quarta-feira, 20 de abril de 2016

RELAÇÃO ENTRE PSICOLOGIA E MEDICINA - Trabalho elaborado por VIEIRA MIGUEL MANUEL

REPÚBLICA DE ANGOLA
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
ESCOLA DO IIº CICLO DO ENSINO SECUNDÁRIO Nº 4019
INNE - CACUACO 












PSICOLOGIA






RELAÇÃO ENTRE PSICOLOGIA E MEDICINA





















LUANDA
2016


ESCOLA DO IIº CICLO DO ENSINO SECUNDÁRIO Nº 4019
INNE









PSICOLOGIA

RELAÇÃO ENTRE PSICOLOGIA E MEDICINA


Grupo nº: 04
Classe: 11ª
Curso: Ciências Humanas
Turma: K6
Sala: 6
Período: Tarde


INTEGRANTES:

1.    Rebeca Lourino Pedro
2.    Rosália João Diniz
3.    Rui Mário Filipe Bernardo
4.    Sampaio Lourenço
5.    Serafina Alzira Kalulemi
6.    Tatiana de Fátima Baptista
7.    Tepelino Domingos Simão
8.    Teresa Luís Martins
9.    Viliana Paulo Lourenço








A Docente

_______________
Isabel Pilartes


LUANDA
2016
SUMÁRIO


2.6         PSICOLOGIA E MEDICINA - A POSSÍVEL RELAÇÃO




 




O presente trabalho se refere a uma pesquisa bibliográfica acerca de possíveis relações entre a Psicologia e Medicina. Desta forma conduziu-se o trabalho com o propósito de compreender aspectos relativos às especificidades tanto da Psicologia Hospitalar quanto da Medicina. Mediante à realização do trabalho foi possível identificar, reconhecer e mesmo compreender algumas nuances que, embora não justifiquem, em alguma medida explicam algumas posturas profissionais tomadas no trabalho e, dado seu modo de acontecer, no encontro com o(s) outro(s). Enfim, mais do que descrever aspectos da dinâmica de funcionamento da Psicologia Hospitalar e do Hospital, o presente estudo viabilizou crer que a concatenação entre tais é passível e desejável de realizar-se.

Portanto, mais do que meramente descrever aspectos relativos à Psicologia e à Medicina, o presente trabalho se propôs a viabilizar, ainda que de maneira subtil, a constatação de que o trabalho conjunto embora penoso pode ser forjado por uma escolha, considerando-se aspectos morais e éticos específicos de cada atribuição profissional.

Assim, a discussão da temática se deu levando em consideração as especificidades de cada profissão, mas sempre partindo da tentativa de não negligenciar as possibilidades criadoras, criativas e curativas dessa profícua associação entre Psicologia e Medicina.






De acordo com Schultz e Schultz (1981), aqui encontra-se um paradoxo. A Psicologia é uma das mais antigas disciplinas académicas, ao mesmo tempo em que é também uma das mais novas. A aparente contradição demonstra, de modo irrefutável, uma continuidade vital entre passado e presente em termos de seu objecto de estudo, uma vez que as mesmas espécies de interrogações feitas actualmente sobre a natureza humana também o eram há séculos atrás.

Para os autores supra citados, o que verdadeiramente distingue a disciplina mais antiga da filosofia da Psicologia Moderna são a abordagem e as técnicas usadas, que demonstram a emergência desta última como um campo de estudo próprio e, essencialmente científico. De tal modo, a distinção entre a Psicologia Moderna e seus antecedentes está menos nos tipos de perguntas feitas sobre a natureza humana do que nos métodos empregados na busca das respostas.

Consequentemente, uma considerável parte da história da Psicologia, depois de sua separação da Filosofia, é a história do contínuo aprimoramento de instrumental, técnicas e métodos de estudo voltados para o alcance de uma precisão e objectividade maiores tanto no âmbito das perguntas quanto no das resposta. Segundo estes autores, o primeiro indício de um campo distinto de pesquisa conhecido como Psicologia manifestou-se no último quarto do século XIX, momento em que o método científico foi adoptado como um recurso para tentar solucionar problemas desta disciplina.
Irrefutavelmente, a Psicologia se expandiu e causa significativo impacto na vida quotidiana. Seja qual for a idade, ocupação ou interesses, a vida do sujeito é, em alguma medida, influenciada pelo trabalho de Psicólogos, ou mesmo por sua ausência.

