mais relevantes, destaca-se a
acentuada redução da secreção pancreática de insulina causada pela ausência de
carboidratos. Isso não apenas reduz a velocidade de utilização da glicose pelos
tecidos como também diminui o armazenamento de gordura, desviando ainda mais o
equilíbrio em favor do metabolismo das gorduras em lugar dos carboidratos.
Pelo menos sete dos harmónios secretados
pelas glândulas endócrinas exercem efeitos significativos, ou até mesmo pronunciados,
sobre a utilização da gordura. Além do efeito importante da ausência de
insulina, discutido no parágrafo anterior, são mencionados, a seguir, alguns
efeitos hormonais importantes sobre o metabolismo da gordura.
Provavelmente, o aumento mais notável que
ocorre na utilização da gordura é o observado durante o exercício intenso. Isso
resulta, quase inteiramente, da liberação de epinefrina e de norepinefrina pela
medula supra-renal durante o exercício, em consequência da estimulação
simpática. Esses dois harmónios activam directamente a triglicerídeo lipase
sensível ao harmónio, encontrada em quantidade abundante nas células adiposas,
resultando na rápida degradação dos triglicerídeos e em mobilização dos ácidos
graxos. Algumas vezes, a concentração de ácidos graxos livres no sangue do
indivíduo praticando exercício físico aumenta por até oito vezes, com aumento
correspondente da utilização desses ácidos graxos pelos músculos como fonte de
energia. Outros tipos de estresse que activam o sistema nervoso simpático
também podem aumentar a mobilização de ácidos graxos e sua utilização de modo
semelhante.
O estresse também provoca a liberação de
grande quantidade de corticotropina pela hipófise anterior, o que, por sua vez,
estimula o córtex supra-renal a secretar quantidade adicional de
glicocorticóides. Tanto a corticotropina quanto os glicocorticóides activam a
mesma triglicerídeo lipase sensível ao harmónio activada pela epinefrina e pela
norepinefrina, ou uma lipase semelhante. Por conseguinte, trata-se de outro
mecanismo para aumentar a liberação de ácidos graxos do tecido adiposo. Quando
a corticotropina e os glicocorticóides são secretados em quantidade excessiva
por longos períodos de tempo, como ocorre na doença endócrina conhecida como
doença de Cushing, as gorduras são, freqüentemente, mobilizadas, a ponto de
resultar no desenvolvimento de cetose. Esse efeito da corticotropina e dos
glicocorticóides é conhecido como efeito cetogénico.
O harmónio do crescimento exerce efeito
semelhante, porém menor do que a corticotropina e os glicocorticóides, na activação
da lipase sensível a harmónio. Por conseguinte, o harmónio do crescimento,
também, pode exercer efeito cetogénico.
Por fim, o harmónio tireóideo causa rápida mobilização
de gordura, que se acredita possa resultar, indirectamente, do aumento global
do metabolismo energético de todas as células do organismo sob a influência desse
harmónio. A consequente redução da acetil-CoA e de outros intermediários do
metabolismo das gorduras e dos carboidratos nas células constitui, então,
estímulo para a mobilização de gordura.
Os efeitos dos diferentes harmónios sobre o
metabolismo são discutidos com maiores detalhes nos capítulos destinados a cada
um deles.
A obesidade refere-se à deposição de gordura
em excesso no organismo. todavia, em poucas palavras, a obesidade é causada
pela ingestão de alimentos em maior quantidade do que a que pode ser utilizada
pelo organismo para a obtenção de energia. O excesso de alimento, seja na forma
de gorduras, carboidratos ou proteínas, é, então, armazenado, quase
inteiramente, como gordura no tecido adiposo para ser utilizado posteriormente
como fonte de energia.
Em algumas cepas de ratos, foi constatada a ocorrência
de obesidade hereditária. Em pelo menos uma dessas linhagens, a obesidade é
causada pela mobilização ineficaz de gordura do tecido adiposo pela lipase
tecidual, enquanto a síntese e o armazenamento de gordura prosseguem
normalmente. Esse processo unidireccional causa aumento progressivo dos
depósitos de gordura, resultando em obesidade grave.
Os principais tipos de fosfolipídios
encontrados no organismo são as lecitinas, as cefalinas e a esfingomielina.
Os fosfolipídios sempre contêm uma ou mais
moléculas de ácido graxo e um radical de ácido fosfórico e, em geral, contêm
uma base nitrogenada. Apesar de as estruturas químicas dos fosfolipídios serem
algo variáveis, suas propriedades físicas são semelhantes, Visto que todos são
lipossolúveis, transportados por lipoproteínas e utilizados de modo semelhante
por todo o organismo para uma variedade de finalidades estruturais, como, por
exemplo, nas membranas celulares e nas membranas intracelulares.
Os fosfolipídios são sintetizados em, praticamente,
todas as células do organismo, embora algumas delas tenham capacidade especial
de sintetizá-los em grande quantidade. Provavelmente 90% são formados nas
células hepáticas; quantidades razoáveis também são sintetizadas pelas células
epiteliais intestinais durante a absorção intestinal de lipídios.
A velocidade de síntese dos fosfolipídios é
determinada, até certo ponto, pelos factores habituais que controlam a
velocidade global do metabolismo das gorduras, visto que, quando os
triglicerídeos são depositados no fígado, a velocidade de formação dos
fosfolipídios aumenta. Além disso, certas substâncias químicas específicas são
necessárias para a formação de alguns lipídios. Por exemplo, a colina, obtida
na dieta ou sintetizada no organismo, é necessária para a formação de lecitina,
visto ser a colina a base nitrogenada da molécula de lecitina. Além disso, o
inositol é necessário para a formação de algumas cefalinas.
