REPÚBLICA DE ANGOLA
GOVERNO DA PROVÍNCIA DE LUANDA
GABINETE PROVINCIAL DA EDUCAÇÃO DE
LUANDA
ESCOLA DO II CICLO DO ENSINO
SECUNDÁRIO N.º 4083 – JICA
CURSO DE CIÊNCIAS ECONÓMICAS E
JURÍDICAS
HISTÓRIA
ÁFRICA NA ERA DO TRÁFICO DE ESCRAVOS
LUANDA
2016
ESCOLA DO II CICLO DO ENSINO
SECUNDÁRIO N.º 4083 – JICA
CURSO DE CIÊNCIAS ECONÓMICAS E
JURÍDICAS
HISTÓRIA
ÁFRICA NA ERA DO TRÁFICO DE ESCRAVOS
INTEGRANTES:
Nº 16 – Constância
Gonga Mutango
Nº 21 – Emília P.
Paulino
Nº 22 – Esperança
Alberto de Sousa Tavares
Nº 24 – Eunice
António da Costa
Nº 49 – Pedro da
Costa Paiva
Nº 51 – Quelina
Matias Chipenda
Nº 56 – Sónia Pinto
Fernando
Classe: 10ª
Grupo nº: 04
Turma: TX4
Período: Tarde
Sala: 04
Trabalho
apresentado ao Curso de Ciências Físicas e Biológicas na disciplina de História
como requisito parcial para obtenção de notas.
Orientadora:
Ernestina Marcolino da Silva
LUANDA
2016
SUMÁRIO
No presente trabalho
sob o tema: “África na era do Tráfico de Escravos”, será destacada a
importância do estudo do processo de escravização dos povos africanos pois é essencial
para que se compreenda a situação actual de desigualdade no planeta. Revela uma
longa história de exploração e subjugação de populações fragilizadas por outras
mais equipadas. Demonstra também que a desestruturação económica e cultural tem
efeitos desastrosos de longa duração. Todavia, do ponto de vista económico, a escravidão
foi uma forma eficiente de acumulação primitiva. No que diz respeito às
pessoas, foi uma violência irreparável, que pressupõe, dentre outros factores,
a existência de povos muito pobres. Assim, parte do actual contexto
socioeconómico da África de miséria e exclusão é consequência de fatos passados.
De notar que, por
conta de deficiências bibliográficas relacionadas ao tema proposto, para o
presente estudo será usado com mais frequência o termo ‘colonialismo’ ao invés
de ‘tráfico de escravos’, pois, desse jeito foi mais fácil a pesquisa bem como
a elaboração do presente trabalho. Assim, será considerado neste trabalho: A
África diante do desafio colonial; iniciativas e resistências africanas;
consequências e relevância da resistência africana, o colonialismo em África,
etc.
Na história da
África jamais se sucederam tantas e tão rápidas mudanças como durante o período
entre 1880 e 1935. Na verdade, as mudanças mais importantes, mais
espectaculares – e também mais trágicas –, ocorreram num lapso de tempo bem
mais curto, de 1880 a 1910, marcado pela conquista e ocupação de quase todo o
continente africano pelas potências imperialistas e, depois, pela instauração
do sistema colonial. A fase posterior a 1910 caracterizou -se essencialmente
pela consolidação e exploração do sistema.
O desenvolvimento
desse drama foi verdadeiramente espantoso, pois até 1880 apenas algumas áreas
bastante restritas da África estavam sob a dominação directa de europeus. Em
toda a África ocidental, essa dominação limitava -se às zonas costeiras e ilhas
do Senegal, à cidade de Freetown e seus arredores (que hoje fazem parte de Serra
Leoa), às regiões meridionais da Costa do Ouro (actual Gana), ao litoral de
Abidjan, na Costa do Marfim, e de Porto Novo, no Daomé (actual Benin), e à ilha
de Lagos (no que consiste actualmente a Nigéria). Na África setentrional, em
1880, os franceses tinham colonizado apenas a Argélia. Da África oriental, nem
um só palmo de terra havia tombado em mãos de qualquer potência europeia,
enquanto, na África central, o poder exercido pelos portugueses restringia -se
a algumas faixas costeiras de Moçambique e Angola. Só na África meridional é
que a dominação estrangeira se achava firmemente implantada, estendendo -se
largamente pelo interior da região.