Para Schultz e Schultz (1981), desde o início da história registada, estudiosos vêm tentando compreender o pensamento e o comportamento humanos. Seus esforços têm produzido muitas descobertas e conclusões respeitáveis, embora também devam ser considerados os mitos e imprecisões. Contudo, muitos dos questionamentos levantados séculos atrás ainda são relevantes hoje, o que denota uma considerável continuidade de problemas, e, sobretudo que a Psicologia tem uma ligação vital e tangível com o seu próprio passado.

De fato, não existe uma uniformidade na abordagem ou definição da Psicologia Moderna. Em vez disso, ocorre uma enorme diversidade, e até desacordo e fragmentação, tanto em termos de especializações científicas e profissionais quanto em termos de objecto de estudo. No entanto, "o conhecimento da história pode trazer ordem à desordem e produzir sentido a partir do caos; permite enxergar o passado com mais clareza e explicar o presente" (Schultz e Schultz, 1981, p. 20).

Temática inesgotável, "a história da Psicologia é por si só uma narrativa fascinante, a qual não faltam o drama, a tragédia e as idéias revolucionárias" (Schultz e Schultz, 1981, p. 21).





Segundo Straub (2005), responsável por estabelecer as raízes da medicina ocidental quando se rebelou contra o antigo foco no misticismo e na superstição, o filósofo grego Hipócrates (cerca de 460 a 377 a.C.), frequentemente chamado de "o pai da medicina moderna", foi o primeiro a afirmar que a doença era um fenómeno natural e que suas causas, seu tratamento e sua prevenção podem ser conhecidos e merecem estudos sérios. Segundo o autor, assim, foi construída a base mais antiga para uma abordagem científica da cura.

Assim, foi proposta por Hipócrates a primeira explicação racional para o fato de as pessoas adoecerem – teoria humoral. Ainda que tenha sido descartada à medida que foram feitos avanços em anatomia, fisiologia e microbiologia, a noção sobre os traços da personalidade estarem ligados aos fluidos corporais persiste na medicina popular e alternativa de muitas culturas. Além disso, é sabido que muitas doenças envolvem um desequilíbrio entre os neurotransmissores do cérebro, de modo que Hipócrates não estava completamente equivocado. De tal modo vale a descrição que segue:

"(...) um corpo e uma mente saudáveis resultavam do equilíbrio entre quatro fluidos corporais chamados de humores: sangue, bile amarela, bile negra e fleuma. Quando os humores estavam desequilibrados, contudo, o corpo e a mente seriam afectados de maneiras previsíveis, dependendo de qual dos quatro humores estivessem em excesso." (Straub, 2005, p. 28).

Para Straub (2005), outra grande figura na história da medicina ocidental foi o médico Claudius Galeno (cerca de 129 a 200 d.C.). Conduzindo estudos de dissecação de animais e tratando os ferimentos graves dos gladiadores romanos, a partir dos quais ele aprendeu grande parte do que anteriormente não se sabia a respeito da saúde e da doença. Galeno escreveu volumes a respeito da anatomia, higiene e dieta, construídos sobre as bases hipocráticas da explicação racional e da descrição cuidadosa dos sintomas físicos de cada paciente. Galeno desenvolveu um sistema elaborado de farmacologia que os médicos seguiram por quase 1.500 anos.

Tal sistema era fundamentado na noção de que cada um dos quatro humores do corpo possuía sua própria qualidade elementar que determinava o carácter de doenças específicas. Embora tais visões possam parecer arcaicas, a farmacologia de Galeno era lógica, baseada em observações cuidadosas, e semelhantes aos antigos sistemas de medicina que surgiram na China, Índia e em outras culturas não-ocidentais. De maneira que muitas formas de medicina alternativa ainda usam idéias semelhantes, hoje em dia.

Segundo Straub (2005), em meados do século V d.C. a doença era vista como punição divina por algum mal realizado e acreditava-se que doenças epidémicas, que ocorreram durante a Idade Média, eram um sinal da ira de Deus. Neste cenário, embora os seguidores de Hipócrates e Galeno continuassem a promover uma abordagem científica, a maioria dos médicos medievais enfatizava a feitiçaria, a demonologia e outras formas de tratamento. De modo que houve poucos avanços científicos na medicina europeia por 1.500 anos.