Os fosfolipídios desempenham várias funções
distintas: (1) Os fosfolipídios constituem componente importante das
lipoproteínas no sangue e, portanto, são essenciais para a formação e a função
da maioria delas; na sua ausência, podem ocorrer graves anormalidades no
transporte de colesterol e de outros lipídios. (2) A tromboplastina, que é
necessária para iniciar o processo da coagulação, é composta principalmente por
uma das cefalinas. (3) Existe grande quantidade de esfingomielina no sistema
nervoso; essa substância actua como isolante eléctrico nas bainhas de mielina
em tomo das fibras nervosas. (4) Os fosfolipídios são doadores de radicais
fosfatos quando estes se tomam necessários para diferentes reacções químicas no
tecido. (5) Talvez a mais importante de todas as funções dos fosfolipídios seja
a sua participação na formação de elementos estruturais - principalmente
membranas - nas células de todo o organismo, conforme discutido na próxima
secção, em relação a função semelhante do colesterol.
O colesterol, é encontrado na dieta de todas
as pessoas e pode ser absorvido lentamente pelo trato gastrintestinal para a
linfa intestinal. É muito lipossolúvel, porém apenas ligeiramente solúvel em
água. O colesterol tem a capacidade específica de formar ésteres com ácidos
graxos. Com efeito, cerca de 70% do colesterol nas lipoproteínas do plasma
encontram-se na forma de éster de colesterol.
Alem do colesterol absorvido diariamente a
partir do trato gastrintestinal, que é denominado colesterol exógeno,
quantidade ainda maior é sintetizada nas células do corpo, o chamado colesterol
endógeno. Praticamente todo o colesterol endógeno que circula nas lipoproteínas
do plasma é formado pelo fígado; entretanto, todas as outras células do corpo,
também, sintetizam, pelo menos, algum colesterol, o que está de acordo com o
fato de que muitas das estruturas membranosas de todas as células são
constituídas, em parte, por essa substância.
Conforme ilustrado pela fórmula do
colesterol, sua estrutura básica consiste no núcleo esterol, que é totalmente
sintetizado a partir de múltiplas moléculas de acetil-CoA. Por sua vez, o
núcleo esterol pode ser modificado por meio
de várias cadeias laterais para formar (1) colesterol; (2) ácido cólico, que
constitui a base dos ácidos biliares formados no fígado; e (3) muitos harmónios
esteróides importantes secretados pelo córtex supra-renal, pelos ovários e
pelos testículos (esses harmónios são discutidos em capítulos posteriores).
Entre os factores importantes que afectam a
concentração plasmática de colesterol destacam-se os seguintes:
1. O aumento da
quantidade diária de coles te rol ingerido eleva, ligeiramente, suas
concentrações plasmáticas. Entretanto, quando o colesterol é ingerido, a
concentração crescente de colesterol inibe a enzima mais importante para sua
síntese endógena, a 3-hidroxi-3-metilglutaril-CoA-redutase, proporcionando,
assim, um sistema de controle intrínseco, por feedback, para evitar qualquer
aumento excessivo na concentração plasmática de colesterol. Como consequência,
a concentração plasmática de colesterol, geralmente, não se altera por mais de
± 15% quando se modifica a quantidade de colesterol da dieta, apesar de haver
notável diferença na resposta dos indivíduos.
2. Dieta com gorduras
altamente saturadas aumenta a concentração sanguínea de colesterol por 15 a
25%. Esse aumento resulta da maior deposição de gordura no fígado, o que
fornece quantidade aumentada de acetil-CoA às células hepáticas para a formação
de colesterol. Por conseguinte, para diminuir a concentração sanguínea de
colesterol, é, geralmente, tão ou mais importante manter dieta com baixo teor
de gorduras saturadas do que manter dieta pobre em colesterol.
3. Em geral, a
ingestão de gordura contendo ácidos graxos altamente insaturados diminui, em
grau leve a moderado, a concentração sanguínea de colesterol. O mecanismo desse
efeito permanece desconhecido, embora essa observação constitua a base de
grande parte das estratégias dietéticas nos dias actuais.
4. A ausência de
insulina ou de harmónio tireóideo aumenta a concentração sanguínea de
colesterol, enquanto o excesso de harmónio tireóideo a diminui. Esses efeitos
são, provavelmente, causados, em grande parte, por alterações do grau de activação
das enzimas específicas responsáveis pelo metabolismo de substâncias lipídicas.
Sem dúvida, o maior uso de colesterol não
membranoso no corpo consiste ria formação de ácido cólico no fígado. Até 80% do
colesterol são convertidos em ácido cólico. Esse ácido é conjugado com outras
substâncias para formar sais biliares, que promovem a digestão e a absorção das
gorduras.
Pequena quantidade de colesterol é utilizada
(1) pelas glândulas supra-renais para formar os harmónios córtico-supra-renais,
(2) pelos ovários, na formação de progesterona e de estrogénio, e (3) pelos
testículos, para formar testosterona. Essas glândulas também podem sintetizar
seus próprios esteróis e, a seguir, formar seus harmónios a partir deles,
conforme discutido mais adiante nos capítulos dedicados à endocrinologia.
Grande quantidade de colesterol se precipita
na camada córnea da pele. Esse colesterol, juntamente com outros lipídios, toma
a pele altamente resistente à absorção de substâncias hidrossolúveis, bem como
à acção de vários agentes químicos, visto que o colesterol e outros lipídios da
pele são muito inertes a ácidos e a diferentes solventes que, de outro modo,
poderiam facilmente penetrar no corpo. Além disso, essas substâncias lipídicas
ajudam a evitar a evaporação de água pela pele. Sem essa protecção, a
quantidade de evaporação (como a que ocorre em pacientes queimados que perderam
pele) pode atingir 5. a 10 litros por dia, em lugar dos 300 a 400 mililitros
habituais.
Os usos mencionados anteriormente dos
fosfolipídios e do colesterol são, apenas, de menor importância se comparados
com sua relevância na formação de estruturas especializadas em todas as células
do corpo, principalmente na formação de membranas.
Foi assinalada, anteriormente, a presença de
grande quantidade de fosfolipídios e de colesterol tanto na membrana celular
quanto nas membranas das organelas internas de todas as células. Sabe-se,
também, que a proporção entre o colesterol e os fosfolipídios nas membranas é
particularmente importante para determinar a fluidez das membranas celulares.