Até 1880, em cerca
de 80% do seu território, a África era governada por seus próprios reis,
rainhas, chefes de clãs e de linhagens, em impérios, reinos, comunidades e unidades
políticas de porte e natureza variados. No entanto, nos trinta anos seguintes,
assiste -se a uma transmutação extraordinária, para não dizer radical, dessa
situação. Em 1914, com a única excepção da Etiópia e da Libéria, a África
inteira vê -se submetida à dominação de potências europeias e dividida em
colónias de dimensões diversas, mas de modo geral, muito mais extensas do que
as formações políticas preexistentes e, muitas vezes, com pouca ou nenhuma
relação com elas. Nessa época, aliás, a África não é assaltada apenas na sua
soberania e na sua independência, mas também em seus valores culturais.
A colonização
constitui apenas uma empreitada militar e económica, posteriormente defendida
por um regime administrativo apropriado; para os argelinos, contudo, é uma
verdadeira revolução, que vem transtornar todo um antigo mundo de crenças e
ideias, um modo secular de existência. Coloca todo um povo diante de súbita
mudança. Uma nação inteira, sem estar preparada para isso, vê-se obrigada a se
adaptar ou, se não, sucumbir. Tal situação conduz necessariamente a um
desequilíbrio moral e material, cuja esterilidade não está longe da
desintegração completa[1].
.
Essas observações
sobre a natureza do colonialismo valem não só para a colonização francesa da
Argélia mas para toda a colonização europeia da África, sendo as diferenças de
grau e não de género, de forma e não de fundo. Em outras palavras, durante o
período entre 1880 e 1935, a África teve de enfrentar um desafio
particularmente ameaçador: o desafio do colonialismo.
Eis uma questão
ainda não estudada em profundidade pelos historiadores, tanto africanos como
europeus, que, no entanto, precisa ser respondida. E a resposta é clara e
inequívoca: na sua esmagadora maioria, autoridades e dirigentes africanos foram
profundamente, a essa mudança e declararam-se decididos a manter o status quo e, sobretudo, a assegurar sua
soberania e independência, pelas quais praticamente nenhum deles estava
disposto a transigir, por menos que fosse. Tal resposta pode ser encontrada nas
declarações dos dirigentes africanos da época.
Em 1891, quando os
britânicos ofereceram protecção a Prempeh I, rei dos Ashanti, na Costa do Ouro
(actual Gana), ele replicou:
A
proposta para o país Ashanti, na presente situação, colocar-se sob a protecção
de Sua Majestade, a Rainha e Imperatriz da Índia, foi objecto de exame
aprofundado, mas me permitam dizer que chegamos à seguinte conclusão: meu
reino, o Ashanti, jamais aderirá a uma tal política. O país Ashanti deve
continuar a manter, como até agora, laços de amizade com todos os brancos. Não
é por ufanismo que escrevo isto, mas tendo clareza do significado das palavras
[...]. A causa dos Ashanti progride, e nenhum Ashanti tem a menor razão para se
preocupar com o futuro ou para acreditar, por um só instante, que as
hostilidades passadas tenham prejudicado a nossa causa[2].
.
Em 1895, Wogobo, o
Moro Naba, ou rei dos Mossi (na actual República do Alto Volta), declarou ao
oficial francês, capitão Destenave:
Sei
que os brancos querem me matar para tomar o meu país, e, ainda assim, você
insiste em que eles me ajudarão a organizá-lo. Por mim, acho que meu país está
muito bem como está. Não preciso deles. Sei o que me falta e o que desejo:
tenho meus próprios mercadores; considere -se feliz por não mandar cortar -lhe
a cabeça. Parta agora mesmo e, principalmente, não volte nunca mais.[3]
Em 1883, Lat-Dior,
o damel de Cayor (no actual Senegal), em 1890, Machemba, chefe dos Yao de
Tanganica (actual Tanzânia) e Hendrik Wittboi, um dos soberanos da região que
hoje constitui a Namíbia, , tiveram a mesma atitude em face do colonizador. Mas
um dos últimos e mais fascinantes testemunhos que gostaríamos de citar aqui é o
emocionante apelo lançado em Abril de 1891 por Menelik, imperador da Etiópia, à
rainha Vitória, da Inglaterra.
