INSTITUTO SUPERIOR
POLITÉCNICO DE INOCÊNCIO NANGA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
LICENCIATURA EM ENFERMAGEM
ENFERMAGEM EM SAÚDE MENTAL
TRANSTORNOS DE COMPORTAMENTO PELO USO
DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS
LUANDA
2016
INSTITUTO SUPERIOR
POLITÉCNICO DE INOCÊNCIO NANGA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
LICENCIATURA EM ENFERMAGEM
ENFERMAGEM EM SAÚDE MENTAL
TRANSTORNOS DE COMPORTAMENTO PELO USO
DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS – ALCOOLISMO
CLEMENTINA SILVA
ELIZABETH SEBASTIÃO
LOIDE MUQUEMBO
MAGDA DOMINGOS
MARCELA MUQUEMBO
|
LUANDA
2016
SUMÁRIO
As substâncias psicoativas com potencial de abuso são
alvo da preocupação da sociedade angolana, devido ao aumento considerável do
consumo das mesmas nas últimas duas décadas, tornando-se cada vez mais precoce
entre adolescentes e mesmo crianças. Paralelamente, a comunidade identifica
problemas correlatos — como o crescimento da criminalidade e de acidentes
automotivos, comportamentos anti-sociais, abandono da escola etc. A perplexidade
por parte significativa da população que estigmatiza o problema aliada à falta
de políticas públicas de longo prazo para solucioná-lo estão em confronto com a
crescente demanda por serviços de tratamento.
A comunidade científica tem feito sua parte, seja
produzindo pesquisas que identificam a gravidade do problema ou apontando
soluções racionais. As entidades médicas também vêm estimulando esses trabalhos
e propondo alternativas de cuidados médicos que promovam a inclusão social dos
pacientes no sistema de assistência à saúde.
O desenvolvimento de directrizes para essas doenças
sempre esteve pautado no objectivo de auxiliar o médico e o paciente na tomada
de decisões mais adequadas ao tratamento. Mas a actuação e a abordagem do
médico trazem impactos significativos sobre o tratamento, principalmente em
relação àquelas doenças com importantes repercussões nos serviços de saúde.
A trajectória humana sempre esteve associada ao uso de
substâncias psicoativas. Muitas delas já tiveram seu uso indiscriminado e,
inclusive, incentivado por profissionais de saúde. Drogas como o tabaco e a
cocaína eram vistas como potencializadores cognitivos; o ácido lisérgico era
tido como um estimulante da criatividade. Foi somente a partir da década de
1960 que os malefícios e o potencial para desenvolver uso abusivo e dependência
foram definitivamente reconhecidos. Desde então, seu uso tem sido
desaconselhado e inclusive proibido na maioria dos países.
Apesar disso, o número de novas drogas e de
“usuários-problema” tem crescido espantosamente. Nas últimas décadas, a questão
tornou-se prioritária no âmbito de saúde pública. Além do aumento no consumo,
tal destaque é embaçado pela maior precocidade no início deste uso e pela
abrangência e impacto das complicações clínicas e sociais associadas.
Entretanto, em detrimento deste destaque, ainda observamos largas deficiências
no conhecimento geral sobre o assunto e na abordagem destes indivíduos pelos
profissionais de saúde.
Substâncias com potencial de abuso são aquelas que podem
desencadear no indivíduo a auto-administração repetida, que geralmente resulta
em tolerância, abstinência e comportamento compulsivo de consumo. Tolerância é
a necessidade de crescentes quantidades da substância para atingir o efeito desejado.
As substâncias com potencial de abuso discutidas neste conjunto de directrizes
são agrupadas em oito classes: álcool, nicotina, cocaína, anfetaminas e êxtase,
inalantes, opióides, ansiolíticos benzodiazepínicos e maconha.
O conceito actual de dependência química é descritivo,
baseado em sinais e sintomas. Isso lhe conferiu objectividade. O novo conceito,
além de trazer critérios diagnósticos claros, apontou para a existência de
diferentes graus de dependência, rejeitando a idéia dicotómica anterior
(dependente e não dependente). Desse modo, a dependência é vista como uma
síndrome, determinada a partir da combinação de diversos factores de risco, aparecendo
de maneiras distintas em cada indivíduo.
De uma maneira mais clara, podemos dizer que substâncias
psicoativas são aquelas que alteram o psiquismo. Diversas dessas drogas possuem
potencial de abuso, ou seja, são passíveis da auto administração repetida e
consequente ocorrência de fenómenos, como uso nocivo (padrão de uso de
substâncias psicoativas que está causando dano à saúde física ou mental),
tolerância (necessidade de doses crescentes da substância para atingir o efeito
desejado), abstinência, compulsão para o consumo e a dependência (síndrome
composta de fenómenos fisiológicos, comportamentais e cognitivos no qual o uso
de uma substância torna-se prioritário para o indivíduo em relação a outros
comportamentos que antes tinham maior importância).
As substâncias psicoativas são divididas em três grupos:
1. Drogas psicoanalépticas ou estimulantes do SNC (cocaína,
anfetamina, nicotina, cafeína etc.).