Para haver a formação de membranas, é
necessária a disponibilidade de substâncias insolúveis em água. Em geral, as
únicas substâncias no organismo que não são solúveis em água (além das
substâncias inorgânicas do osso) são os lipídios, bem como algumas proteínas.
Por conseguinte, a integridade física das células em todo o organismo baseiase,
principalmente, em fosfolipídios, colesterol e certas proteínas insolúveis. As
cargas polares dos fosfolipídios também reduzem a tensão na interface entre as
membranas celulares e os líquidos circundantes.
Outros aspecto que reforça a importância dos
fosfolipídios.e do colesterol na formação de elementos estruturais das células
consiste nas baixas velocidades de renovação dessas substâncias na maioria dos
tecidos não hepáticos - velocidades e renovação da ordem de meses ou anos.
Assim, por exemplo, sua função nas células do cérebro para suprir os processos
da memória está, principalmente, relacionada às suas propriedades físicas
indestrutí veis.
A aterosclerose é uma doença das artérias de
grande calibre e de calibre intermediário, caracterizada pelo desenvolvimento
de lesões gordurosas, denominadas placas ateromatosas, na superfície interna
das paredes arteriais. Essas placas começam a surgir em consequência da
deposição de diminutos cristais de colesterol na íntima e no músculo liso
subjacente. Com o decorrer do tempo, os cristais crescem e coalescem, formando
grandes leitos de cristais. Além disso, o tecido fibroso circundante e o
músculo liso proliferam, formando placas cada vez maiores. Os depósitos de
colesterol, juntamente com a proliferação celular, podem tornar-se tão grandes
a ponto de a placa projetarse para o lúmen da artéria, podendo reduzir
acentuadamente o fluxo sanguíneo e, algumas vezes, causar até mesmo oclusão
completa do vaso. Mesmo sem oclusão, os fibroblastos da placa acabam
depositando quantidades tão grandes de tecido conjuntivo denso que a esclerose
(fibrose) fica muito pronunciada, com consequente rigidez das artérias.
Posteriormente, é comum haver precipitação de sais de cálcio com o colesterol e
outros lipídios das placas, resultando em calcificações duras como osso, que
transformam, algumas vezes, as artérias em tubos rígidos. Esses últimos
estágios da doença são denominados "endurecimento das artérias".
As artérias arterioscleróticas perdem a maior
parte de sua distensibilidade e, devido às áreas degenerativas em suas paredes,
se rompem com facilidade. Além disso, nos locais onde as placas fazem protrusão
para o fluxo sanguíneo, a aspereza de suas superfícies provoca a formação de
coágulos sanguíneos, com a consequente formação de trombos, ou êmbolos,
bloqueando, subitamente, todo o fluxo sanguíneo na artéria.
Quase metade de todos os indivíduos nos Estados
Unidos e na Europa morre de arteriosclerose. Cerca de dois terços dessas mortes
são provocados por trombose de uma ou mais artérias coronárias. O terço
restante é causado por trombose, ou por hemorragia de vasos, em outros órgãos
do corpo, particularmente o cérebro, causando acidente vascular cerebral, mas
também nos rins, no fígado, no trato gastrintestinal, nos membros etc.
O factor mais importante no processo de desenvolvimento
da aterosclerose consiste na presença de altas concentrações plasmáticas de
colesterol na forma de lipoproteínas de baixa densidade. Conforme explicado
antes neste capítulo, a concentração plasmática dessas lipoproteínas de baixa
densidade ricas em colesterol aumenta directamente em decorrência da ingestão
de gordura altamente saturada na dieta diária. Essa concentração também é
aumentada, porém em menor grau, pela ingestão de quantidade aumentada de
colesterol na dieta. Por conseguinte, um, ou ambos, desses abusos dietéticos
podem contribuir para o desenvolvimento da aterosclerose. Exemplo interessante
é observado em coelhos, que, normalmente, apresentam baixas concentrações
plasmáticas de colesterol em virtude de sua dieta vegetariana. O simples
suprimento de grande quantidade de colesterol a esses animais como parte de sua
nutrição diária resulta no aparecimento de placas ateroscleróticas graves em
todo o sistema arterial.
A hipercolesterolemia familiar é uma doença
hereditária em que o indivíduo herda genes defeituosos para a formação dos
receptores de lipoproteínas de baixa densidade na superfície da membrana das
células. Na ausência desses receptores, o fígado é incapaz de absorver as
lipoproteínas de densidade intermediária, ou as de baixa densidade. Sem essa
absorção, a maquinaria do colesterol das células hepáticas é estimulada a
produzir novo colesterol e a não responder mais à inibição do excesso de
colesterol plasmático por feedback. Como consequência, o número de
lipoproteínas de densidade muito baixa liberado pelo fígado no plasma aumenta
acentuadamente, e o paciente com hipercolesterolemia familiar plenamente
desenvolvida apresenta concentrações sanguíneas de colesterol de 600 a 1.000
mg/dl, ou seja, quatro a seis vezes o valor normal. Quase todos esses pacientes
morrem antes dos 20 anos de idade, algumas vezes, entre os 4 e os 6 anos,
devido a infarto do miocárdio ou a outras sequelas do bloqueio aterosclerótico
dos vasos sanguíneos em todo o corpo.
Sabe-se bem menos sobre a função das
lipoproteínas de alta densidade do que sobre as lipoproteínas de baixa
densidade. As lipoproteínas de alta densidade têm história totalmente diferente
das lipoproteínas de densidade muito baixa, de densidade intermediária e de
baixa densidade.
Acredita-se que as lipoproteínas de alta
densidade possam, na realidade, absorver cristais de colesterol que estão
começando a se depositar nas paredes arteriais. Independentemente de esse
mecanismo ser verdadeiro ou não, as lipoproteínas de alta densidade ajudam a
proteger o indivíduo contra o desenvolvimento de aterosclerose. Por
conseguinte, quando a pessoa apresenta alta proporção entre lipoproteínas de alta
densidade e lipoproteínas de baixa densidade, a probabilidade de desenvolver
aterosclerose fica acentuadamente reduzida.