No final do século XV, nascia a era da Renascença. Com o ressurgimento da investigação científica, esse período vivenciou a revitalização do estudo da anatomia e da prática médica. René Descartes, cuja primeira inovação foi o conceito do corpo humano como máquina, descreveu todos os reflexos básicos do corpo, construindo, modelos mecânicos para demonstrar seus princípios. Descartes acreditava que a doença ocorria quando a máquina estragava e a tarefa do médico era consertar a máquina. Conhecido por sua crença de que a "mente e o corpo são processos separados e autónomos, que interagem de forma mínima e que cada um deles está sujeito a diferentes leis de causalidade", Descartes defendia o ponto de vista do dualismo mente-corpo ou dualismo cartesiano; baseado na doutrina de que os seres humanos possuem duas naturezas, a mental e a física (Straub, 2005, p. 30).


Straub (2005), refere hoje ser possível afirmar que a psicologia da saúde possui focos e objectivos próprios. Tendo sido os quatro principais aqueles estabelecidos pela American Psycological Association (APA) e seu então presidente Joseph Matarazzo e publicados no primeiro volume de seu periódico oficial, Health Psychology.

Para o referido autor, tendo a saúde como seu tema fundamental, a Psicologia da Saúde é um subcampo da Psicologia que aplicam princípios e pesquisas psicológicas para melhoria, tratamento e prevenção de doenças. As áreas de interesse da Psicologia da Saúde incluem condições sociais, factores biológicos e traços de personalidade.

Um campo relativamente novo que irá desempenhar um papel fundamental para o enfrentamento de desafios para a saúde do mundo, a Psicologia da Saúde é a ciência que busca responder questões relativas à forma como o bem-estar das pessoas pode ser afectado pelo que se pensa, sente e faz. Por se tratar de um subcampo da Psicologia, a Psicologia da Saúde tem como premissa "quatro objectivos" distintos porém complementares:

a)    Estudar de forma científica as causas e origens de determinadas doenças, ou seja, a sua etiologia. Os psicólogos da saúde estão principalmente interessados nas origens psicológicas, comportamentais e sociais da doença.

b)    Promover a saúde. Preocupa-se com questões sobre como levar as pessoas realizarem comportamentos que promovam a saúde (praticar exercícios regularmente, comer alimentos nutritivo, etc.).

c)    Prevenir e tratar doenças. Projecta programas para ajudar as pessoas a pararem de fumar, perderem peso, administrarem o estresse, e minimizarem outros factores de risco de uma saúde fraca. Preocupa-se também com aquelas que já estão doentes, em seus esforços para adaptarem-se a suas doenças ou obedecerem regimes de tratamento difíceis.

d)    Promover políticas de saúde pública e aprimoramento do sistema de saúde pública. Os psicólogos da saúde são bastante activos em todos os aspectos da educação para a saúde, e reúnem-se com frequência com os líderes governamentais que formulam políticas públicas na tentativa de melhorar os serviços de saúde para todos os indivíduos.

Notadamente, as tendências sociais e históricas, criaram a necessidade de um modelo novo e mais amplo de saúde e de doença, os psicólogos da saúde estando cada vez mais dispostos a alcançar o êxito diante de tal tendência. Deste modo, estes profissionais desenvolveram diversos modelos, ou perspectivas, para guiar seu trabalho.


Provavelmente por se tratar de um novo capítulo na história da Medicina, a Psicologia Médica pode ser melhor percebida como um estudo do que como uma prática. O que verdadeiramente não diminui seu mérito, uma vez que a maioria das práticas é melhor aproveitada e praticada quando advindas de estudo aprofundado.

Para Muniz e Chazan (2010), no âmbito da Psicologia Médica, a proposta é estudar a psicologia do estudante, do médico, do paciente, da relação entre estes, da família e do próprio contexto institucional dessas relações.

Levando em consideração o contexto da criação e da prática da Psicologia Médica, é possível perceber que "a Psicologia Médica tem como principal objectivo de estudo, as relações humanas no contexto médico. Portanto, a compreensão do homem em sua totalidade, em seu diálogo permanente entre mente e corpo, em sua condição biopsicossocial, é fundamental para a Psicologia Médica" (Muniz e Chazan, 2010, p. 49 in Mello Filho, Burd e Cols, 2010).