2. Drogas psicolépticas ou depressoras do SNC (álcool,
benzodiazepínicos, barbitúricos, opioides, solventes etc.
3. Drogas psicodislépticas ou alucinógenas (cannabis, LSD,
fungos alucinógenos, anticolinérgicos etc.).
Quanto à etiologia e à fisiopatologia do abuso e da
dependência de substâncias psicoativas, não há respostas satisfatórias e
definitivas. Diversas hipóteses buscam contemplar a motivação envolvida no
consumo e na dependência a determinadas substâncias, fenómeno provavelmente
multifatorial. Uma teoria de destaque neste campo é a do sistema de recompensa,
o qual supostamente comanda as necessidades essenciais à sobrevivência do
indivíduo e da espécie. Assim, actividades estimulantes activam o circuito da
recompensa (circuito córtico-límbico), liberando neurotransmissores responsáveis
por uma sensação de bem-estar e prazer (sobretudo dopamina e glutamato) e,
consequentemente, desejo por repetir a experiência. Postula-se que, na
dependência química, ocorra uma alteração nesta aprendizagem: a adição a drogas
aumenta a liberação de dopamina e promove uma “superaprendizagem” no sistema de
recompensa. Isso eleva os níveis de glutamato e promove o comportamento de
busca activa da droga, para reequilibrar o sistema de recompensa. Esta
“superaprendizagem” é memorizada pelo sistema, o que teoricamente faz um
indivíduo dependente ser sempre dependente. Outros circuitos neuronais e
neurotransmissores também podem estar envolvidos na mediação fisiológica do
consumo de drogas. Uma compreensão global ainda parece estar longe de ser
obtida.
Os problemas relacionados ao consumo do álcool só podem
ser comparados àqueles causados pelo consumo do tabaco e pela prática de sexo sem
protecção. As complicações relacionadas ao consumo de álcool não estão
necessariamente relacionadas ao uso crónico. Intoxicações agudas, além de
trazer riscos directos à saúde, deixam os indivíduos mais propensos a acidentes.
Desse modo, os problemas relacionados ao consumo de álcool podem acometer
indivíduos de todas as idades. Eles devem ser investigados por todos os
profissionais de saúde, em todos os pacientes. O diagnóstico precoce melhora o
prognóstico entre esses indivíduos.
Aqueles que possuem um padrão nocivo de consumo devem ser
motivados para a abstinência ou a adopção de padrões mais razoáveis de consumo.
Para aqueles que possuem diagnóstico de dependência de álcool, o encaminhamento
para um serviço de tratamento especializado deve ser recomendado.
A dependência de álcool acomete de 10% a 12% da população
mundial e 11,2% dos brasileiros que vivem nas 107 maiores cidades do país,
segundo levantamento domiciliar sobre o uso de drogas. É por isso, ao lado da
dependência de tabaco, a forma de dependência que recebe maior atenção dos
pesquisadores. Muitas características, tais como género, etnia, idade,
ocupação, grau de instrução e estado civil podem influenciar o uso nocivo de
álcool, bem como o desenvolvimento da dependência ao álcool. A incidência de
alcoolismo é maior entre os homens do que entre as mulheres. O mesmo se repete
entre os mais jovens, especialmente na faixa etária dos 18 aos 29 anos, declinando
com a idade.
A dependência
química é uma doença crónica e multifatorial, isso significa que diversos factores
contribuem para o seu desenvolvimento, incluindo a quantidade e frequência de
uso da substância, a condição de saúde do indivíduo e factores genéticos, psicossociais
e ambientais.
Muitos estudos buscam identificar características que
predispõe um indivíduo a um maior risco de desenvolver abuso ou dependência. Em
relação ao álcool, por exemplo, estima-se que os factores genéticos expliquem
cerca de 50% das vulnerabilidades que levam o indivíduo a fazer uso pesado de
álcool - principalmente genes que estariam envolvidos no metabolismo do álcool
e/ou na sensibilidade aos efeitos dessa substância, sendo que filhos de
alcoolistas possuem quatro vezes mais riscos de desenvolverem alcoolismo, mesmo
se forem criados por indivíduos não-alcoolistas. Além disso, factores
individuais e aspectos do beber fazem com que mulheres, jovens e idosos sejam
mais vulneráveis aos efeitos das bebidas alcoólicas, o que o colocam em maior
risco de desenvolvimento de problemas.
Os critérios do
“Manual Estatístico e Mental de Transtornos Mentais” (4ª edição; DSM-IV), da
Associação Americana de Psiquiatria, e “Classificação Internacional de Doenças”
(10ª edição; CID-10), da Organização Mundial da Saúde (OMS) são os mais comummente
empregados para o diagnóstico dos transtornos relacionados ao uso de
substâncias.
Variados
questionários de auto preenchimento (tais como ASSIST, CAGE, AUDIT) e testes
sanguíneos também têm sido empregados, em contexto clínico, com tais fins, mas
não podem ser considerados como substitutos de uma cuidadosa entrevista clínica.