Em alguns indivíduos com níveis perfeitamente
normais de colesterol e de lipoproteínas, verifica-se, mesmo assim, o
desenvolvimento de aterosclerose. Na maioria dos casos, desconhece-se a razão
disso. Diversos factores especiais predispõem ao desenvolvimento de
aterosclerose, incluindo (1) diabete melito, (2) hipotireoidismo e (3)
tabagismo. Além disso, o indivíduo do sexo masculino em seus primeiros anos de
idade ou na metade de sua vida adulta tem maior probabilidade de desenvolver
aterosclerose do que a mulher, sugerindo que os harmónios sexuais masculinos
podem ser aterogónicos ou, ao contrário, que os harmónios sexuais femininos
podem ser protectores. Alguns desses factores provocam aterosclerose ao
aumentarem a concentração plasmática das lipoproteínas de baixa densidade.
Outros levam à aterosclerose ao produzirem alterações locais nos tecidos
vasculares, que, por sua vez, predispõem à deposição de colesterol.
Para aumentar a complexidade da
aterosclerose, os estudos experimentais realizados sugerem que a presença de
níveis sanguíneos excessivos de ferro pode resultar em aterosclerose, talvez
através da formação no sangue de radicais livres que lesam as paredes
vasculares. Em cerca de um quarto de todos os indivíduos, verifica-se a
presença de um tipo especial de lipoproteína de baixa densidade, denominado
lipoproteína(a), que contém uma proteína adicional, a apoproteinaia), que quase
duplica a incidência de aterosclerose. Os mecanismos desses efeitos
aterogénicos ainda precisam ser elucidados.
Sem dúvida, a medida preventiva mais
importante contra o desenvolvimento de aterosclerose consiste em seguir dieta
com baixo teor de gordura, contendo, principalmente, gordura insaturada com
baixo teor de colesterol.
Além disso, vários tipos de terapia
farmacológica mostraram-se de grande valia. Por exemplo, a maior parte do
colesterol formado no fígado é convertida em ácidos biliares e secretada sob
essa forma no duodeno; a seguir, mais de 90% desses ácidos biliares são
reabsorvidos no íleo terminal e utilizados, repetidamente, na bile. Por
conseguinte, qualquer agente capaz de se combinar com os ácidos biliares no
trato gastrintestinal e de impedir sua reabsorção para a circulação pode
diminuir o reservatório total de ácidos biliares no sangue circulante. Por sua
vez, isso determina a conversão de quantidade muito maior de colesterol
hepático em novos ácidos biliares. Por conseguinte, a simples ingestão de
farelo de aveia, que se liga aos ácidos biliares e faz parte de muitos cereais
ingeridos no desjejum, aumenta a proporção de colesterol hepático envolvido na formação
de novos ácidos biliares, em lugar de formar novas lipoproteínas de baixa
densidade e placas aterogónicas.
Em geral, estudos preliminares mostram que,
para cada redução de 1 mg/dl nos níveis plasmáticos de colesterol das
lipoproteínas de baixa densidade, ocorre redução de cerca de 2% na taxa de
mortalidade por cardiopatia aterosclerótica. Por conseguinte, as medidas
preventivas apropriadas são, certamente, de grande valia na redução da
incidência de ataques cardíacos.
Cerca de três quartos dos sólidos corporais
consistem em proteínas. Incluem proteínas estruturais, enzimas,
nucleoproteínas, proteínas que transportam oxigénio, proteínas dos músculos que
causam contracção muscular e muitos outros tipos que exercem funções específicas,
tanto em nível intracelular quanto em nível extra-celular.
As propriedades químicas básicas das
proteínas que explicam suas diversas funções são tão extensas que constituem
parte importante da bioquímica como disciplina. Por esse motivo, a presente
exposição limita-se a alguns aspectos específicos do metabolismo das proteínas,
que são importantes como base para outras discussões no texto.
Os principais constituintes das proteínas são
os aminoácidos, dos quais 20 estão presentes nas proteínas corporais em quantidades
significativas. A Fig. 11 apresenta as fórmulas químicas desses 20 aminoácidos,
mostrando que todos eles têm duas características em comum: cada aminoácido tem
um grupo ácido (-COOH) e um átomo de nitrogénio ligado à molécula, geralmente
representado pelo grupo amino (-NH2).
Nas proteínas, os aminoácidos estão unidos em
longas cadeias por meio de ligações peptidicas. A natureza química dessa
ligação é demonstrada pela seguinte
Reacção:
Outras Ligações nas Moléculas Protéicas.
Algumas moléculas protéicas são constituídas por várias cadeias peptídicas em
lugar de uma só cadeia; por sua vez, essas cadeias ligam-se umas às outras por
meio de outras ligações, frequentemente por pontes de hidrogénio entre os
radicais CO e NH dos peptídios, conforme ilustrado a seguir:
Além disso, muitas cadeias peptídicas
enrolam-se ou dobram-se, e as dobras sucessivas são mantidas em espiral
apertada, ou em outras formas, por pontes de hidrogénio semelhantes e por
outras forças.
A concentração normal de aminoácidos no sangue
situa-se entre 35 e 65 mg/dl. Isso corresponde, em média, a cerca de 2 mg/dl
para cada um dos 20 aminoácidos, embora alguns estejam presentes em maior
quantidade do que outros. Como os aminoácidos são ácidos relativamente fortes,
eles se encontram no sangue principalmente no estado ionizado, resultando da
remoção de um átomo de hidrogénio do radical NH2. Na verdade,
representam 2 a 3 mil equivalentes dos íons negativos presentes no sangue. A
distribuição exacta dos diferentes aminoácidos no sangue depende, até certo
ponto, dos tipos de proteínas ingeridas; todavia, as concentrações de pelo
menos alguns aminoácidos individuais são reguladas por síntese selectiva nas
diferentes células.