Fica assim
evidente, com a leitura de algumas citações aqui feitas, que numerosos dirigentes
africanos, de fato, acolheram muito favoravelmente as inovações que com regularidade
foram sendo introduzidas depois do primeiro terço do século XIX, pois até então
elas não tinham feito pesar nenhuma ameaça sobre sua soberania e independência.
Na África ocidental, por exemplo, os missionários fundaram, em Serra Leoa, já
em 1826, o Fourah Bay College, assim como escolas primárias e duas escolas secundárias,
uma na Costa do Ouro e a outra na Nigéria, nos anos de 1870.
Convém examinar
aqui brevemente o problema da periodização da história do colonialismo na
África, ignorado por numerosos historiadores, mas levantado por A. B. Davidson
e Michael Crowder na década de 1960.
Certos autores
propuseram 1870 como data do início da “corrida” europeia para a África e da
imposição do domínio colonial. Essa data, no entanto, parece um pouco recuada.
G. N. Uzoigwe mostra que foram as actividades dos franceses na região da Senegâmbia,
do rei Leopoldo da Bélgica, representado por H. M. Stanley, dos franceses, por
Pierre Savorgnan de Brazza na região do Congo, e dos portugueses na África
central que desencadearam a corrida. Ora, está claro que nenhuma dessas actividades
começou antes do final da década de 1870 e do início da de 1880. Parece,
portanto, que 1880 é um ponto de partida mais apropriado do que 1870. De 1880
até a derrocada do colonialismo, nas décadas de 1960 e 1970, o estudo da
dominação colonial, das reacções e das iniciativas africanas deveria ser
dividido em três períodos.
O primeiro iria de 1880 a 1919 (com duas
subdivisões: 1880‑1900 e 1900‑1919, correspondendo respectivamente à
conquista e à ocupação). É aquilo que chamaríamos de período da defesa da
soberania e da independência africanas mediante o recurso à estratégia do
confronto, da aliança ou da submissão temporária. O segundo iria de 1919 a
1935: é o período da adaptação, sendo a estratégia empregada a do protesto ou a
da resistência. O terceiro, com início em 1935, é o período dos movimentos de
independência, sendo de acção concreta a estratégia[4].
A geração de 1880‑1914 assistiu a uma das mutações históricas
mais significativas
dos tempos
modernos. Com efeito, foi no decorrer desse período que a África, um continente
com cerca de trinta milhões de quilómetros quadrados, se viu retalhada, subjugada
e efectivamente ocupada pelas nações industrializadas da Europa. Os historiadores
até agora não têm a dimensão real das consequências desastrosas, quer para o
colonizado quer para o colonizador, desse período de guerras contínuas, embora
em geral sublinhem que se tratou de uma época de transformações revolucionárias
fundamentais.
A importância dessa
fase histórica, no entanto, vai muito além da guerra e das transformações que a
caracterizaram. No passado, impérios ergueram‑se e desmoronaram, conquistas e usurpações
também são tão antigas como a própria história, e, desde há muito, diversos
modelos de administração e de integração coloniais têm sido experimentados. A
África foi o último continente subjugado pela Europa. O que há de notável nesse
período é, do ponto de vista europeu, a rapidez e a facilidade relativa com
que, mediante um esforço coordenado, as nações ocidentais ocuparam e submeteram
um continente assim tão vasto. É um fato sem precedentes na história.
O bom -senso faz
-se necessário, portanto, para que se possa introduzir um pouco de ordem na
confusão de teorias a que essa mutação capital da história africana deu origem.