Se a interlocução entre ensino e prática é questão fundamental, e portanto indispensável, pode-se partir do princípio de que "pouco adiantam os conhecimentos de ordem intelectual em Psicologia Médica se eles não forem experienciados na prática clínica do estudante ou médico" (Muniz e Chazan, 2010, p. 51 in Mello Filho, Burd e Cols, 2010). É possível crer que "perceber o que não é directamente explicitado pelo paciente não é tarefa fácil. Escutar o que não é dito em palavras requer um modelo de relação que, de forma alguma, é o habitual" (Muniz e Chazan, 2010, p. 52 in Mello Filho, Burd e Cols, 2010). ...as transformações, ou melhor, as possibilidade de mudanças nas atitudes dos estudantes estarão ligadas directamente à intensidade das experiências emocionais vividas no decorrer de sua formação médica. E desenvolvendo a capacidade de elaborar seus conflitos. De reflectir sobre suas angústias, que o estudante poderá posteriormente ouvir as angústias do paciente" (Muniz e Chazan, 2010, p.52 in Mello Filho, Burd e Cols, 2010). Assim, como ocorre em Psicologia de um modo geral.

Segundo Caixeta (2010), o conceito de Psicologia Médica é controverso desde o início. Portanto, em uma tentativa de elucidar não tão-somente o conceito, mas, sobretudo a prática do profissional de Psicologia Médica, vale lançar mão de seus objectivos. Para o autor, os objectivos da Psicologia Médica não se confundem, com os da Psiquiatria ou Psicanálise, estando fundamentados sobretudo no estudo e manejo dos problemas psicológicos inerentes aos médicos, no estudo sobre o adoecer e o morrer, no estudo das repercussões sistémicas ou cerebrais sobre a psicologia do paciente, na repercussão da doença sobre a psicodinâmica familiar, na importância dos factores psicobiológicos dentro da génese, desencadeamento e terapêutica de certas doenças, no mitigar convenientemente as angústias espirituais e existenciais ao curso das enfermidades longas e difíceis, no escutar o paciente, escutar sobre a doença, escutar as queixas e o sofrimento do paciente e de seus próximos, no esclarecer, na medida do possível, as complexas relações psicobiológicas entre "alma e corpo" dentro do contexto médico, e, no fornecer aos médicos noções psicológicas práticas indispensáveis ao seu exercício médico quotidiano.

Em um nível mais profundo de Psicologia Médica (no tocante à Psiquiatria de Ligação ou aos serviços Especializados em Psicologia Médica), empenha-se enxergar os factores psicopatológicos presentes dentro de certas relações médico-paciente. É então um nível mais aprofundado de Psicologia Médica e que releva uma assistência mais especializada, pertencente talvez a um serviço de Psiquiatria de Ligação ou de Psicologia Médica (Caixeta, 2010).

Enfim, embora seja tanto tentador quanto mais fácil fragmentar a actividade médica em uma Medicina Somática e uma Medicina Psicológica, na maioria das vezes uma em detrimento da outra, faz-se necessária a unificação da medicina intentando uma melhor compreensão, terapia mais eficaz e indubitavelmente, um prazer e um interesse acrescidos a prática.


Mais que uma actuação determinada por uma localização, a "Psicologia hospitalar é o campo de entendimento e tratamento dos aspectos psicológicos em torno do adoecimento" – aquele que se "dá quando o sujeito humano, carregado de subjectividade, esbarra em um "real", de natureza patológica, denominado "doença"..."(Simonetti, 2004, p. 15).

É importante apontar o objecto da psicologia hospitalar e estabelecer que está relacionado aos aspectos psicológicos, e não às causas psicológicas.

Assim, fica estabelecido que "a psicologia hospitalar não trata apenas das doenças com causas psíquicas, classicamente denominadas "psicossomáticas", mas sim dos aspectos psicológicos de toda e qualquer doença", uma vez que é factível que "toda doença encontra-se repleta de subjectividade, e por isso pode se beneficiar do trabalho da psicologia hospitalar" (Simonetti, 2004, p. 15).

Embora o foco da psicologia hospitalar seja o aspecto psicológico em torno do adoecimento, é sensato aceitar que aspectos psicológicos não existem soltos. Entre tantas importantes características da psicologia hospitalar, uma delas, de extrema relevância é a de que "ela não estabelece uma meta ideal para o paciente alcançar, mas simplesmente acciona um processo de elaboração simbólica do adoecimento." (Simonetti, 2004, p. 19).