Assinalamos que os produtos da digestão e
absorção das proteínas no trato gastrintestinal consistem, quase
exclusivamente, em arninoácidos, e que apenas raros polipeptídios, ou moléculas
proteicas inteiras, são absorvidos do tubo digestivo para o sangue. Imediatamente
após uma refeição, a concentração sanguínea de aminoácidos aumenta; todavia,
essa elevação costuma ser de apenas alguns miligramas por decilitro, por duas
razões: em primeiro lugar, a digestão e a absorção das proteínas estendem-se,
habitualmente, por um período de 2 a 3 horas, permitindo a absorção de apenas
pequenas quantidades de aminoácidos de cada vez. Em segundo lugar, após
penetrarem na corrente sanguínea, os aminoácidos em excesso são absorvidos,
dentro de 5 a 10 minutos, por células de todo o corpo, sobretudo pelo fígado.
Por conseguinte, quase nunca ocorre acúmulo de grandes concentrações de
aminoácidos no sangue circulante e nos líquidos teciduais. Todavia, a
intensidade da renovação dos aminoácidos é tão rápida, que muitos gramas de
proteínas podem ser transportados de uma parte do corpo a outra sob a forma de
aminoácidos, a cada hora.
As moléculas de todos os aminoácidos são
muito grandes para se difundirem através dos poros das membranas celulares. Por
conseguinte, os aminoácidos só podem ser transportados em quantidade
significativa através da membrana, por transporte facilitado, ou por transporte
activo, utilizando mecanismos transportadores. A natureza de alguns desses
mecanismos de transporte ainda não está bem esclarecida.
Nos rins, todos os diferentes aminoácidos
podem passar por reabsorção activa através do epitélio tubular proximal,
removendo-os do filtrado glomerular e devolvendo-os ao sangue, caso sejam
filtrados para os túbulos renais através da membrana glomerular. Entretanto,
como ocorre com outros mecanismos de transporte activo nos túbulos renais,
existe limite superior para o transporte de cada tipo de aminoácido. Por essa
razão, quando um tipo particular de aminoácido atinge concentração muito
elevada no plasma e no filtrado glomerular, o excesso, que não pode ser
activamente reabsorvido, é perdido na urina.
Quase imediatamente após sua entrada nas
células, os aminoácidos combinam-se entre si por ligações peptídicas, sob a
direcção do RNAmensageiro e do sistema ribossomico da célula, formando
proteínas celulares. Por conseguinte, as concentrações de aminoácidos livres no
interior das células geralmente permanecem baixas. Assim, não ocorre
armazenamento de grande quantidade de aminoácidos livres nas células; com
efeito, são armazenados, principalmente, sob a forma de proteínas. Entretanto,
muitas dessas proteínas intracelulares podem, novamente, passar por rápida
decomposição em seus aminoácidos, sob a influência de enzimas digestivas
lisossórnicas intracelulares; por sua vez, esses aminoácidos podem ser
transportados, novamente, das células para o sangue. As excepções especiais incluem
as proteínas nos cromossomas do núcleo e as proteínas estruturais, como o
colágeno e as proteínas contrácteis dos músculos, uma vez que elas não
participam significativamente nesse processo de digestão inversa e transporte
para fora das células.
Alguns tecidos do corpo participam, mais do
que outros, do armazenamento de aminoácidos. Por exemplo, o fígado, que é um
grande órgão dotado de sistemas especiais para o processamento de aminoácidos,
é capaz de armazenar grande quantidade de proteínas de intercâmbio rápido; essa
capacidade também é observada, embora em menor grau, nos rins e na mucosa
intestinal.
Toda vez que as concentrações plasmáticas dos
aminoácidos caem abaixo de sua faixa normal, os aminoácidos necessários é
transportada para fora das células, a fim de repor o suprimento plasmático.
Dessa maneira, a concentração plasmática de cada tipo de aminoácido é mantida
dentro de um valor razoavelmente constante. Posteriormente, veremos que alguns
dos harmónios secretados pelas glândulas endócrinas são capazes de alterar o
equilíbrio entre as proteínas residuais e os aminoácidos circulantes. Por
exemplo, o harmónio do crescimento e a insulina aumentam a formação de
proteínas teciduais, enquanto os harmónios glicocorticóides, do córtex
supra-renal, elevam a concentração plasmática de aminoácidos.
Como as proteínas celulares no fígado (e, em
grau bem menor, nos outros tecidos) podem ser rapidamente sintetizadas a partir
dos aminoácidos do plasma, e tendo em vista que muitas delas podem, por sua
vez, ser degradadas e retomar ao plasma quase tão rapidamente, há intercâmbio e
equilíbrio constantes entre os aminoácidos do plasma e as proteínas lábeis, em
praticamente todas as células do corpo. Por exemplo, se qualquer tecido, em
particular, necessitar de proteínas, ele pode sintetizá-las a partir dos
aminoácidos do sangue; por sua vez, esses aminoácidos são repostos pela
degradação de proteínas de outras células do organismo, sobretudo das células
hepáticas. Esses efeitos são particularmente evidentes em relação à síntese de
proteínas nas células cancerosas. Com frequência, essas células utilizam
quantidades abundantes de aminoácidos, de modo que pode ocorrer acentuada
depleção das proteínas das outras células.
Cada tipo, particular de célula tem um limite
superior no que concerne à quantidade de proteínas que pode armazenar. Quando
todas as células atingem seus limites, os aminoácidos em excesso que ainda
estão na circulação são degradados em outros produtos e utilizados como fonte
de energia, conforme discutido adiante, ou são convertidos em gordura, ou
glicogénio, e armazenados nessas formas.
Os principais tipos de proteínas presentes no
plasma são a albumina, a globulina e ofibrinogênio.
A principal função da albumina consiste em estabelecer
a pressão coloidosmôtica no plasma, que, por sua vez, impede a perda de plasma
pelos capilares.