Essas teorias podem ser classificadas em: teoria económica, teorias
psicológicas, teorias diplomáticas e teoria da dimensão africana.
Essa teoria conheceu
vicissitudes de toda sorte. Quando o comunismo ainda não constituía ameaça ao
sistema capitalista ocidental, ninguém punha realmente em dúvida a base
económica da expansão imperialista. Não é, pois, casual o sucesso da crítica de
Schumpeter à noção de imperialismo capitalista[5]
entre especialistas não marxistas. Os repetidos ataques a essa teoria
apresentam hoje resultados cada vez menos concludentes. Em consequência, a
teoria do imperialismo económico, sob forma modificada, volta a encontrar
aceitação. Que se deve entender por imperialismo económico? As origens teóricas
da noção remontam a 1900, quando os social-democratas alemães colocaram na
ordem do dia do congresso anual do seu partido, realizado naquele ano em Mainz,
a Weltpolitik, ou seja, a política de expansão imperialista em escala mundial.
Preferimos analisar
aqui em termos psicológicos as teorias que comummente se classificam como
darwinismo social, cristianismo evangélico e atavismo social, porque seus
adeptos acreditam na supremacia da “raça branca”.
O cristianismo
evangélico, para o qual A origem das espécies era uma heresia diabólica, não
tinha, por sua vez, o menor escrúpulo em aceitar as implicações racistas da
obra. As conotações raciais do cristianismo evangélico eram moderadas, todavia,
por uma boa dose de zelo humanitário e filantrópico sentimento muito
disseminado entre os estadistas europeus durante a conquista da África.
Sustentava -se,
assim, que a partilha da África se devia, em parte não desprezível, a um
impulso “missionário”, em sentido lato, e humanitário, com o objectivo de “regenerar”
os povos africanos[6]. Já se afirmou, além
disso, que foram os missionários que prepararam o terreno para a conquista
imperialista na África oriental e central, assim como em Madagáscar. No
entanto, se é verdade que os missionários não se opuseram à conquista da África
e que, em certas regiões, dela participaram activamente, esse factor, por si
só, não se sustenta como uma teoria geral do imperialismo, em razão de seu
carácter limitado.
Para estudar a
resistência africana à colonização no sul do continente no século XIX, é
importante compreender bem o ambiente cultural e social em que ela se
verificou. As principais forças históricas eram o expansionismo colonial, a
cristianização e o ensino dos missionários, a revolução Zulu e seus corolários:
o Mfecane e as migrações dos Nguni. Na época da Conferência de Berlim sobre a
África ocidental (1884 -1885), que se caracterizou por uma concorrência febril
entre as nações europeias, ávidas de ampliar as possessões coloniais africanas,
havia mais de 70 anos que os britânicos e afrikaners já disputavam os
territórios da África meridional. Termos tais como “tratado”, “esfera de
influência”, “ocupação efectiva”, “anexação” e “força de fronteira”, cujo uso
se propagou a toda a África após aquela conferência, pertenciam a um
vocabulário já corrente na África austral desde 1815.
Os colonos europeus
do sul da África, ao contrário dos do resto do continente, projectavam, desde o
início, fundar estabelecimentos permanentes nessa região nova que os atraía
pelo clima temperado, pela fertilidade das terras aráveis, pela mão-de-obra barata
e, enfim, pela riqueza mineral. Por volta de 1880, havia na África meridional
quatro entidades políticas brancas: de um lado, a Colónia do Cabo e Natal, com
maioria de população branca e de língua inglesa (respectivamente, 185 mil e 20
mil almas), e, de outro, a República Sul -Africana e o Estado Livre de Orange,
que, juntos, contavam mais de 50 mil brancos de língua holandesa.
Posteriormente, outra colónia inglesa foi fundada: Mashonalândia (12 de
Setembro de 1890). Nessas cinco colónias de povoamento, a grande massa de autóctones
africanos era dominada por minorias brancas.