Existem ainda alguns exames (marcadores biológicos) que são indicadores fisiológicos
da exposição ou ingestão de drogas, e podem auxiliar no diagnóstico e no tratamento.
No caso do álcool,
por exemplo, é possível citar o alanina aminotransferase (ALT), volume
corpuscular médio (VCM) e o gama-glutamiltransferase (GGT). É importante também
realizar um exame físico e atentar-se a sinais e sintomas que podem auxiliar na
identificação do problema, como por exemplo sintomas de abstinência,
hipertensão leve e flutuante, infecções de repetição, arritmias cardíacas não
explicadas, cirrose, hepatite sem causa definida, pancreatite, entre outras.
Quando o paciente é
diagnosticado, é importante que além do tratamento para a dependência química,
o indivíduo também tenha acompanhamento clínico para garantir a melhora de sua
saúde como um todo.
O tipo de ajuda
mais adequado para cada pessoa depende de suas características pessoais, da
quantidade e padrão de uso de substâncias e se já apresenta problemas de ordem
emocional, física ou interpessoal decorrentes desse uso.
A avaliação do
paciente pode envolver diversos profissionais da saúde, como médicos clínicos e
psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, educadores físicos, assistentes
sociais e enfermeiros. Quando diagnosticada, a dependência química deve contar
com acompanhamento a médio-longo prazo para assegurar o sucesso do tratamento,
que varia de acordo com a progressão e gravidade da doença.
Em se tratando da
prevenção de problemas relacionados as drogas, é de vital importância que
estratégias de prevenção sobre a questão sejam desenvolvidas, incorporando
abordagens baseadas em evidências culturalmente apropriadas, com prioridade
para gestantes, jovens, menores de idade e outras populações vulneráveis.
Não existe um
modelo ideal e único de programa, e sim diferentes possibilidades de abordar
estas questões. O que se percebe é que terão mais sucesso as acções que
contemplam abordagens multidisciplinares, ou seja, trabalho e estudo de
profissionais de diversas áreas e especialidades.
Em relação à prevenção de novas recaídas, sugere-se que o
paciente mantenha sempre o acompanhamento com profissionais especializados e
que sempre avaliem a proposta terapêutica, verificando a necessidade de
ajustes. Ainda, participar de sessões de psicoterapia (principalmente com
abordagens comportamentais) podem oferecer estratégias para que o indivíduo
consiga lidar com situações de alto risco ou forte desejo de consumir a
substancia, além de maneiras de evitar e prevenir recaídas.
O consumo do álcool
pelo homem remonta à antiguidade. À semelhança da heroína, da cocaína e do
crack, o álcool é uma droga que vicia, altera o estado mental da pessoa que o
utiliza, levando-a a actos insensatos, muitas vezes violentos. Além de causar
problema para o usuário, ele também interfere na relação com a família e com a sociedade.
O alcoolismo geralmente está associado a outras condições psiquiátricas como
transtornos de personalidade, depressão, transtorno afectivo bipolar (antiga
psicose maníaco-depressiva), transtornos de ansiedade e suicídio. Deve-se
destacar que não existe apenas um modelo a seguir para o planeamento de
cuidados da enfermagem na área da dependência química, de forma que o cuidado
de enfermagem direccionado ao paciente com dependência química deve ser
estruturado de acordo com as necessidades de repostas aos problemas de saúde
que o mesmo está enfrentando. No exercício de suas funções, o profissional de
enfermagem pode incentivar e apoiar o dependente químico a assumir a
responsabilidade pela melhora na qualidade de sua vida em todos os níveis. Ele
deve ainda saber identificar os problemas associados ao uso das substâncias,
ouvir as queixas do paciente, perceber os mecanismos de defesa envolvidos
(negação, por exemplo), identificar o padrão de consumo da substância no dia,
no mês e ao longo da história do paciente, na busca da caracterização do uso
nocivo ou dependência.
Constatamos assim
que considerada substância psicoativa (drogas) é qualquer substância que, utilizada
por qualquer via de administração, altera o humor, o nível de percepção ou o
funcionamento cerebral, podendo ser legalmente usadas, prescritas ou ilícitas
(ilegais).
Entendemos ainda
que, na maior parte das vezes, o início de uso de substâncias psicoativas se dá
no lar, com substâncias lícitas e contando com a anuência implícita ou
explícita dos pais. As comemorações familiares costumam oportunizar
especialmente o uso de tabaco e de álcool, frequentemente presentes até mesmo
em festas de primeiro ano de vida das crianças da família.
Por outro lado, a
dependência química é um fenómeno que pode ser compreendido de diversas
maneiras. Enquanto fenómeno, admite várias interpretações, porém, isoladamente,
nenhuma delas poderá contemplar a compreensão de sua totalidade. As consequências
da dependência química são poderosas determinantes para a morbi-mortalidade. Antigamente
se pensava que dependente químico era um indivíduo viciado e como tal se
tratava o mesmo. Hoje, o grande número de pesquisas científicas realizadas
sobre a dependência química comprova que o dependente químico é um indivíduo
doente e que a dependência química está presente em todas as camadas sociais,
sob diversas formas.
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