As globulinas desempenham diversas funções
enzimáticas no plasma; todavia, igualmente importante é o facto de serem,
principalmente, responsáveis pela imunidade, tanto natural quanto adquirida,
que o indivíduo tem contra microrganismos invasores, conforme descrito no
Cap.34.
O fibrinogónio passa por polimerização em
longos filamentos de fibrina durante a coagulação sanguínea, formando, assim,
coágulos sanguíneos que ajudam a reparar os vazamentos no sistema circulatório.
Praticamente toda a albumina e o fíbrínogénío
do plasma, bem como 50 a 80% das globulinas, são formados no fígado. O restante
das globulinas é formado quase totalmente nos tecidos linfóides. Incluem
principalmente as gamas globulinas, que constituem os anticorpos utilizados
pelo sistema imune, conforme assinalado antes.
A velocidade de síntese das proteínas
plasmáticas pelo fígado pode ser extremamente alta, atingindo 30 g/dia. Certas
condições mórbidas frequentemente provocam perda rápida das proteínas
plasmátícas; as queimaduras graves que afectam grandes áreas de superfície da
pele podem causar a perda de vários litros de plasma por dia, através das áreas
desnudas. A rápida produção de proteínas plasmáticas pelo fígado é de grande
valia para evitar a morte nesses estados. Além disso, por vezes, o indivíduo
com doença renal grave perde até 20 gramas de proteínas plasmáticas diariamente
na urina, durante meses, e essa perda é continuamente reposta sobretudo através
da produção hepática das proteínas necessárias.
Quando ocorre depleção das proteínas nos
tecidos, as proteínas plasmáticas podem actuar como fonte para sua rápida
reposição. Com efeito, as proteínas plasmáticas podem ser totalmente
assimiladas pelos macrófagos teciduais através do processo da pinocitose; a
seguir, uma vez no interior dessas células, são degradadas a aminoácidos, que
são transportados de volta ao sangue e utilizados por todo o organismo para a
formação de proteínas celulares, quando necessário. Dessa maneira, as proteínas
plasmáticas funcionam como meio de armazenamento lábil de proteínas e constituem
fonte rapidamente disponível de aminoácidos, toda vez que eles forem
necessários para determinado tecido.
Existe um estado constante de equilíbrio,
entre as proteínas plasmáticas, os aminoácidos do plasma e as proteínas
teciduais. Com base em estudos que utilizaram marcadores radioactivos,
estimou-se que, normalmente, cerca de 400 gramas de proteínas corporais são
sintetizados e degradados diariamente, como parte do estado contínuo de fluxo
de aminoácidos. Isso demonstra, mais uma vez, o princípio geral de troca
reversível de amino ácidos entre as diferentes proteínas do organismo. Mesmo
durante a inanição, ou na presença de doenças debilitantes graves, a relação
entre proteínas teciduais totais e proteínas plasmáticas totais no corpo
permanece relativamente constante, de cerca de 33 para 1.
Devido a esse equilíbrio reversível entre as
proteínas plasmáticas e outras proteínas do organismo, uma das terapias de
maior eficácia para a deficiência aguda e grave de proteínas corporais consiste
na transfusão venosa de proteínas plasmáticas. Em poucos dias, algumas vezes
dentro de várias horas, os aminoácidos das proteínas administradas
distribuem-se por todas as células do corpo, para a síntese de novas proteínas
onde elas são necessárias.
Dez dos aminoácidos normalmente presentes nas
proteínas animais podem ser sintetizados pelas células, enquanto os outros 10
não podem ser, ou só podem ser formados em quantidades demasiado pequenas para
suprir as necessidades do organismo. Os aminoácidos do segundo grupo que não
podem ser sintetizados são denominados aminoácidos essenciais. O uso do termo
"essencial" não significa que os outros 10 aminoácidos "não
essenciais" não sejam, igualmente, essenciais para a formação das
proteínas, mas apenas que os outros não são essenciais na dieta devido à
capacidade do organismo de sintetizá-los.
A síntese dos aminoácidos não essenciais
depende, principalmente, da formação especial dos o-cetoácidos apropriados, que
são os precursores dos respectivos aminoácidos. Por exemplo, o ácido pirúvico,
que é formado em grande quantidade durante a degradação glicolítica da glicose,
é o cetoácido precursor do aminoácido alanina. A seguir, pelo processo de
transaminação, um radical amino é transferido para o cetoácido, enquanto o
oxigénio ceto é transferido para o doador do radical aminoObserve que, nessa
reacção, o radical amino é transferido para o ácido pirúvico a partir de outra
substância estreitamente associada aos aminoácidos, a glutamina. A glutamina é
encontrada em grande quantidade nos tecidos, e uma de suas principais funções
consiste em atuar como depósito de radicais amino. Além disso, os radicais
amino podem ser transferidos da asparagina, do ácido glutãmico e do ácido
aspártico.
A transaminação é promovida por várias
enzimas, entre as quais estão as aminotransferases, derivadas da piridoxina,
uma das vitaminas B (B6). Na ausência dessa vitamina, os aminoácidos são
sintetizados apenas em quantidade insuficiente, de modo que a formação de
proteínas não pode prosseguir normalmente.
Quando as células atingem seu limite de
armazenamento de proteínas, quaisquer aminoácidos adicionais nos líquidos
corporais são degradados e utilizados como fonte de energia, ou armazenados
principalmente sob a forma de gordura ou, secundariamente, sob a forma de
glicogénio. Essa degradação ocorre quase totalmente no fígado e começa com o
processo de desaminação, que é explicado na secção seguinte.
A desaminação refere-se à remoção dos grupos
amino dos aminoácidos. Esse processo ocorre, principalmente, por transaminação,
que significa a transferência do grupo amino para alguma substância aceptora,
que é o inverso da transarninação, explicada anteriormente, em relação à
síntese de aminoácidos.