Para as populações
San e Khoi -khoi, a submissão remontava a mais de dois séculos; para outras,
como os Xhosa, os Mfengu, os Tembu e os Mpondo, a dominação colonial, sob
diferentes formas, perdurava havia quase cem anos. Nos termos da Convenção de
Sand River (1852), britânicos e afrikaners tinham acordado não vender armas de
fogo às populações autóctones da África meridional. O acordo privava os
africanos de um meio de que necessitavam para sua autodefesa e para uma
resistência eficaz.
A cristianização e
o ensino levados a cabo pelos missionários também constituíram factores
importantes da evolução e da natureza da resistência africana à conquista
colonial. Os missionários tinham criado uma classe de pequenos burgueses
africanos (catequistas, professores, jornalistas, homens de negócios, advogados
e empregados de escritório), que reconheciam a pretensa inferioridade cultural
dos africanos, aceitando a colonização branca como fato consumado, e que
admiravam os brancos por seu poderio, riqueza e técnica. Podemos citar, entre
os representantes de tal elite, Tiyo Soga (1829-1871).
Os factores a que
aludimos influenciaram consideravelmente a natureza e a intensidade das
reacções africanas diante do avanço da colonização e do imperialismo europeu.
De modo geral, houve três tipos bem distintos de iniciativas e de reacções: a)
o conflito armado, levado pelos Zulu, Ndebele, Changanana, Bemba, Yao e Nguni,
assim como pelas chefias dos Mangwende, Makoni e Mutasa; b) o protectorado ou a
tutela, escolhidos pelos Sotho, Swazi, Ngwato, Tswana e Lozi, que possuíam
todos eles Estados independentes, não tributários, e procuraram a protecção dos
britânicos contra os bóeres e os Zulu, Ndebele, Bemba e Nguni; c) alianças,
pelas quais optaram numerosas comunidades pequenas e tributárias, vítimas de
assaltos e que viviam refugiadas, como os Khoi -khoi, os Xhosa, os Mpondo, os
Tembu, os Mfengu e os Hlubi na África do Sul, os Bisa, os Lungu, os Iwa e os
Senga na Rodésia do Norte, e os Cewa, os Njanja, os Nkonde e os Tonga na
Niassalândia, que esperavam assim obter “protecção, paz e segurança”. Havia
rivalidades históricas entre reinos novos e expansionistas, bem como conflitos
de interesses que opunham diferentes grupos culturais e dinastias dentro desses
mesmos reinos.
Cada dirigente,
cada sociedade e mesmo cada indivíduo reagia às crescentes usurpações dos
europeus em função do contexto de relações e realidades inter-regionais existentes
antes da chegada dos brancos. Os colonizadores europeus não deixaram de
explorar essa situação. Estudaram os sistemas políticos da África daquela
época, o que muitas vezes lhes permitiu prever as formas de reacção e de
resistência africanas. Descobriram assim que o expansionismo dos Zulu, dos
Ndebele, dos Yao e dos Nguni só podia funcionar sem choques se as aristocracias
fossem poderosas, os chefes locais fracos e divididos, ou, pelo menos, se estes
sentissem necessidade de protecção militar e confiassem na aristocracia
dirigente para lhes assegurar tal protecção.
Há mais de vinte
anos, os movimentos de resistência eram tidos simplesmente como impasses que a
nada levaram. Na última década, porém, tem‑se vigorosamente defendido que, por todos os
ângulos, esses movimentos se voltavam para o futuro. Do ponto de vista da
soberania, pode‑se afirmar que eles
anteciparam sua reconquista e o triunfo do nacionalismo africano. Na medida em
que são depositários de ideologias proféticas, pode‑se considerar que tenham contribuído para
novos agrupamentos em torno de ideias. Alguns trouxeram consigo a melhora da
situação dos povos revoltados. Outros instituíram lideranças alternativas às oficialmente
reconhecidas.
Eu[7]
próprio já afirmei que esses movimentos estavam “ligados” ao nacionalismo das
massas por terem sido movimentos de mobilização de massas, levando em conta a
continuidade da atmosfera e dos símbolos veiculados por outros movimentos de
massa do período intermediário e, enfim, porque os movimentos nacionalistas
manifestamente se inspiraram nas lembranças de um passado heróico.