Vale citar a afirmativa: "curar sempre que possível, aliviar quase sempre, consolar sempre" (Simonetti, 2004, p. 21)4. A transmutação de "consolar" em "escutar" se aproxima consideravelmente da "filosofia da psicologia hospitalar, que então pode ser definida como psicologia da escuta, em oposição à filosofia da cura..." (Simonetti, 2004, p. 21).

Mesmo naqueles casos em que o paciente encontra-se impossibilitado de falar por razões orgânicas ou não, (...) ou pura resistência, ainda assim essa orientação do trabalho pela palavra é válida, já que existem muitos signos não- verbais com valor de palavra, como gestos, olhares, a escrita e mesmo o silêncio (Simonetti, 2004, p. 23).

Enfim, "a psicologia hospitalar vem se desenvolvendo no âmbito de um novo paradigma epistemológico que busca uma visão mais ampla do ser humano e privilegia a articulação entre diferentes formas de conhecimento" (Simonetti, 2004, p. 25-26). E, a consequência clínica mais importante dessa visão é a de que "em vez de doenças existem doentes" (Simonetti, 2004, p. 26 citando Perestrello, 1989).


Segundo Angerami-Camon (2009), as perspectivas da Psicologia Hospitalar podem ser consideradas bastante promissoras, uma vez que determinam a própria trajectória de suas conquistas e realizações. A Psicologia, sobretudo a Psicologia Hospitalar, por mérito próprio, ganhou reconhecimento da comunidade científica, além de inquestionável notoriedade junto a outras profissões, assim como, contribuiu e contribui para a humanização da prática dos profissionais da saúde dentro do contexto hospitalar, sendo esta uma das determinantes da mudança da postura médica diante das patologias, de modo que aspectos emocionais passaram a ser considerados no quadro geral do paciente.

Para o autor, a Psicologia Hospitalar inovou na maneira de compreender o contexto de realidade institucional e sedimentou a compreensão do quadro de restabelecimento cirúrgico do paciente hospitalizado, estabelecendo a dimensão de seus medos, angústias e fantasias. Actuar como Psicólogo Hospitalar é crer que a humanização da abordagem hospitalar é possível e real; é sobretudo verter o grito de dor do paciente de modo que este seja não tão-somente escutado, mas sobretudo, compreendido em toda a sua dimensão humana.

O fato de a Psicologia Hospitalar ser igualmente presença obrigatória e indispensável em simpósios e congressos que abordam a Psicologia Clínica e Social de maneira abrangente e generalizada, pode ser considerado um factor sumamente relevante, uma vez que surgem dos cantos mais diversos do país, vozes que ecoam a performance desta área da Psicologia. É à partir da Psicologia Hospitalar que a própria Psicologia redefine conceitos teóricos, com o intuito de compreender melhor a somatização, suas implicações, ocorrências e portanto, consequências. Além disso, o autor defende que é também à partir da Psicologia Hospitalar que a conceituação da saúde passa a ser redefinida, na realidade institucional, em suas nuances e aspectos mais profundos.

A Psicologia Hospitalar é um determinante de novos modelos teóricos de atendimento, é o questionamento da prática, em uma actuação determinada pela própria realidade da conceituação de saúde e até mesmo de normalidade. Capaz de transformar tanto a realidade institucional quanto a realidade interior daquele que dela se aproxima e se apropria. Consiste ainda no renovar da esperança de que a dor seja entendida de uma forma mais humana, e de que os profissionais da saúde, sobretudo os médicos, possam aprender a escutar a angústia, o sofrimento, a ansiedade e o medo presentes em cada manifestação física de dor e sofrimento, sem temores, e com condições de lidarem com este lado do humano.

A Psicologia Hospitalar é o renovar do coração que vibra em ânsia antes e após cada cirurgia; é o renovar da família que sofre junto do paciente, sua dor, medo e angústia; é o esclarecimento dos sentimentos do profissional de saúde que se envolve com a dor do paciente e que, igualmente, sofre em níveis organísmicos a dor desse envolvimento. Pela óptica da Psicologia Hospitalar, o órgão enfermo é inserido no ser totalitário. De tal modo, se existe um movimento na filosofia, na psicologia, na psiquiatria e nas ciências humanas em geral para que seja abandonada a visão dualista mente-corpo, é sumamente na Psicologia Hospitalar que será encontrado o enfeixamento de compreensão do homem como um todo. (Angerami-Camon, 2009, p. 139).