A maior parte da parte da desaminação ocorre
através do seguinte esquema de transaminação:
Observe que, nesse esquema, o grupo arnino do
arninoácido é transferido para o ácido o-cetoglutárico, que se transforma em
ácido glutâmico. A seguir, o ácido glutâmico pode transferir o grupo amino para
outras substâncias, ou liberá-lo, sob a forma de amónia (NH). No processo de
perda do grupo amino, o ácido glutâmico transforma-se, novamente, em ácido
a-cetoglutárico, de modo que o ciclo pode ser repetido indefinidamente.
Para iniciar esse processo, os aminoácidos
presentes em excesso nas células, sobretudo no fígado, induzem a activação de
grande quantidade de aminotransferases, as enzimas responsáveis pela iniciação
do processo de desarninação.
Formação da Uréia pelo Fígado. A amónia
liberada durante a desaminação dos arninoácidos é quase totalmente removida do
sangue por sua conversão em uréia; duas moléculas de amónia e uma molécala de
dióxido de carbono combinam-se, de acordo com a seguinte reacção:
Praticamente toda a uréia formada no
organismo humano é sintetizada no fígado. Na ausência do fígado, ou na presença
de hepatopatia grave, a amónia acumula-se no sangue. Por sua vez, esse acúmulo
é extremamente tóxico, sobretudo para o cérebro, resultando, frequentemente, no
estado denominado coma hepático.
As etapas na formação da uréia são
basicamente as seguintes.
Após sua formação, a uréia difunde-se das
células hepáticas para os líquidos corporais, sendo excretada pelo rim.
Após a desaminação dos aminoácidos, os cetoácidos
resultantes podem, na maioria dos casos, ser oxidados, liberando energia para a
actividade metabólica. Em geral, isso envolve dois processos sucessivos: (1) O
cetoácido é transformado em substância química apropriada, capaz de entrar no
ciclo do ácido cítrico, e (2) essa substância é degradada no ciclo e utilizada
como fonte de energia, da mesma maneira que a acetil coenzima A (acetil-CoA),
derivada do metabolismo dos carboidratos e lipídios, é utilizada, como foi
explicado nos dois capítulos anteriores.
Em geral, a quantidade de trifosfato de
adenosina (ATP) formada por cada grama de proteína oxidada é ligeiramente menor
do que a formada para cada grama de glicose oxidada.
Certos aminoácidos desaminados são semelhantes
aos substratos normalmente utilizados pelas células, sobretudo as células
hepáticas, para a síntese de glicose ou de ácidos graxos. Por exemplo, a
alanina desaminada é o ácido pirúvico. Este último pode ser transformado em
glicose, ou em glicogénio, ou pode ser convertido em acetil-CoA, que pode ser,
então, polimerizado, produzindo ácidos graxos. Além disso, duas moléculas de
acetil-CoA podem condensar-se para formar ácido acetoacético, que é um dos
corpos cetônicos.
A conversão de aminoácidos em glicose, ou em
glicogénio, é denominada gliconeogênese, enquanto a conversão de aminoácidos em
cetoácidos, ou em ácidos graxos, é denominada cetogênese. Dezoito dos 20
arninoácidos desarninados têm estruturas químicas que permitem sua conversão em
glicose, enquanto 19 podem ser convertidos em ácidos graxos.
Quando O indivíduo não ingere proteína, certa
proporção de suas próprias proteínas corporais continua sendo degradada a
aminoácidos que, a seguir, são desaminados e oxidados. Essa degradação envolve
20 a 30 gramas de proteína por dia, constituindo a denominada perda obrigatória
de proteínas. Por conseguinte, para impedir a perda efectiva de proteínas do
organismo, o indivíduo deve ingerir uma quantidade mínima diária de 20 a 30
gramas de proteína; para manter a margem de segurança, recomenda-se,
habitualmente, a ingestão mínima de 60 a 75 gramas.
As proporções entre os diferentes aminoácidos
na proteína dietética devem ser, aproximadamente, iguais às nos tecidos corporais,
para que toda a proteína dietética possa ser utilizada na formação de novas
proteínas nos tecidos. Se a concentração de um tipo particular de aminoácido
essencial estiver baixa, os outros aminoácidos não podem ser utilizados, visto
que as células sintetizam proteínas completas, ou não sintetizam.Os aminoácidos
que não podem ser utilizados são desarninados e oxidados. Proteína com
proporção de aminoácidos diferente da proporção observada nas proteínas
corporais em geral é denominada proteína parcial ou proteína incompleta, e essa
proteína é menos valiosa para a nutrição do que a proteína completa.
À excepção da degradação obrigatória diária
de 20 a 30 gramas de proteína, o organismo utiliza quase exclusivamente os
carboidratos, ou as gorduras, para a obtenção de energia, enquanto esses
estiverem disponíveis. Entretanto, depois de várias semanas de inanição, quando
a quantidade de carboidratos e gorduras armazenados começa a se esgotar, os
aminoácidos do sangue começam a passar por rápidas desaminação e oxidação para
a obtenção de energia. A partir desse momento, as proteínas dos tecidos têm
rápida degradação - até 125 gramas por dia, e, em consequência, as funções
celulares deterioram precipitadamente.
Como a utilização dos carboidratos e das
gorduras para a obtenção de energia normalmente prevalece sobre a utilização de
proteínas, os carboidratos e as gorduras são denominados poupadores de
proteínas.
O harmónio do crescimento aumenta a
velocidade de síntese das proteínas celulares, determinando aumento na
quantidade das proteínas em cada tecido. Desconhece-se o mecanismo exacto pelo
qual o harmónio do crescimento aumenta a velocidade de síntese de proteínas,
mas acredita-se que ele possa resultar, principalmente, do transporte aumentado
de aminoácidos através das membranas celulares e/ou da aceleração dos processos
de transcrição e tradução do DNA e RNA para a síntese de proteínas.
A ausência total de insulina reduz a síntese
de proteínas para quase zero. O mecanismo pelo qual isso ocorre também é
desconhecido, mas sabemos que a insulina acelera o transporte de alguns
aminoácidos para as células, o que poderia representar o estímulo para a
síntese de proteína. Além disso, a insulina aumenta a disponibilidade de
glicose para as células, de modo que há redução consequente na necessidade de
aminoácidos para a produção de energia.