Estes argumentos
foram desenvolvidos por outros historiadores e, hoje em dia, o carácter
precursor dos movimentos de resistência tornou‑se um axioma para os teóricos dos movimentos
nacionalistas e das guerrilhas. Assim, na conclusão de seu estudo sobre a
resistência ovimbundo aos portugueses, escreve Walter Rodney:
A
resistência armada no planalto de Benguela reapareceu nos últimos anos. As
circunstâncias em que se verificou este fenómeno e suas relações com épocas
anteriores são questões tão fundamentais que não procuraremos dar‑lhes resposta, pois esta seria forçosamente
incompleta. Basta notar que os angolanos que lutam pela liberdade afirmam haver
conexão entre suas guerras de libertação nacional e os movimentos de
resistência anteriores e que [com sua autoridade] as massas populares relembram
distintamente o espírito de tais acontecimentos, como a guerra dos Bailundo. Académicos
estéreis não se encontram à vontade para refutar isto[8].
Para as mitologias
rivais do imperialismo europeu e do nacionalismo colonial, mudança é uma
inovação introduzida pela dominação europeia nas sociedades ditas “tradicionais”.
Para os apologistas do imperialismo, aplicada aos povos coloniais a mudança
sugere progresso, transição linear, brusca e benéfica de uma cultura
tradicional estática e quase não -produtiva para um modernismo dinâmico e sem
limites. Mas para os nacionalistas coloniais a palavra traz a conotação de
“dilaceramento”, processo pelo qual imperialismos fechados a toda e qualquer
simpatia, a toda e qualquer compreensão, transtornam um universo idílico para
substituí-lo por tumulto, instabilidade e incerteza.
À parte essas
divergências, os dois grupos parecem concordar a respeito de certo número de
postulados relativos à mudança nas sociedades tradicionais sob domínio
colonial. Esses postulados abrangem a crença de que essas sociedades são fundamentalmente
estáticas e, portanto, desfasadas em relação aos valores modernos, de onde
resulta que as relações naturais entre ambos só poderiam ser conflituavas; a
crença de que valores, atitudes e estruturas novos abalam necessariamente seus
equivalentes tradicionais ao primeiro contacto e de que, em todas as colónias e
mesmo em todas as regiões geográficas, as sociedades tradicionais reagiram de
maneira uniforme ao impacto da cultura europeia.
Foi, portanto, sem
dificuldade que muitas instituições e ideias africanas autóctones sobreviveram
ao choque com valores europeus a elas estranhos, quando não se fundiram a eles.
Como exemplo, o caso dos Igbo, que é de regra considerar inteiramente ocidentalizados.
Segundo Sylvia Leith-Ross, nos anos 30 tanto praticavam a comunhão como a magia
e a medicina tradicionais, com desconcertante facilidade: “No jardim que cerca
a sua nova casa com teto de laje, plantam lado a lado o hibisco da
‘civilização’ e o ogirisi, árvore dos ritos pagãos familiares.
Há que apreender
claramente a natureza do nacionalismo na África para apreciar de modo correcto
os acontecimentos examinados nesta parte do nosso trabalho. Cumpre,
inicialmente, distinguir o nacionalismo europeu do século XIX e aquele que a
África colonizada experimentou entre as duas guerras mundiais. Na Europa, o
nacionalismo representou, para as comunidades que aceitavam a realidade de
identidades culturais e de um passado histórico comuns, a aspiração a uma
existência soberana dentro de organizações políticas (Estados) próprias.
A luta tinha como
objectivo garantir a coincidência entre a nação cultural e a organização de sua
vida política como Estado. Conforme demonstram os exemplos gregos, italiano e
alemão, o resultado definitivo dos movimentos nacionalistas foi a criação de
Estados Nacionais. Na África, as aspirações dos Estados e dos grupos que, até a
eclosão da Primeira Guerra Mundial, combateram contra as potências
imperialistas europeias e se esforçaram para impedir o estabelecimento do
sistema colonial eram essencialmente as mesmas que animavam os movimentos
nacionalistas europeus. No entanto, um dos efeitos da guerra foi consolidar as
posições das potências imperialistas frente aos defensores da independência e
da soberania africanas. Apesar da fermentação das ideias que contribuíram para
minar o sistema imperialista, a dominação colonial tornou -se uma situação de
fato, a ponto de certos autores considerarem o período entre as duas guerras
como a “idade de ouro” do colonialismo na África.