Sendo a subjectividade o objectivo da Psicologia Hospitalar, a doença é um real do corpo no qual o homem esbarra. E, quando isso acontece toda a sua subjectividade é sacudida. De tal modo, a Psicologia Hospitalar está interessada em dar voz à subjectividade do paciente, restituindo-lhe seu lugar, de que a medicina, por vezes, lhe afasta. Uma característica importante da Psicologia Hospitalar é a de que ela não estabelece uma meta ideal a ser alcançada pelo paciente, mas simplesmente acciona um processo de elaboração simbólica do adoecimento. Para o autor, ela se propõe a ajudar o paciente a fazer a travessia da experiência do adoecimento, embora não diga onde vai dar essa travessia. O destino do sintoma e, por conseguinte, do adoecimento depende de muitas variáveis: do real biológico, do inconsciente e das circunstâncias. Logo, o Psicólogo Hospitalar participa dessa travessia como ouvinte privilegiado e não como guia. (Citando Moretto, Simonetti, 2004).

É certo que, na cena hospitalar, Medicina e Psicologia se aproximam significativamente, articulam-se, coexistem e tratam do mesmo paciente, no entanto, nunca se confundem, já que possuem objectos, métodos e propósitos marcadamente distintos. A filosofia da Medicina é curar doenças e salvar vidas. Já a filosofia da Psicologia Hospitalar é reposicionar o sujeito em relação à sua doença.

Citando Moreto, Simonetti (2004), refere, de modo bastante pertinente, que a Psicologia não está no Hospital para melhorar ou facilitar o trabalho da Medicina, embora isto possa ocorrer. A Psicologia Hospitalar jamais poderia funcionar a partir de uma filosofia de cura, especialmente porque se propõe a lidar também com situações em que a cura já não é mais provável, como no caso de doenças crónicas, assim como de doenças sem possibilidades terapêuticas. Vale ressaltar que no sentido médico de erradicação de doenças e eliminação de sintomas, a psicologia é pouco eficiente.

Assim, verdadeiramente, o Psicólogo pode fazer muito pouco em relação à doença em si, dado que este é o campo de trabalho do médico, mas pode fazer muito no âmbito da relação do paciente com seu sintoma: essa sim sendo uma das funções do Psicólogo inserido em um hospital geral.

Para Simonetti (2004), se a filosofia da Psicologia Hospitalar não se dá pela cura, também não se dá contra a cura. Trata-se de uma filosofia para além da cura, uma vez que suprimidos os sintomas e eliminadas as causas das doenças, ainda permanecem a angústia, os traumas, as desilusões, os medos, as consequências reais e imaginárias, ou seja, as marcas da doença. Logo, mesmo no trabalho bem sucedido de cura, muitas experiências ficam, resistem, tanto no curador como no doente. A Psicologia Hospitalar se propõe a tratar também dessas situações, dessas marcas, destas cicatrizes.

Embora tanto a Medicina quanto a Psicologia aceitem que a doença é um fenómeno bastante complexo, comportando várias dimensões, situá-las em termos de causas psíquicas versus causas orgânicas, ainda é uma característica do pensamento de parte dos médicos, uma armadilha para o Psicólogo, que de modo algum deve incorrer no erro epistemológico, uma vez que incontestavelmente o psíquico é orgânico e vice-versa. De acordo com Simonetti (2004), a Psicologia Hospitalar embora enfatize a parte psíquica, não diz, e nem tão pouco sugere , que outra parte não exista ou seja importante. Ao contrário, perguntará sempre qual a reacção psíquica diante da realidade orgânica, qual a posição do sujeito diante desse real da doença, e disso fará seu material de trabalho. Além disso, a Psicologia Hospitalar define como objecto de trabalho não somente a dor do paciente, mas também a angústia da família, a angústia, na maioria das vezes disfarçada da equipe, e a angústia muitas vezes negada dos médicos. De tal maneira, além de considerar essas pessoas individualmente a Psicologia Hospitalar também se ocupa das relações entre esses atores, o que a constitui como uma verdadeira psicologia de ligação, com a função de facilitar os relacionamentos entre pacientes, familiares e médicos. Não esquecendo-se, claro, da própria angústia e dor do Psicólogo neste teatro vivo do adoecimento e morte.