Os glicocorticóides secretados pelo córtex
suprarenal diminuem a quantidade de proteínas na maioria dos tecidos, enquanto
elevam a concentração de aminoácidos no plasma, bem como as proteínas hepáticas
e as proteínas plasmáticas. Acredita-se que os glicocorticóides possam actuar
aumentando a degradação das proteínas extra-hepáticas, com a consequente
disponibilidade de quantidade aumentada de aminoácidos nos líquidos corporais.
Por sua vez, esse processo supostamente permite que o fígado sintetize
quantidade aumentada de proteínas celulares hepáticas e proteínas plasmáticas.
Os glicocorticóides secretados pelo córtex
suprarenal diminuem a quantidade de proteínas na maioria dos tecidos, enquanto
elevam a concentração de aminoácidos no plasma, bem como as proteínas hepáticas
e as proteínas plasmáticas. Acredita-se que os glicocorticóides possam actuar
aumentando a degradação das proteínas extra-hepáticas, com a consequente
disponibilidade de quantidade aumentada de aminoácidos nos líquidos corporais.
Por sua vez, esse processo supostamente permite que o fígado sintetize
quantidade aumentada de proteínas celulares hepáticas e proteínas plasmáticas.
O estrogénio, que é o principal harmónio
sexual feminino, também induz alguma deposição de proteína, porém seu efeito é
relativamente insignificante, em comparação com o da testosterona.
A tiroxina aumenta a velocidade do
metabolismo de todas as células e, portanto, afecta indirectamente o
metabolismo proteico. Se houver quantidade insuficiente de carboidratos e
gorduras disponíveis para a obtenção de energia, a tiroxina causa rápida
degradação das proteínas que são utilizadas para a produção de energia. Por
outro lado, em presença de quantidade adequada de carboidratos e gorduras e
disponibilidade de aminoácidos em excesso nos líquidos extracelulares, a
tiroxina pode, realmente, aumentar a velocidade de síntese de proteínas. Nos animais
ou nos seres humanos em fase de crescimento, a deficiência de tiroxina causa
acentuada inibição do crescimento, devido à falta de síntese protéica.
Em essência, acredita-se que a tiroxina
exerça pouco efeito directo específico sobre o metabolismo das proteínas,
enquanto tem importante efeito geral ao aumentar a velocidade das reacções anabólicas
e catabólicas normais das proteínas.
Após a absorção dos carboidratos nos
intestinos, a veia porta hepática fornece ao fígado uma quantidade enorme de
glicose que vai ser liberada para o sangue e suprir as necessidades energéticas
de todas as células do organismo.
As concentrações normais de glicose
plasmática (glicemia) situam-se em torno de 70 – 110 mg/dl, sendo que situações
de hipergicemia tornam o sangue concentrado alterando os mecanismos de troca da
água do LIC com o LEC, além de ter efeitos degenerativos no SNC. Sendo assim,
um sistema hormonal apurado entra em ação para evitar que o aporte sanguíneo de
glicose exceda os limites de normalidade.
Os hormônios pancreáticos insulina e glucagon
possuem ação regulatória sobre a glicemia plasmática. Não são os únicos
envolvidos no metabolismo dos carboidratos (os hormônios sexuais, epinefrina,
glicocorticóides, tireoidianos, GH e outros também têm influenciam a glicemia),
porém, sem dúvida, são os mais importantes.
A insulina é produzida nas células b das
ilhotas de Langerhans e é armazenada em vesículas do Aparelho e Golgi em uma
forma inativa (pró-insulina). Nessas células existem receptores celulares que
detectam níveis de glicose plasmáticas (hiperglicemia) após uma alimentação
rica em carboidratos. Há a ativação da insulina com a retirada do peptídeo C de
ligação, com a liberação da insulina na circulação sangüínea. Como efeito
imediato, a insulina possui três efeitos principais:
Estimula a captação de glicose pelas células
(com exceção dos neurônios e hepatócitos);
Estimula o armazenamento de glicogênio
hepático e muscular (glicogênese); e
Estimula o armazenamento de aminoácidos
(fígado e músculos) e ácidos graxos (adipócitos).
Como resultado dessas ações, há a queda
gradual da glicemia (hipoglicemia) que estimula as células a-pancreáticas a
liberar o glucagon. Este hormônio possui ação antagônica à insulina, com três
efeitos básicos:
Estimula a mobilização dos depósitos de
aminoácidos e ácidos graxos;
Estimula a glicogenólise
Estimula a neoglicogênse.
Esses efeitos hiperglicemiantes possibilitam
nova ação insulínica, o que deixa a glicemia de um indivíduo normal em torno
dos níveis normais de 70 – 110 mg/dl .
A captação de glicose pela célula se dá pelo
encaixe da insulina com o receptor celular para insulina. Esse complexo sofre
endocitose, permitindo a entrada de glicose, eletrólitos e água para a célula;
a glicose é metabolizada (através da glicólise e Ciclo de Krebs), a insulina
degradada por enzimas intracelulares e o receptor é regenerado, reiniciando o
processo.
Quanto mais complexo insulina/receptor é
endocitado, mais glicose entra na célula, até que o plasma fique hipoglicêmico.
Esta hipoglicemia, entretanto, não é imediata, pois a regeneração do receptor é
limitante da entrada de glicose na célula, de forma a possibilitar somente a
quantidade de glicose necessária evitando, assim, o excesso glicose
intracelular.
Nos músculos, a glicose em excesso é convertida
em glicogênio, assim como a glicose que retorna ao fígado.
A grande maioria das células do organismo são
dependentes da insulina para captar glicose (o neurônio e os hepatócitos são
exceções, pois não tem receptores para insulina, sendo a glicose absorvidos por
difusão).
A deficiência na produção ou ausência total
de insulina ou dos receptores caracteriza uma das doenças metabólicas mais
comuns: o diabetes mellitus.
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