A maior parte das colónias criadas abrigava
grupos nacionais culturais e historicamente diferentes, cuja unidade derivava
principalmente do fato de estarem igualmente submetidas a um senhor
estrangeiro. A situação colonial representava para todos um quadro novo, onde
havia que forjar identidades novas que os sustentassem na luta contra as
atrocidades da dominação estrangeira. As fronteiras coloniais que, no mais das
vezes, englobavam diversas nações culturais sob uma administração imperial
comum foram aceitas tais como eram.
A constituição da
nova identidade consistia, de início, em aceitar a africanidade essencial das diversas
nações culturais. Os territórios das administrações coloniais passaram a
constituir, em praticamente todos os casos, a definição territorial daquilo que
os africanos começaram a considerar como protestados, em torno dos quais
procuravam desenvolver na população um sentimento de pertença com um.
Em 1935, o
colonialismo sufocava a África com seu torniquete. Parecia ter vindo para ficar
para sempre. No entanto, revelou-se tão efémero como todos os empreendimentos
baseados na força. No espaço de cerca de quarenta e cinco anos, a partir
daquele ano, mais de 90% do território africano havia se libertado do
colonialismo, que se mantinha somente ao sul do Limpopo. Na verdade, o
colonialismo perdurou em toda a África pouco menos de cem anos: desde a década
de 1880 até a de 1960. Na história de um povo e de um continente, esse período
é mais do que breve.
Talvez não haja
tema tão controverso como o da influência do colonialismo sobre a África. Para
alguns africanistas como L. H. Gann, Peter Duignan, Margery Perham e P. C.
Lloyd, de modo geral sua influência foi benéfica e, na pior das hipóteses, não
prejudicial para a África.
Lloyd, por exemplo,
não hesita em afirmar o carácter positivo da influência colonial:
É
fácil questionar hoje a lentidão do desenvolvimento económico durante os
cinquenta anos de dominação colonial. Não obstante, a diferença entre a condição
da sociedade africana do final do século XIX e a do final da Segunda Guerra
Mundial é espantosa. As potências coloniais proporcionaram toda a infra-estrutura
da qual dependeu o progresso na época da independência: aparelho
administrativo, aliás eficiente, que alcançava as aldeias mais remotas, uma
rede de estradas, de ferrovias e de serviços básicos em matéria de saúde e de
educação. As exportações de matérias‑primas
trouxeram considerável riqueza aos povos da África ocidental[9].
Em suas
conferências de Reith, Margery Perham também afirmou que
os
críticos do colonialismo estão principalmente interessados no presente e no
futuro imediatos, mas há que lembrar que nosso império em vias de extinção
deixou atrás de si uma vasta herança histórica, carregada de legados positivos,
negativos e neutros. Nem nós nem eles deveríamos omitir esta verdade[10].
É interessante
notar que D. K. Fieldhouse, outro historiador inglês, chegou à mesma conclusão
,em uma obra recentíssima (1981):
Parece
então que o colonialismo não merece os elogios nem as maldições que comummente
lhe lançam, pois que, se fez relativamente pouco para superar as causas da
pobreza nas colónias, não foi ele quem criou essa pobreza. O império teve
importantíssimos efeitos económicos, alguns bons, outros maus [...][11].
O impacto no
terreno político foi, portanto, importante, mesmo que sua positividade esteja
longe de ser total. De igual importância, e até maior, foi a herança económica.
O primeiro efeito positivo do colonialismo – o mais evidente e o mais profundo
– foi a constituição de uma infra-estrutura de estradas e vias-férreas, a
instalação do telégrafo, do telefone e, às vezes, de aeroportos. Nada disso
existia evidentemente na África pré‑colonial,
onde, como disse J. C. Caldwell, “quase todos os transportes terrestres – até a
era colonial – se faziam às costas dos homens”.