No terreno da subjectividade, é possível verificar que a relação entre a Psicologia e a Medicina é, por vezes, de uma contradição radical. Uma vez que a primeira faz da subjectividade seu foco principal, a segunda, muitas vezes, sem cerimónias, exclui a subjectividade de seu campo epistémico de maneira, por vezes, uma suposta, porém equivocada, abordagem objectiva do adoecimento sem o viés de sentimentos ou desejos. De tal modo acaba, muitas vezes por negligenciar a subjectividade tanto do paciente como do próprio médico e equipe.

Simonetti (2004), refere que tal abordagem, tão "objectiva", sofre o mal de que o excluído na teoria, retorna, com toda a força, na prática da clínica médica. Citando Moreto o autor afirma que é possível assim, assistir, na relação concreta médico-paciente, uma verdadeira enxurrada de emoções, sentimentos, fantasias e desejos, - de ambos – que, por não terem amparo teórico, são negados e escamoteados, embora nem por isso deixem de existir e influir. Vale considerar que a postura médica, diferenciada da postura do Psicólogo Hospitalar, frente ao adoecimento subjectivo do paciente não deve ser tratada como uma escolha meramente comportamental, mas sim como uma construção histórica que, embora sensivelmente, e, com grande esforço, vem se modificando ao longo dos anos.


Inicialmente, a prática psicológica frente à prática médica pode constituir-se em um embate. Afinal, quando o discurso médico fracassa em sua pretensão epistemológica de banir a subjectividade, abrem-se então as portas do hospital para a psicologia entrar, adentrar e cuidar desta importante característica humana que revoluciona a "meta" médica, subvertem-na além de lançarem complexa perplexidade na cena hospitalar.

Para Simonetti (2004), a medicina quer esvaziar o paciente de subjectividade, e a psicologia se especializou em mergulhar nessa mesma subjectividade, crendo que "mais fácil do que secar o mar, é aprender a navegar..." (p. 22). Que é exactamente isto, ou seja, restabelecer as condições para a prática da medicina científica, o que a medicina espera da psicologia hospitalar, não resta dúvida. A questão é saber se essa é mesmo a melhor função da psicologia nessa empreitada hospitalar. Será o papel da Psicologia Hospitalar o de actuar como depositária de toda a subjectividade em torno do adoecimento, permitindo, com esse gesto, que a medicina continue a ignorar a subjectividade e a trabalhar com um corpo como se nele não estivesse embutido um sujeito? Ou caberia à Psicologia Hospitalar redireccionar, de forma cuidadosa e não acusativa e crítica, essa subjectividade de volta para medicina, auxiliando-a tanto a incluí-la quanto a compreender e com ela lidar, em sua filosofia?

Por outro lado, vale ressaltar que a especificidade de cada profissão é inquestionavelmente relevante, uma vez que dá condições ao profissional de se apropriar de modo mais profundo daquilo que lhe compete enquanto especialista, o que não justifica a desqualificação de um outro profissional. Ao contrário, a necessidade e portanto, aceitação do outro, pode lançar luz à possibilidade de uma ressignificação interessante, produtiva para ambos, em termos de qualidade e efectividade no atendimento daquele que adoece, e que portanto, sofre.

Outra questão importante na compreensão do "paradoxo" Medicina e Psicologia é a questão do destino "desejado" ao sintoma, ou seja, o que cada profissional faz, tenta, ou deseja fazer com o sintoma do paciente. Fácil supor que na medicina não há dúvidas: ela quer eliminá-lo, destruí-lo. Ora, e tem mesmo que proceder assim, não há como defender o contrário. Afinal, esta é a natureza da medicina: o tratamento e a cura. E, embora não se colocando no caminho com vistas a atrapalhar tal premissa a Psicologia Hospitalar actua de maneira notadamente diferenciada, uma vez que não tem como função a eliminação mediada de todo e qualquer sintoma, já que se interessa por escutar e compreender o que ele tem a dizer.

Partindo de uma natureza inquestionavelmente diferenciada, para a Psicologia, todo sintoma, além de doer e fazer sofrer, traz em si uma dimensão de mensagem e comporta informações sobre a subjectividade de quem o possui. Existe no actuar da Psicologia Hospitalar a inalienável noção de que o sujeito fala por meio de seus sintomas, ou é falado por eles. Logo, a Psicologia se propõe a escutar, compreender e fazer com que todos o entendam: paciente, família e equipe de saúde. Eis a estratégia da Psicologia Hospitalar: tratar do adoecimento no registo do simbólico, uma vez que no registo do real a medicina já o faz brilhantemente e, notadamente, vem se esforçando para fazer, e fazendo, cada vez melhor.

Vale ressaltar que, mesmo nos casos em que o paciente se encontra impossibilitado de falar, por razões orgânicas, instrumentais ou emocionais, ainda assim, a orientação do trabalho pela palavra é bastante válida, já que não se pode e nem tão pouco se deve ignorar os signos não verbais com valor de palavra, tais como gestos, olhares, a escrita, até mesmo o valioso e expressivo silêncio.

De acordo com Simonetti (2004), o que interessa à Psicologia Hospitalar não é a doença em si, mas a relação que o doente tem com o seu sintoma, ou seja, o destino do sintoma, o que o paciente faz com sua doença e o significado que lhe confere. A Psicologia Hospitalar vem se desenvolvendo no âmbito de um novo paradigma epistemológico que busca uma visão mais ampla do ser humano, e privilegia a clínica, uma visão mais holística em termos de perceber não tão-somente doenças mas, sobretudo, a vivência existencial de pessoas que apresentam doenças.

Nessa direcção a Psicologia é perfeitamente capaz de perceber que todo conhecimento é parcial e que jamais será possível alcançar a verdade total de objecto ou de objectivo algum. De tal modo, deve se propor a dialogar sempre com aquela que se ainda não, deverá, em uma questão de tempo, e para o bem dos doentes, aceitar e melhor compreender algumas das nuances da Psicologia Hospitalar, de modo a caminharem sempre como complementares e nunca como "combatentes". Um conhecimento nunca deve ter o propósito de anular ou mesmo desqualificar o outro, mas sobretudo, se legítimo, ético, moral, aliar-se a ele com vistas a um enriquecimento contínuo para ambos. Assim, se não é possível conhecer o todo da doença, ou do doente, já será de grande utilidade conhecer muitas de suas dimensões, aliando-se conhecimentos de diferentes áreas.






É certo que a Psicologia, por seu alcance, causa significativo impacto na vida das pessoas, seja por sua presença ou mesmo por sua ausência. Notadamente, assim também o é com Medicina. E, qualquer abalo na "normalidade" será significativamente impactante na vida do sujeito e de sua família.

Vale ressaltar que, embora a Medicina há muito mais tempo, também a Psicologia evoluiu e evolui tendo em seu cerne a necessidade ética de adequar-se às mudanças necessárias para a evolução humana. De tal modo, percebendo e aceitando que todo processo de mudança, necessariamente terá inerente a ele novos desafios, para além do desenvolvimento e prática destas duas ciências de maneira isolada, existe a necessidade actual de uma maior união entre as ciências. O que se trata de nada menos que um processo inerente a uma série de desafios, muito provavelmente o maior deles: a determinante necessidade de lidar com o novo, com o outro, e com as próprias limitações.

Logo, é fundamental, a abertura para o desenvolvimento e aceitação de novos preceitos. Segundo Caixeta (2005), é muito importante que o médico, figura emblemática durante muito tempo detentor de todo o poder, saiba e incorpore que o paciente não vem só trazer-lhe um órgão doente, mas também a ansiedade e os problemas psicológicos ou mesmo sociais que deles decorrem.

Assim, o ser humano transcende suas condições fisiológicas, e a Medicina é fundamental para auxílio de seu adoecimento e prevenção do mesmo. Mas, trabalhando sozinha, jamais poderá alcançar o êxito tão almejado, dado que não contempla o ser humano em sua integralidade. Além disso o médico pode e deve também incorporar à sua prática, o fato de que não está sozinho nesta empreitada, mas que poderá contar com outros profissionais, que embora inseridos recentemente no hospital, se predispõem a compartilhar todo o seu conhecimento, para maior chances de alcance de seu objectivo: auxiliar o ser humano na manutenção de sua saúde. Um destes profissionais, certamente é o Psicólogo.







Angerami-Camon, V. A. et al. (Org). Urgências psicológicas no hospital. São Paulo: Pioneira, 1998.

Angerami-Camon, V. A. et al. Psicologia Hospitalar – Teoria e Prática. São Paulo: Pioneira, 1995.

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