Essa infra-estrutura
de base foi terminada na África por volta da década de 1930 e, depois disso,
poucos quilómetros de ferrovias foram acrescentados. Sua importância ia além do
interesse puramente económico, já que facilitava o movimento não só de mercadorias,
de culturas de exportação e de tropas, mas também de pessoas – o que contribuiu
para reduzir o “espírito paroquiano”, o regionalismo e o etnocentrismo.
O impacto do
colonialismo sobre o sector primário da economia foi igualmente significativo e
importante. O colonialismo tratou por todas as formas de desenvolver e de explorar
alguns dos ricos recursos naturais do continente – e, nesse plano, obteve
êxitos importantes. Foi durante o período colonial que todo o potencial mineral
da África foi descoberto, a indústria mineira teve enorme expansão e as safras
de exportação – cacau, café, tabaco, amendoim, sisal, borracha etc. – se
disseminaram. Foi durante esse período que a Costa do Ouro se tornou o primeiro
produtor mundial de cacau, enquanto em 1950 as culturas de exportação
representavam 50% do produto interno bruto da África Ocidental Francesa.
Há que salientar,
como M. H. Y. Kaniki o fez antes, que na África ocidental essas culturas foram
desenvolvidas pelos próprios africanos, o que mostra claramente seu desejo e
capacidade de adaptação e resposta favoráveis aos estímulos positivos. Conforme
demonstrou J. Forbes Munro, a maior parte dessas mudanças económicas fundamentais
manifestou‑se durante vinte
anos, de meados dos anos 1890 a 1914, época em que “as infra-estruturas da
maior parte das economias nacionais contemporâneas foram criadas pelas
autoridades coloniais” e em que “o comércio entre a África e o resto do mundo
se desenvolveu a um ritmo sem precedente histórico”[12].
Essa revolução económica
teve consequências de grande alcance. A primeira foi a comercialização da
terra, o que a transformou em valor real. Antes da era colonial, é
incontestável que enormes extensões de terra, em muitas partes da África,
estavam subpovoadas e sub-exploradas.
A introdução e a
difusão das culturas de exportação, bem como o desenvolvimento das indústrias
mineiras, puseram termo a tal situação. De fato, o ritmo de desmatamento das
florestas virgens foi tal que as autoridades coloniais se viram obrigadas a
constituir reservas um pouco por toda a parte da África para deter sua
exploração. Em segundo lugar, a revolução económica provocou o aumento do poder
aquisitivo de alguns africanos e, portanto, da procura de bens de consumo. Em
terceiro lugar, o fato de os próprios africanos cultivarem safras exportáveis
permitiu que as pessoas enriquecessem, fosse qual fosse sua posição social,
principalmente nas regiões rurais.
Falar sobre a
África na era do Tráfico de escravos ou colonial, é abordar sobre um tema amplo
que cresce a cada dia, a fonte usada para realização deste trabalho, por
exemplo, tem mais de 1022 páginas, todas elas falando, unanimemente, do passado
da África, esperamos, deste modo, que o breve resumo apresentado neste estudo
tenha nos ajudado a entender toda a dinâmica do processo de escravização e do
tráfico de escravos, bem como retratado essa época, responsável pela diáspora
dos negros africanos.
O objectivo da
pesquisa que se caracterizou pela análise histórica da África na era do Tráfico
de escravos, resultou em novos e significativos conhecimentos sobre a temática,
e, acreditamos que o mesmo possa contribuir para o aprimoramento do trabalho
docente.
Por fim, desejamos
que esta pesquisa, proporcione novos questionamentos a serem analisados
futuramente, contribuindo dessa maneira, para o estabelecimento de uma relação
étnicoracial mais harmoniosa, na construção de uma sociedade mais justa e
igualitária.
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jeune Algérien. Paris, Éditions de la Jeune Parque. – o 1962. Le nuit
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Gostaria de Ter essa matéria como que eu faço ?
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